O NEGRO NÃO SE CALOU
Segue
nossa série Terras de Preto. Histórias documentadas
pelo fotógrafo Ricardo Teles em nove quilombos do País,
como o de Frechal, interior do Maranhão
Por
Ivo Fonseca Silva, da Aconeruq
A
história do Quilombo Frechal teve início em
1792, quando Manuel Coelho de Sousa recebeu, por meio de sesmaria,
a gleba de terra a qual denominou Fazenda Pindobal, na época,
Município de Guimarães (atual Município
de Mirinzal). Em seu testamento de partilha, aquela terra
passou para a mão de Torquato Coelho de Sousa, junto
com escravos de diversas nações africanas.
Nesta
época, já existiam na região grandes
quilombos, como o de Chapadinha, Limoeiro, no Município
de Turiaçú, e outros. Os quilombolas participavam
de iniciativas que ultrapassavam a defesa do quilombo, como
o caso do movimento chamado Guerra da Balaiada, liderado por
Negro Cosme, de 1838 a 1841. Foi nesse contexto histórico
que o Quilombo Frechal viveu durante 210 anos, com suas lutas
e sua cultura passando de geração para geração.
Uma comunidade cuja história sempre esteve ligada ao
próprio processo de escravidão no Maranhão.
Mesmo
após a suposta abolição da escravidão,
os quilombolas de Frechal tiveram que continuar lutando por
sua sobrevivência, sua liberdade e sua independência.
Em 1974, teve início um novo e intenso conflito, com
a chegada na comunidade de um pretenso proprietário
que intitulou-se dono daquelas terras, trazendo consigo o
absurdo do desmatamento e muitas proibições:
de roçado, criação de animal doméstico,
construções das casas, pesca artesanal, manifestações
culturais... Ou seja: novamente a escravidão...
Esse
conflito chegou a durar 20 anos. No começo, os habitantes
de Frechal se sentiram bastante desorientados, mas em 1985,
cansados de sentir na pele o quanto estavam sendo prejudicados
por essa nova escravidão, resolveram se organizar como
um grupo, mobilizando-se contra aquela exploração.
A primeira atitude a ser tomada foi a fundação
de uma associação de moradores, com a participação
da Igreja, do Sindicato e de diversas entidades de apoio.
A mobilização estendeu-se até o Centro
de Cultura Negra do Maranhão e a Sociedade Maranhense
de Direitos Humanos, onde foi elaborado um processo judicial,
culminando na criação de uma reserva extrativista,
hoje reconhecida no Brasil inteiro como Reserva Extrativista
de Frechal. O reconhecimento de seus direitos e a luta por
eles garantiu aos quilombolas de Frechal uma vida melhor e
mais digna. A luta pela posse da terra marca a existência
e o cotidiano de todos os trabalhadores que, há séculos,
vivem e cultivam no Quilombo Frechal. Esses trabalhadores,
descendentes de escravos, não são frutos de
movimentos migratórios. A sua memória oral não
está presa a outro lugar senão ao Frechal: eles
sempre estiveram lá, seus pais e seus avós nasceram
e foram enterrados naquelas terras.
Ivo
Fonseca da Silva é maranhense de Frechal e membro da
Coordenação Nacional dos Quilombos do Brasil.
O artigo foi extraído do livro Terras de Preto, Mocambos,
Quilombo: Histórias de nove comunidades negras rurais
do Brasil (editora @books www.animacultural.com.br)
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