Massacre
de Camarazal: 10 anos de impunidade
Na madrugada do dia 9 de junho de 1997, pistoleiros atacaram
o acampamento do Engenho Camarazal, na cidade de Nazaré da
Mata, Zona da Mata Norte de Pernambuco, atirando contra
trabalhadores rurais Sem Terra acampados na área. Cinco
trabalhadores ficaram feridos, inclusive duas crianças.
Pedro Augusto da Silva e Inácio José da Silva, cunhados,
foram assassinados depois de terem sido brutalmente
torturados. O caso ficou conhecido como o Massacre de
Camarazal. Dez anos se passaram e até hoje ninguém foi
punido, nem mesmo indiciado, pelo assassinato dos dois
agricultores.
Logo após o massacre, o Engenho Camarazal foi desapropriado
e o novo assentamento passou a se chamar Assentamento Pedro
e Inácio em homenagem aos dois agricultores que perderam
suas vidas para que aquelas terras fossem devolvidas ao povo
que nelas cultiva.
Para lembrar os 10 anos do Massacre e exigir justiça, o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Comissão
Pastoral da Terra (CPT) e a Rede Social de Justiça e
Direitos Humanos, realizaram o filme “Armas não Atiram
Rosas”, que será lançado no Recife na próxima
sexta-feira, dia 06 de julho. O documentário é uma denúncia
contra a impunidade dos crimes cometidos pelo latifúndio e
uma mostra da força do povo, que mesmo ameaçado, mesmo
perdendo entes e companheiros queridos, seguem lutando por
justiça e liberdade.
Radiografia do crime
Quando o Engenho Camarazal foi ocupado pelos trabalhadores
rurais, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra) já havia considerado a área improdutiva e o imóvel
já possuía decreto de desapropriação para fins de
Reforma Agrária, conforme determina a lei. Nesse contexto,
no dia 05 de junho de 1997, trabalhadores rurais ocuparam o
Engenho como estratégia para pressionar pela rápida
desapropriação do imóvel.
Por volta de meia-noite do dia 09 de julho, cerca de trinta
pessoas armadas invadiram o acampamento disparando
indiscriminadamente contra homens, mulheres e crianças, com
o claro objetivo de matá-los. Os trabalhadores se
dispersaram na mata em busca de abrigo. Depois de horas de
disparos contínuos os pistoleiros atearam fogo nos barracos
e destruíram todo o acampamento. Pela manhã os corpos de
Pedro e Inácio foram encontrados boiando no Rio Capibaribe,
no município vizinho de Paudalho.
Dados para a apuração do crime não faltam.
Segundo os laudos do Instituto Médico Legal, Pedro foi
morto por um tiro na nuca, pancadas na cabeça e corte no
pescoço. Inácio foi morto por dois tiros no peito. Ambos
tinham marcas de tortura.
Em denuncia entregue à Organização dos Estados Americanos
(OAE), a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e a
Comissão Pastoral da Terra (CPT) apontam que foram
recolhidos no local trinta estojos de cartucho calibre 12,
cinco estojos de calibre 38, dois estojos de calibre 9 mm,
um estojo de calibre 380mm. Prova suficiente de que a intenção
era matar todos os trabalhadores rurais acampados na área.
Testemunhas não faltam
Mais de 16 testemunhas foram ouvidas e muitas outras
poderiam ter sido, caso a policia não tivesse encerrado as
investigações um mês depois de iniciadas.
Diversas testemunhas afirmaram que por duas vezes a pessoa
de Rui Costa Ramos de Andrade Lima, que se dizia proprietário
da área do Engenho Camarazal, esteve observando o
acampamento dos trabalhadores. As testemunhas afirmaram também
que os pistoleiros usavam termos militares, e que se
tratavam entre si usando a palavra ‘Comandante’. As
testemunhas chegaram até a identificar pelo nome um dos
agressores, reconhecido como capanga do proprietário.
O ataque ao acampamento do engenho Camarazal aconteceu
quatro dias após uma reunião de 200 dirigentes da Associação
dos Fornecedores de Cana e do Sindicato dos Cultivadores de
Cana de Pernambuco, em que foi aprovada uma “mobilização
para barrar as invasões de propriedades na Zona da Mata”.
O encontro aconteceu no Clube Social da Usina Estreliana,
local onde ocorreu outro massacre de trabalhadores na década
de 60, quando trabalhadores da usina foram cobrar o
pagamento do décimo-terceiro salário e foram trucidados
pelo dono da usina, então deputado pelo PTB.
Com tantos elementos possibilitando a identificação dos
criminosos, porque a polícia preferiu optar por se omitir
de realizar qualquer investigação desde 27 de agosto de
1997?
O que falta?
Membros do Governo na época se mostraram indignados com o
Massacre. O então Ministro Extraordinário de Política
Fundiária, Raul Jungmann, declarou a imprensa que “a punição
para os assassinos tem que ser exemplar”. José
Gregori, Secretário Nacional de Direitos Humanos, tranqüilizou
a sociedade: “A população pode ficar segura de que o
governo não descansará enquanto essas mortes não foram
apuradas”.
Mas não houve punição nenhuma, muito menos exemplar. O
governo descansou e a violência no campo só aumentou.
A impunidade incentiva mais violência. Segundo dados do
Caderno de Conflitos no Campo, publicado anualmente pelo CPT,
entre 2005 e 1006 foram assassinados 468 trabalhadores
rurais no Brasil. Só na região nordeste foram 109
assassinatos, 39 deles em Pernambuco. Todos os criminosos
permanecem impunes.
O ano é 1997. A cidade, Nazaré da Mata, Estado de
Pernambuco. Mas poderia ser 1996, Eldorado dos Carajás,
Estado do Pará. Ou 1995, cidade de Corumbiara, Rondônia.
Ou mais recentemente: 2004, Felisburgo, Minas Gerais.
Os anos passam, os lugares mudam, mas os fatos são os
mesmos: trabalhadores rurais brutalmente assassinados a
mando de fazendeiros ou por policiais militares. E os
resultados também são os mesmos: a impunidade generalizada
dos crimes cometidos pelo latifúndio.
Até quando vamos continuar sentindo o cheiro de pólvora?
“Pena que as armas não atiram rosas,
Assim, Eldorado seria um Jardim.
Pena que o aroma não era de flores,
Pois Camarazal não cheira a jasmim.
Carandiru chora prisões inclementes,
Candelária clama risos inocentes.
O vento percorre cidades e campos
E os pés imigrantes procuram seu canto
E um velho poeta falou a essa gente,
De portas na cara, de longas estradas,
De quem uma casa nem tem pra morar.
Justiça? Procuram,
Mas onde é que está?
Pois sempre escutam, do lado de lá,
Um riso satânico de quem não tem planos,
De por na cadeia quem manda matar.
Matar nosso corpo, matar o sorriso,
Matar o juízo de se libertar.
Mas qual o caminho? Me vi perguntar.
Que essa agonia não jogue semente,
Na encruzilhada do desanimar.
Mas numa canção juntar nossas mãos,
Pra juntos trilharmos a mesma estrada,
Plantando na marra uma poesia
Que nos leve um dia ao mundo dos livres.”
Qual o caminho? – Zé Pinto
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