A maioria dos inquéritos e processos que tramitam na
Justiça Militar da União é considerada
grave. O número alto de alcoólatras e do uso
de drogas, além da utilização sistemática
da tortura e outras violações contra os seus
próprios integrantes, são alguns dos sérios
problemas pelos quais passam as Forças Armadas.
Tortura
nas Forças Armadas
Cecília
Maria Bouças Coimbra1
De
um modo geral, as Forças Armadas, no Brasil, têm
sido apontadas como um grande trunfo no combate à chamada
violência urbana e rural e ao tráfico de drogas.
Entretanto,
em realidade, essas mesmas Forças Armadas enfrentam
em suas fileiras sérios e graves problemas. Em matéria
publicada em O Globo (19/08/01, p. 19), lê-se que "a
grande maioria dos cerca de 1500 inquéritos e processos
em tramitação na Justiça Militar da União,
é de crimes graves, como latrocínio, homicídio,
estelionato e roubo". Esses crimes, no Rio de Janeiro,
chegam a 71% do total desses processos.
Além
disso, nas Forças Armadas há um número
alto de alcoolismo e uso de drogas. "Somente no ambulatório
do Centro de Tratamento Químico do Hospital Central
da Marinha estão, cerca de 300 militares dependentes
de álcool, barbitúricos, anfetaminas, maconha
e cocaína" (O Globo, idem).
Fora
este quadro _ pouquíssimo divulgado _ uma outra questão
ganha espaço dentro das Forças Armadas: o uso
sistemático da tortura e de outras violações
contra seus próprios integrantes. O tema é bastante
delicado e, no Brasil, considerado tabu. Pela força,
prestígio e poder que as Forças Armadas ainda
desfrutam no país _ não esquecer o recente período
de ditadura militar e a transição para os governos
civis comprometida pelo silenciamento e pelo esquecimento
_ as investigações são realizadas dentro
das próprias corporações e as punições,
quando acontecem, são bastante leves tendo em vista
os delitos cometidos.
Humilhações
e coações são rotina. Episódios
envolvendo maus tratos não são novidades nas
Forças Armadas. Até documentos em vídeos
já registraram coações físicas
e psicológicas durante treinamentos: em 1993, a imprensa
brasileira teve acesso a uma fita que mostrava soldados do
Exército sugando o sangue de galinhas mortas. Também
há registros de casos de suicídios motivados
por humilhações e coações psicológicas.
Em
maio de 2001, o Grupo Tortura Nunca Mais/RJ e o Centro de
Justiça Global entregaram ao Comitê Contra a
Tortura da ONU documento onde eram assinalados 11 casos de
torturas e violações acontecidos, em especial
no estado do Rio de Janeiro, a partir de 1990.
Hoje,
tem-se registrado 23 casos que se tornaram, de algum modo,
públicos. Entretanto, somente em um número muito
pequeno deles houve continuidade das denúncias feitas.
Na maioria dos casos, pressionadas de diferentes formas, as
pessoas desistiram de suas denúncias. São os
seguintes os casos até agora levantados:
1.
Cadete Márcio Lapoente da Silveira, 18 anos _ (tortura
e morte)
No
dia 9 de outubro de 1990, às cinco da manhã,
Márcio estava em treinamento na Academia Militar das
Agulhas Negras (AMAN), em Resende, Rio de Janeiro, num pelotão
comandado pelo tenente Antônio Carlos De Pessoa. O exercício
era puxado. Márcio sentiu-se mal e pediu para descansar
um pouco. Aos gritos o instrutor ordenou que continuasse.
Márcio continuou a instrução, suando,
fraco, sentindo que o chão lhe faltava e tudo começava
a rodar à sua volta, a ficar longe...
Desmaiou
e decretou sua sentença de morte. Seu instrutor, o
tenente De Pessoa, passou a gritar e a dizer-lhe, em meio
a uma enxurrada de palavrões, que fosse homem e parasse
de embromar. Das palavras passou aos atos e começou
a chutar Márcio no corpo e na cabeça. O coturno
do oficial bateu várias vezes, com força, na
fronte do rapaz. Em seus derradeiros momentos de consciência,
Márcio ainda tentou defender-se. Uma coronha de fuzil
esmagou-lhe quatro dedos e reduziu sua mão esquerda
a uma bola disforme de sangue.
Enquanto
De Pessoa agredia Márcio, outros oficiais a tudo assistiam,
sem intervir, mantendo os alunos à distância.
Um deles chegou a comentar, dirigindo-se a Márcio que
agonizava: "Você está com cara de quem vai
morrer". Toda a sessão de tortura foi filmada
ante o espanto e a revolta dos colegas de turma..
Márcio,
inconsciente, ficou estendido numa maca, exposto ao sol durante
três horas, sem qualquer assistência. Formou-se
um cordão de isolamento de soldados à sua volta
com seus companheiros e até dois médicos que
foram impedidos de aproximar-se dele, sendo informados de
que se tratava de "uma cagada da instrução".
Só às 8h 30 deu entrada no Hospital da AMAN.
Diagnóstico: meningite.
Em
Resende, há um hospital com UTI que poderia ter atendido
o rapaz. Entretanto, ele foi jogado numa ambulância
sem qualquer equipamento e sem oxigênio, e transferido
para o Hospital Central do Exército, no Rio. O calor
era tanto, dentro da ambulância, que o trajeto foi feito
com a porta aberta, porque o enfermeiro que o acompanhava
reclamou. Márcio morreu na Via Dutra e chegou morto
ao Hospital Central do Exército.
A
autópsia foi assinada por um legista de passado notório,
Rubens Pedro Macuco Janine, que já assinara laudos
falsos de presos políticos assassinados durante a ditadura
e que, por isto, acabou tendo seu registro de médico
cassado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio
de Janeiro, em 2000.
O
caso de Márcio foi parar na Justiça Militar,
mas o espírito corporativo protegeu o assassino. A
abertura do processo foi atrasada para que De Pessoa pudesse
ser promovido a Capitão.
A
Justiça Militar reconheceu documentalmente que houve
"excessos" praticados por oficiais, negligência
e erro médico, por parte dos médicos da AMAN.
Apenas De Pessoa foi julgado, punido, mas beneficiado por
sursis pelo Superior Tribunal Militar.
Os
pais de Márcio continuam procurando justiça,
apesar das pressões e ameaças que têm
sofrido.
2.
Luis Viana Santos, 19 anos _ (tortura)
Em
novembro de 1991, o então soldado Luiz V Santos, no
quartel da Vila Militar (RJ), foi submetido a uma sessão
de sete horas de tortura que o deixou incapacitado para o
trabalho. Havia sido acusado do furto de um cheque, quando
fazia um curso para cabo, preparando-se para a carreira militar.
Apesar do soldado Almir Francisco de Sá ter confessado
o roubo, três meses depois, Luiz Viana foi desligado
do Exército sem direito a tratamento médico.
Com
as pernas, braços e pescoço amarrados com cordas,
o soldado foi espancado com chutes e pontapés e jogado
contra a parede. Passou a apresentar várias seqüelas
como problemas de coluna e de movimento no pulso esquerdo,
devido às múltiplas fraturas que sofreu.
Em
outubro de 1992, o Capitão de Cavalaria Delano Bastos
de Miranda e o 3o Sargento George Carlos Rincon Baldessani
foram condenados a 1 ano e 9 meses de prisão na 1a
Auditoria do Exército, mas foram beneficiados por sursis
e estão em liberdade.
A
família foi pressionada para desistir do processo.
3.
Emerson Santos de Melo, 20 anos _ (suicídio)
Em
novembro de 1992, o soldado do Exército Emerson que
servia no 3o Batalhão Especial de Fronteira, em Macapá
(Amapá), não suportando mais as pressões
e humilhações sofridas no cotidiano do quartel,
suicidou-se tomando uma mistura de medicamentos. No bilhete
de despedida que deixou escreveu: "...como já
disse antes esse é o pior ano de minha vida. Nunca
pensei que um dia iria passar por tantas humilhações
de uma vez só na vida."
4.
Jean Fábio da Silva Martins, 18 anos à época
da prisão _ (torturas)
Em
25 de março de 1994, para confessar um crime _ o roubo
de um fuzil _ o recruta Fábio foi submetido a torturas.
Esteve preso no Quartel da Vila Militar (RJ), na Delegacia
de Roubos e Furtos e no Quartel da Polícia do Exército.
Foram 36 dias de suplício por conta de sua inexperiência
e ingenuidade. Havia recebido ordem de um militar, que se
dizia tenente, para deixar seu fuzil FAL no local e fazer
o reconhecimento da área próxima. Ao voltar,
o fuzil havia desaparecido. Os superiores não aceitando
sua história, prenderam-no e, durante 36 dias, foi
violentamente torturado, sofrendo espancamentos, asfixia,
etc.
5.
Eduardo Ferreira Agostinho, 19 anos _ (tortura e morte)
Após
ter sido submetido a intensos exercícios físicos
e maus tratos, em 24 de janeiro de 1996, o aluno da Escola
Naval (RJ) Eduardo não resistiu aos treinamentos e
morreu. Foi submetido a uma brutal sessão de exercícios
e, durante uma corrida, sob sol forte, desmaiou e entrou em
coma. Eduardo já havia baixado à enfermaria,
uma hora antes, mas foi obrigado a retornar aos exercícios.
Suas mãos e pés apresentavam bolhas de queimaduras
provocadas pelo asfalto, onde teve que fazer várias
flexões de braços. Além de Eduardo, dois
outros aspirantes passaram mal, sendo que um deles chegou
a ser internado. Dez outros não resistiram às
brutalidades dos exercícios físicos e pediram
baixa, ainda em janeiro de 1996.
6.
Samuel de Oliveira Cardoso, 17 anos à época
da prisão _ (tortura)
O
ex-aluno do Colégio Naval, em Angra dos Reis (RJ),
Samuel após ser submetido a inúmeras torturas,
saiu da escola, em janeiro de 1996. Vítima de maus
tratos, ficou internado no Hospital da Marinha. Foi torturado
por alunos mais velhos, o que dizem ser praxe no Colégio
Naval. Sofreu espancamentos, torturas psicológicas
e vários tipos de violência durante dois anos.
Fazia testes físicos brutais, como passar o dia inteiro
correndo. A comida, muitas vezes, era estragada, mas os alunos
eram obrigados a comer. Ficou hipertenso e com alterações
no comportamento, não sendo mais capaz de fazer exercícios
físicos.
7.
Joílson da Silva Melo, 20 anos _ (tortura e morte)
Em
27 de setembro de 1998, o aluno Joílson no 3o Batalhão
de Infantaria (Niterói _ RJ) não agüentou
o treinamento realizado e os exercícios de sobrevivência
na selva, vindo a falecer no Hospital Central do Exército.
O laudo de necrópsia deu como causa mortis edema cerebral.
A família soube por colegas de Joílson que,
durante o treinamento, ele havia recebido chutes na cabeça.
A família que pretendia processar o Exército
desistiu diante das pressões sofridas.
8.
Nazareno Kleber de Mattos Vargas, 29 anos à época
da prisão _ (torturas)
Cabo
da Aeronáutica acusado de seqüestro, ficou preso,
inicialmente, na 76ª Delegacia Policial, em Niterói,
em 03 de fevereiro de 1997. Naquela Delegacia foi torturado
com choques elétricos e espancamentos. Sua mulher também
foi presa e torturada naquele local o que fez com que ele
assinasse a confissão de seqüestro. No dia seguinte
foi levado para o Batalhão de Infantaria da Aeronáutica
(BINFA) do IIIo Comando Aéreo/RJ, (COMAR), onde foi
torturado quase que diariamente durante dois anos e meio,
até junho de 1999, quando por ordem da Justiça
foi transferido para a Clínica Psiquiátrica
Bela Vista, em Jacarepaguá (RJ).
Durante
os dois anos e seis meses em que ficou preso foi, quase que
diariamente, torturado com espancamentos (chutes, socos, pontapés,
joelhadas, tapas), choques elétricos, sevícias
sexuais (introdução de dedos e cassetete em
seu ânus), palmatórias nas palmas das mãos
e solas dos pés. De um modo geral, esses suplícios
aconteciam à noite. Freqüentemente, era algemado
para receber choques elétricos e ser espancado. A cela
que ocupou com mais três outros presos (os casos são
descritos adiante) era insalubre, com condições
sub-humanas de higiene, com ratos, lacraias e baratas. Muitas
vezes, após ser torturado, era colocado na cela despido
e no meio de suas próprias fezes.
Nesses
dois anos e meio de prisão somente foi levado ao banho
de sol, duas ou três vezes. Seu desespero foi tanto
que, por duas vezes, tentou o suicídio. De um modo
geral, seus torturadores usavam capuz.
Quando
da sua transferência para a Clínica Psiquiátrica
foi ameaçado de morte se revelasse as agressões
sofridas; na própria viatura que o transportava foi
agredido com socos.
Depoimentos
de vários de seus familiares confirmam as torturas
sofridas, pelas marcas vistas em seu corpo (hematomas, inchaços
e marcas de queimaduras)
Até
hoje, Nazareno continua internado sob custódia e tem
sérios e graves abalos psíquicos, tendo pesadelos
constantes. Foi aberto processo no Ministério Público
Militar e o cabo vem sendo sistematicamente ameaçado
para retirar a queixa. Também na Polícia Federal
foi aberto um inquérito policial e seu caso vem sendo
acompanhado, desde janeiro de 2001, pelo Procurador Federal
dos Direitos dos Cidadãos, no Rio de Janeiro, Dr. Daniel
Sarmento
9.
Anderson Gomes Monteiro, 18 anos à época da
prisão _ (torturas)
Soldado
da Aeronáutica, acusado de roubar um carro, foi preso,
em 17/07/98 e encaminhado para o Batalhão de Infantaria
da Aeronáutica (BINFA) do IIIo Comando Aéreo
(COMAR) do Rio de Janeiro onde foi torturado por cerca de
um ano e meio, até agosto de 2000. Da mesma forma que
o Cabo Nazareno _ com quem ficou na mesma cela _ foi violentamente
torturado, quase que diariamente, especialmente à noite
e nos fins de semana. Em algumas ocasiões, chegou a
ser espancado cinco vezes num mesmo dia. Freqüentemente
era acordado à noite para ser torturado.
Em
agosto de 1998 _ por estar o BINFA com muitos presos _ foi
transferido para a prisão da Base Aérea do Galeão
(RJ), onde permaneceu até novembro do mesmo ano. Lá
também foi torturado, "só que com mais
cautela" (depoimento do próprio soldado), sofrendo
agressões físicas, coações e tendo
que fazer exercícios físicos até a exaustão.
À noite era freqüentemente acordado, tendo suas
roupas de cama retiradas e seu colchão molhado. Ficou
cerca de 10 dias sem ver sua família. A alimentação
vinha remexida e salgada. Solicitou médico e dentista
e seus pedidos foram ignorados.
Ao
voltar para o BINFA do IIIº COMAR, ainda junto com Nazareno
e outros dois presos, suas torturas continuaram. Num determinado
dia, foi tão espancado que perdeu os sentidos. Por
vezes, ficavam dias sem água. Aberto inquérito
na Justiça Militar, por denúncia do soldado,
nada foi apurado. Foi aberto também um inquérito
policial na Polícia Federal e seu caso vem sendo acompanhado,
desde janeiro de 2001, pela Procurador Federal dos Direitos
do Cidadão, no Rio de Janeiro, Dr. Daniel Sarmento.
10.
Sérgio Wanderley Macedo da Costa, 25 anos _ (possível
suicídio)
O
terceiro sargento do Exército Sérgio teria se
suicidado no refeitório do Batalhão _ Escola
de Engenharia do Exército, em Santa Cruz (RJ) com um
tiro na cabeça, em 11 de setembro de 1999. As fotos
vistas pela família, mostravam um tiro por trás
da orelha direita de Sérgio. Segundo seus pais ele
nunca se suicidaria e vinha reclamando de que o estavam perseguindo
no Batalhão.
11.
Fernando Romel Fernandes de Oliveira, 18 anos _ (tortura e
morte)
Em
02 de junho de 1996, o soldado do Exército Romel foi
espancado e torturado para dizer onde se encontrava uma arma
desaparecida no 26o Batalhão de Infantaria Pára-quedista
(RJ). Morreu oito horas depois no CTI do Hospital Central
do Exército. Seu pai relata que soube que seu filho
havia sido barbaramente espancado. Segundo dois amigos de
Fernando, em 14 de maio, acusado pelo desaparecimento de uma
pistola privativa das Forças Armadas, foi detido e
impedido de se comunicar com a família. "Após
o expediente , dois homens entraram na cela, supervisionados
pelo sargento J. Gonçalves (...) (que) mandava bater
com uma borracha e perguntava a quem Romel tinha dado a pistola.
Como ele negava o furto, as pancadas não paravam (...).
No dia seguinte ao espancamento, Romel recebeu novamente a
visita do sargento na cela (...),
foi
mais uma vez espancado. Dia 16, o soldado começava
passar mal (...). Três dias depois, como o estado de
saúde do rapaz piorou, o comando determinou a internação"
(Jornal O Dia, 28/09/97, p. 24). Três dias depois de
ser levado ao Hospital Central do Exército, em 19 de
maio, Romel entrou em coma.
A
família entrou com ação contra o Exército,
pedindo à Auditoria Militar o indiciamento dos responsáveis.
12.
Marcos José de Sales Cantuária, 19 anos _ (tortura)
Em
10 de julho de 2000, o soldado Marcos e um grupo de recrutas
da Brigada Pára-quedista do Exército estavam
na Serra do Mendanha (zona oeste do Rio de Janeiro) para exercícios.
Marcos não conseguindo executar esses exercícios,
foi espancado com grande violência durante quatro dias,
pois havia passado mal e não pode continuar. A família
pensou entrar com processo contra o Exército, mas não
foi adiante.
13.
Jeremias Pedro da Silva, 23 anos _ (morte _ provável
morte não acidental)
O
soldado do Exército Jeremias foi morto, em 07 de julho
de 2000, segundo informações, por um tiro disparado
por um colega num Quartel da Vila Militar (RJ). O caso foi
narrado de forma estranha e confusa, pois a família
de Jeremias chegou, a pedido das autoridades militares, a
assinar um termo de perdão ao autor do disparo, o também
soldado Wagner Vital Pegado, amigo de Jeremias.
14.
Sérgio Rodrigo Pereira Gomes, 20 anos _ ( morte)
O
corpo do soldado da Aeronáutica Sérgio foi encontrado,
em 30 de junho de 2000, com um tiro de calibre 9 mm na cabeça,
em terreno da Aeronáutica, no Galeão (Ilha do
Governador/RJ). Havia desaparecido, em 29 de junho, quando
dava guarda na Prefeitura do Galeão. O estranho é
que seus familiares, no mesmo dia 29, foram procurados por
soldados da Aeronáutica em busca de uma pistola Imbel
9 mm (pistola de uso exclusivo da Aeronáutica) que
estava em poder do soldado.
15.
Vilson Coelho Inácio _ (tratamento de saúde)
Em
1993, familiares do soldado do Exército Vilson foram
obrigados a entrar na Justiça para que o rapaz recebesse
tratamento médico, pois sofria de febre reumática,
doença que pode ser fatal se não houver tratamento
adequado. Apesar disso, o comando do 1º Batalhão
Logístico do Exército (RJ), onde Vilson servia,
impediu que um médico civil o examinasse.
16.
Celestino José Rodrigues Neto, 14 anos _ (suicídio)
Em
15 de maio de 1990, o aluno da oitava série do Colégio
Militar, do Rio de Janeiro, suicidou-se depois de ter sido
submetido a humilhação pública diante
dos colegas e da mãe no pátio do Colégio.
Motivo: o garoto consultou um livro enquanto fazia a prova
de Geografia, tendo sido suspenso por seis dias. Suicidou-se
dois dias depois, deixando uma carta com um pedido de desculpas
para a mãe, que acompanhara toda a cena no pátio
da escola.
17.
João Vicente Santana _ (possível suicídio)
Em
maio de 1992, no Rio de Janeiro, o soldado da Aeronáutica
João Vicente teria cometido suicídio. A Aeronáutica
apenas informou que o soldado se matara com um tiro de fuzil
no pescoço. Entretanto, no atestado de óbito,
a causa da morte foi atribuída a uma "contusão
com fratura de crânio" .
18.
Paulo Roberto Vieira Barbosa, 19 anos _ (tentativa de suicídio)
Em
22 de agosto de 1993, o soldado Paulo, após três
meses servindo na 1ª Companhia do Batalhão de
Polícia do Exército (Tijuca, zona norte do Rio
de Janeiro), tentou o suicídio com quatro tiros. Segundo
seus companheiros, ele recebia sua segunda punição
por não ter se submetido à revisão do
corte de cabelo. No dia 22, apesar de estar bastante deprimido,
foi obrigado a fazer a conferência de armas no Batalhão,
quando atirou contra si. Além de perder um rim, Paulo
quebrou uma costela e os tiros também atingiram o fígado
e o pulmão.
19.
João Antonio Caputo, 31 anos _ (assassinato)
O
capitão _ médico Caputo foi assassinado a tiros,
em São Gonçalo/RJ, em 13 de novembro de 1990.
Segundo documento confidencial do Exército, que o Jornal
O Globo teve acesso, o oficial denunciou, em 23 de julho de
1990, ao Ministério do Exército, em Brasília,
e ao Comando Militar do Leste, no Rio, o desaparecimento de
várias caixas de medicamentos e de material cirúrgico
do Hospital Central do Exército. Ao investigar o caso,
Caputo descobriu que por trás dos roubos no hospital
havia uma quadrilha também dedicada a contrabando de
armas e munição.
Seu
corpo foi encontrado na mala de seu carro abandonado, com
as mãos amarradas e com três perfurações
de pistola 45. O Exército não investigou, afirmando
que o esclarecimento do assassinato competia à Justiça
comum.
20.
Alexander Cristiano da Silva _ (provável suicídio)
O
soldado do Exército Alexander que servia no Batalhão
de Aviação do Exército, de Taubaté/SP,
suicidou-se em 05 de dezembro de 1993. Estava preso no quartel
há uma semana por tentativa de deserção
e, segundo informações do próprio Exército,
se enforcou com o cadarço de seu coturno.
21.
Carlos Rodrigo da Rocha Flores, 18 anos _ (morte)
O
soldado do Exército Flores que servia no 16º Grupo
de Artilharia de Campanha, na cidade de São Leopoldo
(Rio Grande do Sul), morreu, em 09 de abril de 2000, com leptospirose
(doença transmitida por bactérias encontradas
na urina de ratos). Mais 23 soldados do Batalhão de
Carlos foram internados com os mesmos sintomas de leptospirose,
dias depois. Todos os soldados fizeram treinamentos em um
terreno onde foram localizadas várias tocas de ratos
e esgotos que contaminam os córregos e lagos da região.
O
Exército pagou uma indenização à
família de Flores e o caso foi simplesmente encerrado.
22.
Anderson Hilário de Souza, 21 anos à época
da prisão _ (tortura)
Acusado
de tentar estuprar uma militar da Aeronáutica, o civil
Anderson foi preso, em 17/02/1997, sendo levado para o BINFA
no III COMAR (RJ). Ali permaneceu por quase dois anos, sendo
torturado diariamente, até 29/01/1999, quando foi transferido,
bastante desequilibrado emocionalmente, para o Hospital Penitenciário
Heitor Carrilho onde cumpre pena.
No
BINFA ficou na mesma cela que o cabo Nazareno Vargas e o soldado
Anderson G. Monteiro, passando pelas mesmas violentas e bárbaras
torturas que os dois sofreram (agressões, espancamentos,
estrangulamentos, sevícias sexuais, choques elétricos).
Por vezes, as torturas eram tão fortes que ficava desacordado.
Seus
familiares relatam as marcas de torturas visíveis em
seu corpo quando iam visitá-lo.
Foi
aberto inquérito policial na Polícia Federal
para apurar as responsabilidades dessas torturas no IIIº
COMAR e, desde janeiro de 2001, seu caso vem sendo acompanhado
pela Procurador Federal dos Direitos dos Cidadãos,
no Rio de Janeiro, Dr. Daniel Sarmento.
23.
André Luiz Oliveira da Silva, 45 anos à época
da prisão _ (torturas)
Sargento
da Aeronáutica, André estava lotado em Manaus.
Em meados de 1997, saiu de lá por estar sendo perseguido
em razão de denunciar que aviões da FAB estavam
sendo utilizados para o tráfico de armas e drogas na
região. Veio para o Rio com licença de saúde
e foi obrigado a voltar por ter sido acusado de deserção.
Voltou ao Rio, após ter sido absolvido no processo
e, através de uma ação judicial, conseguiu
permanecer nesta cidade, junto de seus familiares, para tratamento
de saúde (é hipertenso e cardíaco).
Em
31/03/1999, um automóvel foi a sua residência
com homens à paisana, fortemente armados e, diante
de seus dois filhos menores, foi agredido e jogado dentro
do carro. Foi levado para o IIIº COMAR e ficou 22 dias
na cela do BINFA junto com o cabo Nazareno e o soldado
Anderson
Monteiro. Por sua patente deveria ficar em alojamento militar
e não em uma cela
Hipertenso
e cardíaco, passou mal quase que diariamente (dores
no peito, falta de ar, suores, boca mole, babando) sem que
lhe fosse dado qualquer medicamento e nem a presença
de um médico. Era freqüentemente ameaçado
de morte.
Como
os dois outros presos, não teve direito a banho de
sol e a comida quando era servida vinha fria, salgada e com
presença de animais queimados (baratas e lagartixas).
A água servida era amarelada com cheiro de urina.
Um
sargento da Aeronáutica, em depoimento dado ao Ministério
Público Federal do Rio de Janeiro, afirmou que, no
BINFA do IIIº COMAR, além dos presos serem "privados
de água, às vezes por vários dias, por
crueldade", na alimentação deles era comum
se misturar "urina, cuspe, esperma e até restos
de animais". Além disso, este militar, confirmou
as denúncias anteriormente feitas pelo cabo Nazareno,
pelo soldado Anderson Monteiro e pelo civil Anderson Hilário
de que naquele local as torturas e maus tratos aos presos
eram comuns, que os agressores normalmente usavam capuz e
que não há denúncias porque as pessoas
têm medo.
Ainda
sobre o sargento André Luiz, após ter sido liberado,
apesar de bastante debilitado física e psicologicamente
(tem medo de sair à rua) fez denúncia ao Ministério
Público Militar, tendo sido aberto Inquérito
Policial Militar, onde passou de vítima a réu.
Em
janeiro de 2001, seu caso começou a ser acompanhado
pelo Procurador Federal dos Direitos dos Cidadãos,
no Rio de Janeiro, Dr. Daniel Sarmento.
Estes
são apenas alguns casos tornados públicos. Supõe-se
que muitos outros aconteçam no cotidiano dos quartéis
e durante os treinamentos. Entretanto, o silêncio e
a impunidade têm sido a norma.
1
Cecília Maria Bouças Coimbra - Psicóloga,
Professora Adjunta na Universidade Federal Fluminense, Pós-Doutora
em Ciência Política pelo Núcleo de Estudos
da Violência da USP, Coordenadora da Comissão
Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia,Vice-Presidente
do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ, Membro do Conselho Consultivo
da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
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