Violência
e Impunidade:
Realidade Permanente no Pará:
(por José Batista Gonçalves Afonso,
Advogado e coordenador nacional da CPT)
Se
o padrão de violência nas regiões sul
e sueste do Pará impressiona, a impunidade choca ainda
mais. Os conflitos fundiários têm resultado,
nos últimos quinze anos, em inúmeras chacinas
nas quais é inequívoca a conivência dos
poderes públicos com o crime organizado no campo. Mandantes
e assassinos não são presos e sequer são
levados a julgamento, mandados de prisão não
são cumpridos e pistoleiros agem em conjunto com policiais.
Lembramos
aqui exemplos de crimes brutais contra trabalhadores rurais
e lideranças da região cujos pistoleiros e mandantes
nunca foram punidos.
Chacina
Dois Irmãos Xinguara
|
Junho
1985
|
seis
trabalhadores mortos
|
Chacina
Ingá Conceição do Araguaia
|
Maio
1985
|
treze
trabalhadores mortos
|
Chacina
Surubim Xinguara
|
Junho
1985
|
dezessete
trabalhadores mortos
|
Chacina
Fazenda Ubá São João do Araguaia
|
13.06.1985
18.06.1985
|
oito
trabalhadores assassinados
|
Chacina
Fazenda Princesa Marabá
|
28.09.1985
|
cinco
trabalhadores assassinados
|
Chacina
Paraúnas São Geraldo do Araguaia
|
10.06.1986
|
dez
trabalhadores assassinados
|
Chacina
Goianésia Goianésia do Pará
|
28.10.1987
|
dois
trabalhadores assassinados e um menor
|
Chacina
Fazenda Pastorisa São João do Araguaia
|
06.08.1995
|
três
trabalhadores assassinados
|
Massacre
de Eldorado de Carajás Eldorado do Carajás
|
17.04.1996
|
dezenove
trabalhadores assassinados
|
Chacina
Fazenda São Francisco-Eldorado do Carajás
|
21.08.1996
04.01.1997
|
cinco
trabalhadores assassinados
|
Chacina
Fazenda Santa Clara Ourilândia do Norte
|
13.01.1997
|
três
trabalhadores assassinados
|
Chacina
de Morada Nova
|
10.07.2001
|
Três
pessoas assassinadas
|
Citamos
também o assassinato de lideranças importantes
da região, as quais pautaram sua atuação
pela defesa intransigente dos direitos dos trabalhadores rurais:
Gabriel Pimenta, advogado (05.06.1982), Irmã Adelaide
Molinari, religiosa católica (02.05.1985), João
Canuto, dirigente sindical (18.12.1985), Arnaldo Delcídio
Ferreira, dirigente sindical (02.05.1993), Antônio Teles,
dirigente sindical e esposa, Alcina Gomes (12.10.1994), Onalício
Araújo Barros e Valentim Serra, dirigentes do MST (26.03.1998),
Francisco Euclides de Paula, dirigente sindical (20.05.1999),
José Dutra da Costa, dirigente sindical (22.11.2000)
e José Pinheiro Lima, dirigente sindical (09.07.2001).
Estes
crimes e as chacinas mencionadas acima são apenas alguns
casos dentre as centenas de assassinatos que aconteceram na
região nos últimos trinta anos e que continuam
impunes ainda hoje.
Embora
se reconheça o valor excepcional da espetacular condenação
pela morte de Expedito Ribeiro, do fazendeiro Jerônimo
Alves do Amorim em 06.06.2000, e pela condenação
de Adilson Carvalho Laranjeiras e Vantuir de Paula, pela morte
de João Canuto, em 29.05.2003, deve-se afirmar que
estes foram os primeiros e únicos mandantes de assassinatos
contra trabalhadores rurais a serem responsabilizados judicialmente.
Ressalte-se no entanto, que o fazendeiro Jerônimo Amorim
cumpre prisão domiciliar e os dois outros fazendeiros
aguardam julgamento de recurso em liberdade. Mesmo condenados
por julgamento popular, devido influências políticas,
dificilmente cumprirão a pena atrás das grades.
O
Julgamento dos policiais militares que comandaram o massacre
de Eldorado do Carajás em 17.04.96 é mais um
exemplo claro de como o Estado e o Poder Judiciário
constróem a impunidade. O então governador do
Estado (Almir Gabriel), o Secretário de Segurança
Pública e o Comandante Geral da Polícia Militar,
responsáveis pelas ordens de desobstrução
da pista da PA 150, "a qualquer custo", foram excluídos
do processo. No curso de instrução processual,
o Poder Judiciário do Estado, teve um comportamento
escandaloso, favorecendo claramente os acusados. A primeira
sessão de julgamento ocorrida em 2000, em que os oficiais
que comandaram a operação foram absolvidos,
foi anulada devido à postura tendenciosa do juiz que
presidiu o julgamento. No segundo julgamento ocorrido em 21.05.2002,
a postura do Poder Judiciário manifestamente em favor
dos acusados, fez com que os Movimentos Sociais e os advogados
assistentes da acusação se afastassem das sessões
sob protesto. Resultado, apenas dois comandantes foram condenados
e aguardam julgamento de recurso em liberdade. Todos os demais
oficiais e policiais, em número de 151, foram absolvidos.
A impunidade venceu.
A
impunidade, infelizmente, não tem recebido nenhuma
atenção especial por parte do Poder Judiciário
do Estado do Pará que, teimosamente, ao manter-se completamente
omisso, na prática, demonstra desconhecer a íntima
ligação entre a permanência da impunidade
e novos assassinatos na região.
Centenas
de pessoas, entre mandantes, intermediários e pistoleiros,
estão envolvidas em casos de assassinatos no Pará.
Porém, somente se registram seis condenações
criminais - (1) Jerônimo Alves de Amorim (mandante),
(2) Francisco de Assis Ferreira (intermediário) e José
Serafim Sales (pistoleiro), (3) Ubiratan Ubirajara (pistoleiro),
(4) dois oficiais militares (Mário Pantoja e José
M. Oliveira) que comandaram o Massacre de Eldorado e (5) Adilson
Laranjeira e Vantuir Paula (Mandantes).
Os
três primeiros mencionados estão envolvidos no
assassinato de Expedito Ribeiro de Souza, Presidente do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, em 02.02.1991. O quarto
mencionado está envolvido no assassinato de José
Canuto e Paulo Canuto, diretores do Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Rio Maria, em 22.04.1991.
Ubiratan
Ubirajara, condenado a cinqüenta anos de reclusão,
permaneceu seis meses preso e fugiu da penitenciária,
em outubro de 1994. Nunca mais foi capturado. José
Serafim Sales, condenado a vinte e cinco anos de reclusão,
cumpriu oito anos de pena e fugiu da penitenciária,
em 14.03.2000. Nunca mais foi capturado.
Francisco
de Assis Ferreira, condenado a vinte e um anos de prisão
em 1994, encontra-se em liberdade desde 1998.
Jerônimo
Alves de Amorim, mandante do assassinato do Sindicalista Expedito
Ribeiro em Rio Maria em fevereiro de 91, encontra-se atualmente
em prisão domiciliar em Goiânia. Todos os demais
condenados aguardam, em liberdade, julgamento de recurso contra
a sentença de condenação.
Nos
últimos anos, em função das fortíssimas
provas, a Polícia Civil prendeu, com autorização
judicial (mandados de prisão preventiva), alguns fazendeiros
mandantes de homicídios, não definitivamente
condenados judicialmente. Um desses casos é o do fazendeiro
Carlos Antônio da Costa, mandante do assassinato de
dois dirigentes do MST - Onalício Araújo Barros
("Fusquinha") e Valentin Serra ("Doutor")
- em Parauapebas, em março de 1998. No outro caso,
trata-se do fazendeiro Décio José Barroso Nunes,
mandante do assassinato de José Dutra da Costa (Dezinho),
ex-Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon
do Pará, em novembro de 2000. Carlos Antônio
da Costa somente permaneceu preso preventivamente por vinte
e dois dias. Décio José Barroso Nunes por somente
treze dias. Ambos foram soltos por decisão do Tribunal
de Justiça do Estado do Pará. Eles são
acusados de cometer crimes violentos - homicídios qualificados,
classificados legalmente como crimes hediondos.
Dos
1.207 casos de trabalhadores rurais assassinados, no período
entre 1985 e março de 2001, ocorreram 85 julgamentos
definitivos dos envolvidos, resultando em uma média
de 93% do total sem resposta judicial definitiva.
No
sul e sudeste do Pará, no mesmo período, 1985
a março de 2001, foram assassinados 340 trabalhadores
rurais. Do total destes crimes, apenas dois foram definitivamente
julgados, com responsabilização judicial dos
envolvidos, resultando em uma média de 99,41% do total
de assassinatos sem nenhum tipo de resposta judicial criminal
- condenação ou absolvição.
Uma
cidade como Xinguara, com 76 assassinatos de trabalhadores
rurais nos últimos trinta anos, ainda não teve
nenhum crime definitivamente julgado. Isso representa uma
taxa de impunidade de 100%. Em São Geraldo do Araguaia,
com 49 assassinatos no mesmo período, há idêntica
taxa de impunidade. Isso ocorre também em São
Félix do Xingu, com 37 assassinatos e em Marabá,
com 35 assassinatos.
Dentre
os quarenta municípios que compõem o sul e sudeste
do Pará, apenas dois, Rio Maria e Eldorado o Carajás,
não possuem taxa de 100% de impunidade em relação
aos assassinatos de trabalhadores rurais nos últimas
trinta anos (1972-2002).
Voltar
|