Chacinas em São Paulo: imagens da violência,
retrato da exclusão
Sandra
Carvalho*
Nos
últimos anos, temos assistido a um crescimento bastante
rápido dos índices de criminalidade em nosso
país. Esse fenômeno é fruto da injustiça
social, produto de um modelo excludente de desenvolvimento
econômico-social, e revela uma estreita relação
entre as condições de vida e a violência.
As
chances de se tornar vítima de um crime não
são iguais para todos. Elas variam de acordo com a
área de residência, a idade, o sexo, a origem
social e racial. As vítimas preferenciais dos homicídios
são moradores das periferias, pobres, com pouca escolaridade
e negros. As classes média e alta são geralmente
vitimadas nos casos de crimes contra o patrimônio[1].
Nas
periferias abandonadas, o perigo se apresenta nas esquinas
mal iluminadas, nas escolas sem recursos, nas ruas sem asfalto,
nos bares, e dentro das residências. Nesse cenário,
as imagens de medo e insegurança ganham substância
através de relatos de moradores, que têm muitas
histórias para contar. A violência está
presente em seu dia-a-dia e é reforçada pela
impunidade e pela falência das políticas de segurança
pública, o que propicia o surgimento de grupos de extermínio,
justiceiros e, conseqüentemente, das chacinas.
Números
da violência
Nos
últimos anos, o número de assassinatos em São
Paulo cresceu muito acima da expansão da população.
Em 1999, esse número chegou a 5.705 na capital e 12.000
no estado.
As
chacinas, ou homicídios múltiplos,
são modalidades de criminalidade violenta, que se assemelham
à ação dos antigos grupos de extermínio.
Esse tipo de violência tem crescido a cada ano, tanto
na região metropolitana de São Paulo, quanto
na capital. De janeiro a novembro de 2000, ocorreram 79 chacinas,
com um total de 276 pessoas mortas na grande São Paulo
e na capital. Esses números foram registrados pela
Coordenadoria de Investigações de Homicídios
Múltiplos, criada em fevereiro, como resposta ao grande
número de matanças na região. Em todo
o ano passado, foram registradas 88 chacinas com 302 vítimas
fatais. A média de mortos por chacina tem se mantido
constante, ao redor de 3,3 e o índice de esclarecimento
é de aproximadamente 50%.
Com
base nos casos esclarecidos, a polícia tem apontado
como principais motivos das chacinas o tráfico de drogas
e os casos de vingança e desentendimento, que juntos
são responsáveis por cerca de 60% das motivações.
Uma análise dos inquéritos policiais sobre chacinas
revela que 25% dos autores têm entre 24 e 26 anos. Outros
32,5% estão entre a faixa etária de 27 a 32
anos. A maioria deles (72,5%) completou somente o 1o. Grau
de escolaridade, e as profissões mais comuns são
de vigilantes (25%), de mecânicos (12,5%) e policiais
militares (7,5%).
Grande
parte das vítimas das chacinas são jovens. Entre
eles, 24,5% têm entre 18 e 20 anos e 35,1% têm
entre 21 e 29 anos. Assim como os autores, 76,4% das vítimas
haviam concluído o 1o. Grau, e 13,7% eram estudantes
quando foram mortos. Os homens representam 79% das vítimas
e, entre os matadores, 100% são do sexo masculino.
Em
todos os casos as vítimas foram mortas por armas de
fogo, com vários tiros. A maioria das chacinas (68%)
ocorreu das 22 às 4horas [2]. O número de vítimas
fatais em chacinas, entre 1998 e o início de novembro
de 2000, somam 886 pessoas, em 256 ocorrências.
Os
homicídios e chacinas ocorridos nas periferias pobres
não são resultado de uma crescente organização
do crime. Na verdade, são resultado da impunidade e
da ausência do Estado nessas regiões. Esse quadro
dificilmente será superado sem a implementação
de políticas públicas que garantam a retomada
do crescimento econômico, a oferta de empregos, a distribuição
de renda e o acesso à educação. As políticas
de segurança devem ser concebidas e executadas como
projetos de promoção da cidadania.
Grupos
de Extermínio
No
dia 7 de fevereiro, foi divulgado o dossiê "Grupos
de Extermínio no Brasil", elaborado pela Comissão
de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, com base
em dados levantados pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos
e pelas Secretarias Estaduais de Segurança Pública.
Conforme o documento, nos últimos três anos pelo
menos 2.500 pessoas foram assassinadas por grupos de extermínio
em 12 estados do país. Os estados com maiores índices
de execuções são: São Paulo, com
681 casos; Rio de Janeiro, com 580; Bahia, com 478; Acre,
com 200; e Goiás, com 101. As vítimas eram,
em sua maioria, do sexo masculino (90%), negros, pobres e
jovens (20 anos em média).
Um
dos casos mais significativos denunciados pela Comissão
de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados refere-se
à existência de um esquadrão da morte
no Distrito Federal, supostamente formado por policiais militares.
Uma das ações desse grupo teria ocorrido no
dia 14 de agosto de 1999 na cidade satélite de Novo
Gama. Sete policiais foram detidos, acusados pela tortura
e morte do carroceiro José Roberto Correia Leite. Ainda,
conforme investigações da Procuradoria do Estado
de Goiás, mais de 100 pessoas teriam sido vítimas
das ações desse grupo de extermínio,
nos últimos dois anos.
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[1]
Pesquisa sobre Vitimização. ILANUD/1998
[2]
Dados da Coordenadoria de Investigação de Homicídios
Múltiplos do DHPP
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*
Sandra Carvalho é pesquisadora do Centro de Justiça
Global
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