As mulheres à margem no ano 2000[1]
Samantha Buglione e Virgínia Feix*
Introdução
O que significa reservar um espaço para pautar a situação
das mulheres? Quais mulheres, quais direitos? É importante
ressaltar que a partir de 1993, com a Conferência Mundial
de Direitos Humanos, em Viena, os direitos das mulheres passaram
a ser reconhecidos como direitos humanos. O fato é
fundamental para a compreensão do que são os
direitos humanos. Esse reconhecimento amplia o objeto de proteção
dos direitos humanos e, por conseqüência, práticas,
principalmente, em relação às políticas
públicas, garantia de direitos e demandas individuais[2].
Outra importante conquista refere-se a já antiga Convenção
sobre eliminação de todas as formas de discriminação
contra à mulher (CEDAW), de 1979, ratificada pelo Brasil,
na íntegra, apenas em 1994. A Cedaw pode ser compreendida
como um novo paradigma para os direitos humanos, principalmente
por que além de "declarar" direitos imputa
aos estados ações de erradicação
da discriminação, como as ações
afirmativas[3].
Sobre
discriminação vamos usar a idéia da professora
Rebecca Cook[4] que afirma ser a discriminação
multifuncional, ou seja, não é uma prática
que elege apenas uma categoria de raça ou etnia, tampouco
de classe, mas tende a se promover conjugando todos os elementos
de maior vulnerabilidade. Ao pensar políticas de erradicação
ou diminuição de práticas discriminatórias
é fundamental ter o pressuposto da multifuncionalidade
sob o risco de promover políticas estéreis e
não funcionais. Isso significa que é necessário
dimensionar todas as "especificidades" para a promoção
de estratégia de garantia de direitos, ou seja, a raça/etnia,
gênero, classe social, idade.
A
partir destas duas idéias: 1. dos direitos das mulheres
como direitos humanos e da responsabilidade (leia-se obrigação)
legal dos estados em promover ação de erradicação
da discriminação e 2. desta como uma prática
multifuncional é que vamos procurar contribuir para
dimensionar a situação das mulheres no ano 2000.
Cabe, como sempre, falar da fragilidade das informações,
em termos de estatística no Brasil, e da importância
da sua leitura enquanto definidora e justificadora de políticas
públicas ou estratégias de direitos humanos.
Os dados mais recentes ainda são de 1996, com algumas
atualizações em 2000, como na saúde[5].
Para
falar da situação das mulheres é importante
contextualizá-la. Em linhas gerais, o Relatório
sobre Desenvolvimento Humano da ONU, versão 1999, aponta
que 26 milhões de brasileiros vivem à margem
do desenvolvimento humano, sem condições mínimas
de saúde, educação, saneamento básico
ou serviços essenciais. O Brasil é o campeão
mundial em concentração da riqueza: enquanto
os 20% mais ricos acumulam bens e capital, 18% da população
detém a miséria absoluta, numa diferença
de 32 vezes entre os opostos.
De
acordo com estudos realizados pelo Núcleo Interdisciplinar
de Estudo sobre Desigualdades, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, se adotássemos como cálculo
a razão entre a renda média dos 10% mais ricos
e a renda média dos 40% mais pobres, conclui-se que
o país, nesta razão, se aproxima de 30. Calcula-se
que 7% das crianças no Brasil sofram de subnutrição,
enquanto a produção nacional de grãos
é suficiente para alimentar uma vez e meia a população
total. Quanto à erradicação da pobreza,
percebe-se que os recursos necessários para seu fim,
estariam na ordem de 5% da renda nacional para a sua completa
eliminação.
Mas
qual a relação direta entre essas informações
e a idéia da multifuncionalidade, para destacar a informação
sobre a situação das mulheres? A população
feminina, segundo estimativas do IBGE, representa mais de
51% da população brasileira. Isso significa
que a pobreza exerce maiores encargo sobre as mulheres.
As
mulheres brasileiras representam 40,4% da população
economicamente ativa, sendo que na Administração
Pública Federal este percentual é de 43,8%,
segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBGE, de 1997. Estudos sobre a participação
feminina no mercado de trabalho têm mencionado o expressivo
aumento do número de mulheres entre a População
Economicamente Ativa (PEA), de 20% em 1970 para 43% em 1997.
No
entanto, a segregação ocupacional e os rendimentos
inferiores aos dos homens, permanecem como obstáculos
a serem superados. As mulheres são maioria nos subempregos
e no setor informal da economia, especialmente na categoria
das empregadas domésticas. O emprego doméstico
continua sendo a principal fonte de ocupação.
Estimativas para 2000 apontam que tal ocupação
significa 19% da PEA feminina algo em torno de cinco
milhões de mulheres, das quais 56% são negras[6].
No
setor formal, as mulheres, de modo geral, recebem menos que
os homens para um mesmo tipo de trabalho e o acesso a treinamento
é muito difícil. Mesmo sendo preferidas no emprego
parcial, em trabalhos com base no domicílio, tal preferência
não pode ser considerada como benéfica às
mulheres, pois não contam com proteção
contra doenças relacionadas à automação.
Apesar de ter crescido o número de mulheres chefes
de família, este fato não as favorece nesta
condição. Ao contrário, é um dos
fatores para o reconhecimento da feminilização
da pobreza, principalmente pela omissão masculina nas
responsabilidades paternas. A separação do casal
geralmente significa para o homem o fim de qualquer obrigação
com os filhos.
Apesar
das mulheres possuírem níveis educacionais superiores
aos dos homens, seus rendimentos são significativamente
inferiores. Entre as mulheres ocupadas que tiveram entre 1
e 3 anos de estudos, 22,5% ganham até ½ salário
mínimo, sendo este rendimento a soma de todos os trabalhos
realizados. No que diz respeito aos homens ocupados, com igual
número de anos de estudo e rendimento, este percentual
cai abruptamente para 9,4%. Considerando o nível de
formação entre 8 e 10 anos de estudos, 22,7%
das mulheres ocupadas recebem ente ½ e 1 salário
mínimo. O mesmo percentual é de 8,5% no caso
dos homens[7].
A
discriminação da mulher trabalhadora se acentua
com relação à raça negra. Análise
da AMB (Associação de Mulheres Brasileiras)
destaca que as mulheres negras são particularmente
vítimas de violências simbólicas, através
da imposição de um critério único
e estereotipado de beleza. As mulheres negras têm denunciado
práticas contemporâneas de racismo, como a exigência
de boa aparência, entendida como padrão
étnico branco, para o exercício de certas ocupações,
principalmente no comércio e no setor de serviços.
Em outras palavras, o racismo é fator de exclusão
no mercado de trabalho, ocorrendo de forma mais acentuada
com relação às mulheres negras.
A
mulher trabalhadora rural sofre maior impacto de discriminação
que a mulher urbana. Além de trabalhar uma média
de seis horas mais que os homens, têm desconsiderada
sua mão-de-obra em termos econômicos/financeiros,
haja vista que o trabalho de cultivo de horta, cuidado com
os animais e aves domésticas para o consumo da família
não são considerados produtivos. As mulheres
que trabalham na lavoura geralmente ganham menos que os homens.
Acesso
ao poder
A
distribuição desigual de poder nas relações
de gênero marca a vida de mulheres e homens de forma
complexa e cria inúmeras situações que
dificultam o exercício pleno da cidadania pelas mulheres,
com conseqüências diretas para a conquista de sua
autonomia e para sua participação em processos
de tomada de decisão, tanto no âmbito privado
quanto no público. A pouca inserção das
mulheres em instâncias de poder não decorre da
capacitação, tanto que os níveis de escolaridade
formal das mulheres brasileiras é superior ao dos homens.
Esta situação ocorre principalmente em decorrência
da existência de uma cultura patriarcal que permeia
nossa sociedade, colocando a mulher em estado de subordinação.
Por exemplo, as mulheres participam ativamente dos movimentos
populares e sindical e são militantes dos partidos
políticos, entretanto, raramente ocupam suas instâncias
de decisão. Cabe ressaltar que as mulheres não
brancas, igualmente qualificadas, enfrentam ainda o preconceito
racial.
Embora
representem a maioria do eleitorado, poucas mulheres se candidatam
e são eleitas para cargos públicos. Poucos dias
após as eleições municipais de 2000,
a Folha de São Paulo publicou uma reportagem sobre
o nível de aproveitamento das candidaturas femininas.
A matéria informa que, segundo dados do IBAM (Instituto
Brasileiro de Administração Municipal), nenhum
partido conseguiu atingir a cota de 30% de candidaturas femininas.
Embora totalizem 50,48% do eleitorado, as mulheres representaram
7,54% das 14.806 candidaturas a prefeito/a e conquistaram
5,7% das 5.559 prefeituras. Uma análise publicada na
última edição do boletim do Cfemea[8],
indica que a quantidade de mulheres eleitas manteve-se estável
desde a adoção do sistema de cotas, em 1997.
Direitos
Reprodutivos e Saúde
O
Brasil formulou o PAISM Programa de Assistência
Integral à Saúde da Mulher, em 1983, que até
hoje não foi implementado na sua íntegra, tampouco
em todas as cidades brasileiras. São poucas as unidades
de saúde a oferecer este serviço e muitas que
oferecem o fazem de forma precária ou desvinculadas
da realidade da comunidade onde atuam. Os recursos para a
área de saúde estão muito aquém
do necessário, afetando a infra-estrutura sanitária,
a cobertura da qualidade dos serviços, incidindo diretamente
nas possibilidades de enfrentar os riscos de saúde/enfermidade.
A
morbi-mortalidade materna[9] tem elevados índices no
Brasil, sendo que 98% destas mortes são evitáveis,
uma vez que decorrem basicamente da falta de acesso à
serviços de saúde no período de gestação
e de condições de partos precárias e
desumanas. O número de cesarianas representa hoje a
prática corrente dos partos e, na maioria dos casos,
desnecessária, bem como as cirurgias de mama efetivadas
como supostas prevenção de câncer
de mama.
Segundo
dados do Ministério da Saúde[10], no Brasil,
a cada duas horas, morre uma mulher por complicações
na gravidez, parto e pós-parto. Em 1997 ocorreram 55,1
mortes por 100 mil nascidos vivos. Este número, devido
ao grande nível de sub-informações (que
variam regionalmente), deve, segundo a Organização
Mundial de Saúde, ser multiplicado por um fator de
correção entre 2 e 3, o que nos daria o índice
de 134 mortes por 100 mil nascidos vivos.
Ainda
em relação aos direitos reprodutivos, é
fundamental destacar a situação da esterilização
de mulheres. O alto índice desta prática concentra-se
entre as mulheres na faixa reprodutiva (de 14 a 49 anos de
idade), sendo muitas vezes realizada sem o conhecimento da
mulher principalmente entre as mulheres pobres. A vinculação
entre escolaridade e esterilização demonstra
que a queda da fecundidade está associada à
generalização do conhecimento e do uso de métodos
contraceptivos na sociedade brasileira. Apesar da existência
de uma maior diversidade de métodos contraceptivos,
a esterilização continua sendo muito utilizada[11].
As regiões mais pobres concentram as mais altas taxas
de esterilização, sendo que esta prática
aumenta conforme diminuem os anos de escolarização[12].
As mulheres pobres têm dificuldade de acesso a serviços
de contracepção, acabando por ter que optar
entre esterilização, aborto clandestino ou gravidez
não planejada[13].
O
estatuto jurídico da esterilização nunca
foi muito claro no Brasil, sendo que parte da doutrina considerava
a esterilização cirúrgica como ilícito
penal, a teor do art. 129 x 2º, III do Código
Penal, já que dela resulta a inutilização
de função orgânica, configurando-se, portanto,
lesão corporal de natureza gravíssima. Nessa
linha de raciocínio, a autorização do
paciente não afastaria a ilicitude do ato. Outros doutrinadores
preferiam enquadrar a esterilização voluntária
no campo dos direitos privados da personalidade[14].
Em
1999, a Portaria 048/99 do Ministério da Saúde,
derrubou os vetos aos artigos 10, 11, 14 e 15 da Lei 9.263/96
que regulamenta o x 7º do artigo 226 da CF/88, retornando
à lei os dispositivos referentes à esterilização
cirúrgica do homem e da mulher. Atualmente, conforme
o artigo 10 da lei, é permitida a esterilização
voluntária, desde que cumprida uma série de
formalidades previstas para desencorajar a opção
por tal método, em homens e mulheres com capacidade
civil plena e maiores de vinte e cinco anos. A lei proíbe,
ainda, a esterilização no período do
parto e aborto, e através de histerectomia (remoção
do útero, em extensão variável) e ovoforectomia
(extirpação de ovário em extensão
variável). O artigo 12 da lei proíbe a indução
ou instigamento individual ou coletivo à prática
da esterilização cirúrgica. O art. 13,
reafirma a proibição existente na Lei 9.029/95
de exigir-se atestado de esterilização ou teste
de gravidez para quaisquer fins. No capítulo II, arts.
15 a 21, a lei cuida dos crimes e penalidades para o caso
de descumprimento das previsões nela contidas. Passam
a ser crimes: a) a omissão por parte do médico
de notificação à autoridade sanitária
das esterilizações cirúrgicas que realizar,
art. 16; b) induzir ou instigar dolosamente a prática
de esterilização cirúrgica, art. 17;
ou c) exigir atestado de esterilização para
qualquer fim, art. 18. O artigo 14, parágrafo único
da Lei 9263/96, apresenta os critérios para autorização
das instituições interessadas em fornecer os
serviços de esterilização.
O
aborto é outro grave problema enfrentado pela população
feminina, representando a terceira causa de mortalidade materna
no Brasil. Sendo criminalizado pela legislação
penal, e inexistindo um programa efetivo de planejamento familiar
(apesar de constar em nossa legislação a obrigatoriedade
de oferecimento do planejamento familiar para homens e mulheres),
proliferam as clínicas clandestinas onde o aborto é
praticado com grande risco e péssimas condições
de higiene.
O
Dossiê da RedeSaúde[15] apresenta o seguinte
quadro sobre a Violência nos serviços de Saúde:
Muitas mulheres que se dirigem aos serviços de
saúde enfrentam um atendimento marcado pela violência.
Não são raros os relatos de casos de curetagem
sem anestesia, quando em início de aborto; tratamento
preconceituoso, negligência e maus-tratos nas situações
de aborto provocado; falta de esclarecimentos e orientação
adequada; exames ginecológicos feitos com pouco cuidado;
falta de privacidade quando examinadas; abuso sexual por parte
dos profissionais e tratamento preconceituoso em casos de
violência sexual".
Violência
Uma
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre
violência contra a mulher constatou que: existem
dados comprovando que mais de 50% dos estupros ocorrem dentro
da própria família. Os homicídio
de mulheres apresentam uma informação que descortina
a prática seletiva e preconceituosa do Estado nos casos
de violência contra a mulher. Pesquisa realizada pela
Themis[16] demonstra que os casos de homicídios contra
as mulheres, na cidade de Porto Alegre/RS, em regra, são
tipificados como lesões corporais seguidas de morte,
o que reitera uma menor responsabilização do
autor, e do próprio Estado, sobre esta violência.
Outro
problema grave é a exploração sexual
de mulheres e meninas, e o turismo sexual, que ocorre principalmente
nos estados costeiros nordestinos, onde existe um envolvimento
de traficantes de drogas, donos de hotéis, taxistas,
agentes de viagens, entre outros profissionais, muitas vezes
com a anuência ou cumplicidade policial. O maior número
de clientes das meninas-prostitutas são
estrangeiros.
A
violência sexual, recebeu, em 1998 tratamento especial
do Ministério da Saúde, com a promoção
da Norma Técnica de Violência Sexual, tendo sido
amplamente divulgada entre 1999 e 2000. Este documento informa
os serviços de saúde da ação necessário
para os casos de violência sexual, seja na prevenção
de DST/HIDS, seja para evitar a gravidez, através da
pílula contraceptiva de emergência. Cabe ressaltar,
porém, a falta de sintonia entre os serviços
de polícia e saúde, além da grande represália
que a Norma Técnica vem recebendo dos setores mais
conservadores da Igreja e da sociedade.
Ações
do Brasil no período de janeiro de 1998 a setembro
de 2000:
Poder
Legislativo
>
Apresentação e aprovação de emendas
do Projeto de Orçamento da União, para assegurar
políticas na área da violência contra
a mulher, nos anos de 1996 a 1999.
>
Projeto de Lei 4.370, de 1998, de autoria do Deputado Paulo
Paim, "dispõe sobre a representação
racial e étnica nos filmes e peças publicitárias
veiculadas pelas emissoras de televisão". Encontra-se
na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação
e Informática, com parecer favorável, desde
10 de junho de 1999.
>
Lei 9.797, de 06.05.99 Sancionada na íntegra
pelo Presidente da Republica. Dispõe sobre a obrigatoriedade
da cirurgia plástica reparadora da mama pela rede de
unidades integrantes do SUS nos casos de mutilação
decorrentes de tratamento de câncer.
>
Lei 9.601/98, de 21.01.98 Dispõe sobre o contrato
de trabalho por prazo determinado. Estabelece o contrato temporário,
fixando o período mínimo em três meses
e o máximo em dois anos. O prazo mínimo e a
existência de um banco de horas contratuais, normalmente
inviabilizam duas das garantias previstas neste
mesmo instrumento às mulheres trabalhadoras: o gozo
da licença-gestante e a estabilidade provisória
das gestantes.
>
Emenda Constitucional 20, de 15.12.98 Dispõe
sobre o Regime Geral da Previdência Social, alterando,
entre outras coisas, os direitos das mulheres à aposentadoria.
A emenda enfraquece o conceito de seguridade social que permeia
o sistema previdenciário e reforça o seu caráter
contributivo;
>
Lei 9.799 de 26.05.99 Insere na Consolidação
das Leis do Trabalho, regras para assegurar o acesso igualitário
da mulher ao mercado de trabalho, proibindo e punindo diferentes
formas de discriminação. A matéria sofreu
veto parcial da Presidência da República, mas
este veto ainda não foi analisado pelo Congresso Nacional.
>
Lei 9.807, de 13.07.99 Dispõe sobre proteção
e auxílio às vítimas de violência
e testemunhas ameaçadas. É importante ressaltar
que tal lei não foi promulgada visando a proteção
específica da mulher, mas é um instrumento valioso,
devendo ser melhor estudado e analisado visando sua aplicabilidade
específica para a questão.
>
A equipe da Themis elaborou e encaminhou à Secretaria
de Estado dos Direitos Humanos uma proposta para constituição
de um grupo de trabalho junto ao Ministério da Justiça
para elaboração de uma lei especial sobre violência
intrafamiliar, adequando a Convenção Interamericana
para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra
à Mulher, à realidade brasileira, propondo mudanças
nos serviços ora existentes. A proposta foi aceita
e, através da Portaria 97, de 09.03.99, a comissão
foi formalizada.
Poder
Executivo
>
Em março de 1998 foi assinada, pelo Ministério
do Planejamento e Orçamento, uma portaria que dá
prioridade às famílias chefiadas por mulheres
na seleção para os empreendimentos financeiros
habitacionais, e determina a criação de programas
de treinamento que permitam a participação das
mulheres na construção de suas casas; estimula
também a inclusão, nos projetos, de equipamentos
comunitários de educação, saúde
e lazer que atendam às necessidades profissionalizantes
e assistências das mulheres e seus dependentes.
>
Em 1998 foi aprovada pelo Congresso a Norma Técnica
elaborada pelo Ministério da Saúde, para a Prevenção
e Tratamento de Agravos Resultantes da Violência Sexual
contra Mulheres e Adolescente; diretriz para a atenção
nos casos de violência sexual, que aborda tanto a contracepção
de emergência quanto o procedimento do aborto exclusivamente
nos casos de violência sexual. Esta norma foi elaborada
por técnicos/as do MS, com consulta a diversas instituições
que reúnem conhecimento/experiências nesta temática.
>
Em setembro de 1999 o Ministério da Saúde elaborou
a Norma Técnica sobre Gestação de Alto
Risco, que inclui a interrupção da gravidez
em caso de risco de vida para a mulher.
>
A partir de 1997 foi considerada prioritária a prevenção
da transmissão do HIV da gestante para o bebê
com as seguintes iniciativas: a) recomendação
do teste HIV em todas as gestantes atendidas nos serviços;
b) realização de treinamento em todo o território
nacional, de equipes ambulatoriais e de saúde básica;
c) acompanhamento de gestante infectadas pelo HIV, com os
procedimentos terapêuticos indicados na prevenção
da transmissão vertical do vírus.
>
A Política Nacional de Redução da Morbimortalidade
por acidentes e violências está sendo elaborada
pelo Comitê Nacional de Prevenção de Acidentes
e Violência e a área Técnica de Saúde
da Mulher do Ministério da Saúde que, em abril
de 1999, instalaram a Câmara Temática sobre Violência
Doméstica e Sexual. Esta instância tem como objetivo
propor e acompanhar o desenvolvimento de políticas
de atenção às mulheres em situação
de violência, como o Plano Nacional de Assistência
à Mulher Vítima de Violência.
>
Em 12 de janeiro de 1999, o Poder Executivo enviou ao Congresso
Nacional Medida Provisória facultando aos empregadores
domésticos o pagamento de Fundo de Garantia do Tempo
de Serviço aos seus empregados domésticos. O
eventual pagamento deste benefício assegurará
o direito ao seguro-desemprego. A Medida Provisória
foi reeditada em 13 de dezembro de 1999.
>
Portaria 048/99 do Ministério da Saúde que regulamenta
a Lei sobre Planejamento Familiar (Lei 9263/96). A lei contempla
a esterilização masculina e feminina, proibindo
a realização da laqueadura durante a cesárea
e estabelecendo um prazo de 60 dias entre a solicitação
e a realização da mesma; além do pagamento,
pelo SUS da vasectomia e laqueadura.
>
Em 1999 o Ministério da Saúde investiu recursos
para assegurar a ampliação da oferta e distribuição
de pílula, DIUs, hormônios injetáveis
e diafragmas, além de camisinhas, inclusive femininas.
>
Criação, em maio de 1997, na Câmara dos
Deputados, da Comissão Parlamentar Especial da IV Conferência
Mundial da Mulher, com objetivo de estudar medidas legislativas
para facilitar a implementação da Plataforma
de Ação. Usando metodologia de consultas, seja
a órgãos do Poder Executivo, como do Judiciário
e entidades da sociedade civil e do movimento de mulheres,
esta comissão elaborou um relatório com 60 recomendações
para as três esferas de poder, estabelecendo prioridades
para o trabalho no Congresso. Este processo de consultas incluiu
15 audiências dirigidas a organismos do Poder Executivo.
>
Anteprojeto de Reforma do Código Penal em discussão
no Ministério da Justiça, este anteprojeto amplia
os permissivos de aborto legal. O Código atual admite
apenas o aborto nos casos de estupro e risco de vida para
a gestante. O projeto prevê a ampliação
para casos em que a gestação coloca em risco
de dano grave e irreversível a saúde da mulher,
e para casos de anomalia fetal grave. Após o resultado
da discussão do MJ, o anteprojeto será ainda
encaminhado ao Congresso Nacional para aprovação.
Considerações
Finais
Ao
final do último ano do segundo milênio, retomando
a idéia do caráter multifuncional da discriminação,
considera-se fundamental que a luta pela construção
da igualdade entre homens e mulheres seja tomada pelo sentimento
de universalidade. O modelo econômico neoliberal tem
causado o acirramento das desigualdades econômicas e,
portanto, somente a partir do princípio da universalidade
dos direitos humanos, poderemos combater as diversas formas
de desigualdade em nossa sociedade.
--------------------------------------------------------------------
[1]
A maioria das informações deste texto consta
no relatório elaborado pela Themis a pedido da Organização
Interamericana de Direitos Humanos sobre a situação
da mulher nos anos de 1998 a 2000. Cabe ressaltar a dificuldade
em obter dados confiáveis e representativos para o
ano 2000.
[2]
Ver o x1º e x2º do artigo 5º da CF/88, que
estendem o status de norma constitucional à todas as
Convenções ratificadas pelo Brasil.
[3]
Art. 4º da Convenção sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação contra a
Mulher dispõe explicitamente sobre ações
afirmativas: A adoção pelos Estados-partes de
medidas especiais de caráter temporário destinadas
a acelerar a igualdade de fato entre o homem e a mulher não
se considerará discriminação na forma
definida nesta Convenção, mas de nenhuma maneira
implicará, como conseqüência, a manutenção
de normas separadas; essas medidas cessarão quando
os objetivos de igualdade de oportunidade e tratamento houverem
sido alcançados. A adoção pelos Estados-partes
de medidas especiais, inclusive as previstas nesta Convenção,
destinadas a proteger a maternidade, não se considerará
discriminatória.
[4]
Ver: MENDEZ, Juan. O´Donnell, Guilherme. PINHEIRO, Paulo.
Democracia, Violência e Injustiça o não
estado de direito da América Latina. São Paulo:
Paz e Terra, 2000. pg. 129-130.
[5]
Ver site do Ministério da Saúde.
[6]
Políticas Públicas para as Mulheres no Brasil:
Balanço Nacional cinco anos após Beijing. Articulação
de Mulheres Brasileiras Brasília: AMB, 2000.
Pg. 25 26.
[7]
Ibem Idem.
[8]
Maiores informações no site do Cfemea: www.cfemea.org.br
[9]
Mortes maternas são as que ocorrem durante a gestação,
o parto ou o puerpério (período de 42 dias após
o parto) devido a qualquer causa relacionada à gravidez
[10] Dados de 2000, atualização das informações
de 1996: www.saude.gov.br
[11]
Em 1996, 40% das mulheres em união estavam esterilizadas
e 21% utilizavam pílulas anticoncepcionais. O condom
(camisinha) é o terceiro método mais utilizado
(Bemfam et al., 1997). Segundo a Área Técnica
de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde
estas proporções se mantém.
[12]
59.5% de mulheres unidas estão esterilizadas na região
centro-oeste e 51.3% na região norte, contra 29.0%
na região sul; 45.7% das mulheres com nenhuma escolarização
estão esterilizadas, contra 35.7% das mulheres com
12 anos de escolarização, Bemfam et al., 1997.
[13]
BERQUO, Elza. Ainda a questão da Esterilização
Feminina no Brasil. In: GIGGIN, K., Costa, S.H. (orgs). Questões
da Saúde Reprodutiva. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz,
1999. P. 113-126.
[14]
PARREIRA, Jaira Grandisoli. Aspectos legais da esterilização
voluntária do homem e da mulher. São Paulo:
Faculdade de Direito da USP, 1985. 90p. (Dissertação
de Mestrado).
[15]
Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos,
Dossiê Aborto Inseguro, 1998.
[16]
Estas são conclusões preliminares. A pesquisa
objetiva desvendar os homicídios contra mulheres em
Porto Alegre. A metodologia divide-se me duas fases: 1. Levantamento
de dados junto a todas as delegacias da cidade e 2. Verificação
das decisões nos tribunais. Na conclusão da
primeira fase pode-se perceber a total ausência de homicídios
contra mulheres. Ocorre que as mortes estão, prioritariamente,
na lesão corporal seguida de morte.
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*
Samantha Buglione e Virgínia Feix são advogadas,
assessoras e coordenadoras executivas da Themis Assessoria
Jurídica e Estudos de Gênero.
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