Síntese do Relatório da Sociedade Civil sobre
o Cumprimento, pelo Brasil, do Pacto Internacional
de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais
Coordenação:
Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados
Movimento Nacional de Direitos Humanos
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
Sistematização
do Documento Final:
Federação de Órgãos para Assistência
Social e Educacional (Fase)
Este
Relatório foi produzido coletivamente por dezenas de
colaboradores voluntários, com base em 17 audiências
públicas estaduais e consultas a mais de 2.000 entidades
em todo o país, e abrange importantes questões,
das quais destacamos as seguintes:
-
No Brasil, 20% dos mais ricos controlam mais de 64% da riqueza,
enquanto os 20% mais pobres detém apenas 2,5% da riqueza
do país. O Relatório sobre Desenvolvimento Humano
da ONU de 1999, aponta que 26 milhões de brasileiros
vivem à margem do desenvolvimento humano, sem condições
mínimas de saúde, educação, saneamento
básico ou serviços essenciais. Calcula-se que
7% das crianças no Brasil sofram de subnutrição,
enquanto a produção nacional de grãos
é suficiente para alimentar uma vez e meia a população
total. Quanto à erradicação da pobreza,
verifica-se que os recursos necessários para seu fim,
estariam na ordem de 5% da renda nacional para a sua completa
eliminação.
A
análise dos dados da realidade brasileira nos leva
a afirmar que estamos longe de realizar a efetiva promoção
e proteção dos direitos humanos econômicos,
sociais culturais. As situações descritas abaixo
ilustram graves violações desses direitos:
-
O Governo Federal não tem uma política indigenista
clara. Examinando-se os recursos orçamentários
para as populações indígenas, verifica-se
que o orçamento de 1995 era de R$ 67.843.000,00, sendo
reduzido para R$ 39.450.000,00 em 1998. Durante os anos de
1995 a 1998 foram gastos, em média, 70,39% dos recursos
orçamentários destinados às populações
indígenas. Segundo pesquisa do Instituto de Medicina
Tropical de Manaus, a expectativa de vida dos índios
é de apenas 42,6 anos, em média. Já a
expectativa de vida média do brasileiro não
índio é de 64 anos para os homens e 72 para
as mulheres.
-
Segundo o censo oficial, a população negra e
parda no Brasil constitui cerca de 45% da nossa sociedade.
Esta é a segunda maior população negra
do mundo, só inferior a da Nigéria. Todavia,
os séculos de exploração dessa população
produzem efeitos até hoje. Essa desigualdade se expressa
nos indicadores sociais de renda, educação,
saúde, mortalidade infantil, esperança de vida,
dentre outras que propiciam uma ampla visualização
das significativas diferenças existentes na apropriação
da riqueza gerada, no acesso aos serviços básicos
e nas condições de vida e trabalho.
-
O Governo tem desrespeitado a legislação ambiental
e adotado Medidas Provisórias para alterar o Código
Florestal, possibilitando aos proprietários rurais
reduzir a cobertura vegetal natural de suas propriedades.
Sabe-se que os grandes latifundiários são os
maiores destruidores do meio ambiente, causando danos incalculáveis
aos ecossistemas, à biodiversidade e às águas,
em prejuízo do conjunto da população.
-
O modelo de produção agrícola adotado
pelo Ministério da Agricultura leva ao consumo desenfreado
de agrotóxicos, causando a poluição de
rios e lagos, afetando os trabalhadores rurais, as populações
ribeirinhas e os consumidores. Além disso, o Ministério
da Agricultura está cedendo às pressões
da empresa multinacional Monsanto para autorizar o plantio
da soja transgênica Roundup Ready, sem respeitar o princípio
de precaução, e sem exigência de Estudo
Prévio de Impacto Ambiental.
-
A produção hidroelétrica continua sendo
objeto de preocupação. O poder público
e as empresas responsáveis pela construção
de barragens parecem pensar que resolvem as questões
ambientais com seus programas de levantamento e resgate de
animais e de plantas. Continua não se dando um tratamento
adequado à população atingida e à
formação de núcleos populacionais nascidos
com essas barragens.
-
No Brasil, a violência contra a mulher é tão
grave que já provocou uma Comissão Parlamentar
de Inquérito - CPI, no Congresso Nacional, sendo os
resultados surpreendentes: "existem dados comprovando
que mais de 50% dos estupros ocorrem dentro da própria
família". Além das violências físicas,
têm sido desvendados outros tipos de discriminação
de gênero, como a produção de modelos
estereotipados de beleza, feita pela mídia, que resulta
na perda da auto-estima para as mulheres que não se
enquadram no ideal construído.
-
A exploração sexual de mulheres e meninas e
o turismo sexual vêm crescendo, principalmente nos estados
costeiros nordestinos, onde existe um envolvimento de traficantes
de drogas, donos de hotéis, taxistas, agentes de viagens,
entre outros profissionais, muitas vezes com a anuência
ou até cumplicidade policial. A maioria de "clientes"
das meninas-prostitutas são estrangeiros. Esse problema
é conseqüência da falta de perspectiva de
vida, esperança de emprego e escola, e atenção
às famílias carentes por parte do Estado.
-
A timidez da política fundiária vigente é
conseqüência da concepção de reforma
agrária de setores hegemônicos da sociedade e
adotada programaticamente pelo governo brasileiro. Segundo
essa visão, a reforma agrária é concebida
na esfera das políticas sociais compensatórias
e não como programa de desenvolvimento sócio-econômico,
de geração de renda e de emprego. Fica portanto
claro que a reforma agrária não tem sido implementada
pelo governo brasileiro. Com isso, não está
apenas sendo desrespeitada a Constituição brasileira,
mas também os compromissos que o Brasil assumiu com
respeito ao direito à alimentação, conforme
reconhecido no artigo Nº 11 do Pacto Internacional dos
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
-
O aumento da dependência da economia em relação
ao capital externo e a abertura comercial e financeira realimentam
os desequilíbrios nas contas externas e aumentaram
a insegurança no país. O aumento da vulnerabilidade
externa expõe o país às crises nos mercados
cambiais e financeiros mundiais, ao mesmo tempo que restringe
a eficácia dos instrumentos de política econômica
que poderiam ser utilizados para enfrentá-las. A adesão
ao receituário neoliberal desarmou nossas defesas e
tornou o país refém do capital financeiro internacional.
-
A organização sindical brasileira está
sob forte pressão. Entre as muitas agressões,
destacamos as mudanças constitucionais com o propósito
de reduzir o valor dos benefícios previdenciários
dos trabalhadores e dificultar sua obtenção.
-
A taxa nacional de mortalidade infantil é de 37,4 óbitos
por 1.000 nascidos. Entretanto, o Sistema de Informações
de Mortalidade SIM apresenta muitas deficiências. A
razão entre óbitos informados e estimados é
de 60,95% para a região Norte, 56,20% para a região
Nordeste (chegando a apenas 32,98% no estado do Maranhão),
95,46% para a região Sul e 85,42% para a região
Centro-Oeste. A média geral é de 79,97%. A maior
parte dos óbitos não informados se refere a
crianças com menos de um ano de idade.
-
Apenas 60% da população urbana brasileira tem
esgotamento sanitário adequado. A percentagem na região
Norte é de 46%, mas nos estados do Amapá e Tocantins
é de apenas 13 e 14%, respectivamente. No Nordeste
é de 34%, sendo que no estado de Alagoas baixa para
21%. No Sudeste é de 81% e no Sul 63%. No Centro-Oeste
a média atinge 41%, variando de 16% no estado do Mato
Grosso do Sul a 96%, no Distrito Federal. Nas regiões
metropolitanas a percentagem menor é em Fortaleza (48%)
e a maior em Porto Alegre (92%).
-
Nas grandes e médias cidades crescem as periferias
e se consolidam as cidades satélites, sem urbanização
adequada para receber os migrantes que chegam em busca de
emprego. Ao mesmo tempo, o desemprego tem aumentado nas grandes
cidades, sendo que os índices ultrapassam 8%.
- O trabalho infantil ocorre principalmente em atividades
incompatíveis com o estágio biológico
e psíquico das crianças. As jornadas chegam
a ser de 7h a 11h diárias de trabalho. O trabalho infantil
é a expressão da dificuldade de sobrevivência
da família.
-
A grave situação educacional brasileira pode
ser retratada pela existência de cerca de 15,2 milhões
de analfabetos absolutos, segundo dados do Ministérios
da Educação, e estimado a existência de
cerca de 30 milhões de analfabetos funcionais. A população
brasileira na faixa etária entre 7 e 14 anos de idade,
é da ordem de 28 milhões de crianças.
Como os dados oficiais apontam uma escolarização
líquida (apenas as crianças entre 7 e 14 anos
de idade) de 95,5% no ensino fundamental, pode-se concluir
que existam cerca de 1,26 milhões de crianças
entre 7 e 14 anos fora da escola. Os índices de evasão
neste nível de ensino são de 3,9%, pela média
ponderada de 1997.
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