Prefácio
Em
favor da pessoa humana
O
lançamento do relatório da Rede Social de Justiça
e Direitos Humanos-2001 é uma promissora oportunidade
que se nos apresenta para retomarmos a reflexão sobre
a temática da dignidade humana e dos direitos fundamentais
de cada pessoa.
Perdeu-se
o respeito ao ser humano, nesses dias que correm, mas o fato
é que a humanidade não pode viver sem o respeito
a si mesma e aos valores que contam. As religiões monoteístas
vêm tentando trazer-nos de volta o respeito e, se possível,
a admiração diante da pessoa humana. Se Deus
gostou tanto de nós, por que não podemos gostar
um pouco mais de nós mesmos?
Quais
seriam as provas de decadência?
Um líder de nossa juventude, em São Paulo, me
confiou, certa vez: "Como é difícil o jovem
conservar a esperança!", acrescentando logo: "Sem
esperança, nada se faz, nem mesmo se consegue ser jovem."
A conversa só se reanimou quando lembrei que dentro
da escuridão desses nossos tempos tem havido muita
luz, projetada exatamente pelas equipes de jovens e pelos
indícios de participação nova.
Outra
prova de decadência é o terror e a violação
dos direitos humanos. Este fenômeno vem cobrindo a terra
toda. E qual a sua fonte? Sem dúvida, a negação
do outro. O desprezo pelo outro.
Convém
não esquecer que o nosso tempo, como nenhum outro na
História, vem revelando sensibilidade aguda contra
a violação dos direitos humanos, mobilizando
de maneira notável a opinião pública
mundial.
O
homem se tornou lobo para o homem, porque a meta do desenvolvimento
está concentrada na produção, na ganância
de uns poucos e não no ser humano. A tecnologia e a
própria ciência nem sempre respeitaram os valores
éticos. E, por isso, nem sempre tiveram respeito para
o humanismo, para a convivência, para o sentido mesmo
da existência. O terror é abominável em
todas as suas formas e só poderá desaparecer
da terra pela educação à não-violência
ativa. Empregar violência para acabar com a violência
é algo que nunca dá certo. Quem realmente quiser
empreender algo de útil e fecundo em favor dos excluídos,
dos espoliados ou das vítimas de toda sorte de violência
só pode usar meios não-violentos que sejam eficazes,
constantes e orientados para a consciência e o fortalecimento
da comunidade.
Na
própria política em tempos de globalização,
o que conta é o êxito econômico, e muito
pouco a justiça social ou o cultivo da verdadeira imagem
do homem. Temos sido vítimas da ganância e da
máquina. Das cifras. E, assim, perdemos o sentido autêntico
dos valores como a confiança, a fé e o amor.
Máquinas e planos econômicos andam por cima da
plantinha sempre tenra da esperança, produzindo o caos.
No
entanto, a raiz da esperança não morreu. Apesar
do desânimo gerado pelos efeitos do terrorismo e da
guerra, a nossa época pode até dizer que em
todas as áreas brotam novos sinais de esperança.
Os pobres, os aflitos e os que têm fome e sede de justiça
continuarão a nos indicar que a mudança do mundo
depende de uma nova qualidade de vida. A promoção
e defesa dos direitos humanos é sem dúvida movimento
de amor prático, de encarnação e de solidariedade
crescente.
O
político não se mostra suficiente para resolver
o drama da humanidade. "Foi para permanecermos na liberdade
que Cristo nos libertou", escreveu São Paulo aos
Gálatas. E Deus nos colocou diante dos olhos e do coração,
como meta constante, a justiça e a verdade para serem
conquistadas na solidariedade.
São
Paulo, novembro de 2001
Paulo
Evaristo, CARDEAL ARNS
Arcebispo Emérito de São Paulo
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