Os quatro policiais envolvidos no assassinato de Daniel Silva
Catarino, de 15 anos, e Vando Almeida Araújo, de 20,
e que atiraram em Anderson de Araújo Silva, de 16,
em São Bernardo do Campo, foram absolvidos por 6 votos
a 1. O promotor Nelson Pereira Júnior interpôs
recurso contra a decisão e aguarda o parecer da Justiça.
A
chacina de São Bernardo do Campo
Pesquisa:
Sandra Carvalho e Evanize Sydow*
Daniel
Silva Catarino tinha 15 anos. Vando Almeida Araújo,
20. Junto com o colega Anderson de Araújo Silva, de
16, eles cometeram o grave erro de parar em um ponto de ônibus
na Rua Jurubatuba, centro de São Bernardo do Campo,
no ABC paulista. Era madrugada de 27 de agosto de 1999 quando
apareceu uma viatura do tipo Blazer, ocupada por quatro policiais
militares. Os três rapazes foram revistados e, por ordem
dos policiais, viraram a rua e foram embora do local. Passaram,
então, a ser perseguidos.
De
arma em punho, os policiais obrigaram os garotos a entrarem
na viatura sob a justificativa de que seriam levados para
a delegacia. Quarenta minutos depois de rodarem, o carro parou
num lugar ermo, de mata, localizado no bairro do Montanhão,
na periferia da cidade. Obrigados a tirar as roupas e a entregá-las
às autoridades, os rapazes foram conduzidos até
a beirada de um córrego. Cenário montado para
os policiais entrarem em cena: executaram o garotos com vários
disparos de arma de fogo.
Anderson
não morreu. Recebeu dois tiros, fingiu-se de morto,
prendendo a respiração, até que a viatura
policial fosse embora. Após andar por um longo trajeto,
foi socorrido, levado ao pronto-socorro e sobreviveu, testemunha
de cada um dos momentos cruéis pelos quais passaram
os rapazes.
Voluntariamente,
Anderson denunciou o crime e relatou para a própria
polícia e para o Ministério Público o
ocorrido naquela madrugada. Ele reconheceu os supostos autores
da chacina, resultando na prisão em flagrante, no mesmo
dia, dos soldados Ivair Roberto de Souza Júnior e Isaías
Mendonça Silva, do cabo Wagner Augusto Pinheiro e do
tenente Emerson Roberto de Cisto, todos do 6º Batalhão
da Polícia Militar. Os policiais permaneceram presos
no Presídio Romão Gomes da PM.
Daniel
Silva Catarino foi executado com oito tiros: um na cabeça,
um no rosto, um na perna, quatro no peito e um de raspão.
Vando Almeida Araújo recebeu três tiros _ na
cabeça, no peito e no braço. Os dados são
do laudo do Instituto Médico Legal divulgado no dia
17 de setembro de 1999. Cada um recebeu um disparo de trás
para frente na cabeça, caracterizando a execução.
Anderson
foi a primeira testemunha a participar do Programa Estadual
de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Provita),
a partir de novembro de 1999. Até o dia do julgamento,
realizado no dia 27 de junho deste ano, o garoto estava afastado
do convívio com familiares e amigos.
O
promotor Nelson Pereira Júnior apresentou a denúncia
no dia 3 de setembro de 1999, que foi recebida pelo juiz da
Vara do Júri de São Bernardo do Campo, Luiz
Geraldo Sant'ana Lanfredi, dando início à fase
de instrução do processo com o interrogatório
dos réus, realizado 18 dias depois.
Testemunhas
de defesa depuseram no mês de novembro de 1999 e tentaram
provar que os policiais participavam do batismo de um novo
soldado do 6º BPM no momento do massacre. Cerca de um
ano depois, em 31 de outubro de 2000, a juíza Ana Lúcia
Siqueira de Figueiredo decidiu que os policiais iriam a júri
popular por duplo homicídio qualificado e uma tentativa
de homicídio. O julgamento foi marcado para 30 de maio
de 2001, mas, ao ser deferido o pedido de adiamento feito
pela defesa dos réus por motivos de saúde do
advogado Marcos Ribeiro Freitas, foi adiado para o dia 27
de junho deste ano.
O
julgamento
Foram
quatro dias de julgamento. Os quatro policiais que mataram
Daniel Silva Catarino e Vando Almeida Araújo e tentaram
assassinar Anderson de Araújo Silva foram absolvidos
por 6 votos a 1. O juiz Luiz Geraldo Lanfredi proferiu a sentença
às 22h10. O plenário estava lotado com familiares
e amigos dos policiais e das vítimas, advogados, representantes
de organizações não-governamentais e
estudantes. Os parentes dos rapazes mortos se indignaram e
saíram do auditório antes da leitura da sentença.
Dos
três policiais, o único que permaneceu preso
foi o tenente Emerson Roberto de Cisto, que já foi
condenado por lesão corporal grave e responde a processo
por tentativo de homicídio. Os demais não tinham
antecedentes.
O
promotor Nelson Pereira Júnior e a assistente de acusação
Dra. Michael interpuseram recurso de apelação
contra a decisão. Se obtiverem um parecer favorável,
haverá um novo júri. Segundo o promotor, a estimativa
é de que isso aconteça daqui a um ano.
Repercussão
internacional
Os
Relatórios Anuais da Anistia Internacional e da Human
Rights Watch de 2000 citaram o caso como exemplo da brutalidade
policial no Brasil. No dia 18 de abril deste ano, o Centro
de Justiça Global, o Movimento Nacional de Direitos
Humanos e outras entidades lançaram em Genebra o relatório
"Execuções Sumárias no Brasil",
definindo o crime ocorrido em São Bernardo do Campo
como um caso exemplar de execução sumária.
O caso também está sendo investigado pela Relatora
Especial da ONU sobre Execuções Sumárias,
Asma Jahangir.
-------------------------------------------------------------
*
Sandra Carvalho, pesquisadora da Justiça Global.
* Evanize Sydon, jornalista e pesquisadora da Rede Social
de Justiça e Direitos Humanos.
Voltar
|