A Comissão Pastoral da Terra de Xinguara denunciou
o aumento da prática do trabalho escravo no Sul do
Pará em 2001. De janeiro a outubro, foram contados
991 trabalhadores em situação de escravidão
em 16 fazendas da região. No ano passado eram 359.
De acordo com o Ministério do Trabalho, para cada trabalhador
liberado existem mais três escravizados.
Triplicam
casos de trabalho escravo
no Brasil em 2001
Evanize
Sydow*
"Salustina
estava desesperada pelo desaparecimento do filho Marcos Antônio.
Há quatro anos, ao chegar em casa, ela encontrou o
filho de 17 anos indo com um "gato" (empreiteiro)
para o Pará. Tentou retê-lo. Em vão. O
gato já o havia embriagado. Ela não teve forças
e ele partiu. A mulher nunca mais teve notícias do
filho. Era um quadro de pura dor. Ela chorava e nós
a observávamos silenciosos e comovidos. Ela, seu esposo
e os filhos não sabem ler. Moram numa rua sem nome.
Numa casa sem número. Não têm relações
que a auxiliam a sair da dor e a buscar o filho. Nunca procurou
socorro. Não foi ao Sindicato dos Trabalhores Rurais.
Não foi ao padre, à promotora, à rádio.
Não sabe para qual fazenda o filho foi. Não
sabe para qual município. Nem o nome do aliciador."
O
relato é do padre Ricardo Rezende Figueira, que esteve
em Barras e Teresina, no Piauí, entre os dias 20 e
25 de maio, visitando vítimas do trabalho escravo no
Sul do Pará e seus familiares. O depoimento de Salustiana
foi dado no dia 23. "Foi uma viagem comovedora, principalmente
quando ouvíamos os relatos das mulheres desesperadas,
de suas dores pelo desaparecimento de filhos ou esposos. Elas
querem notícias e sabem de fugas e de riscos de vida
que os seus correm", conta o padre.
A
Comissão Pastoral da Terra de Xinguara denunciou, em
outubro deste ano, o aumento da prática do trabalho
escravo no Sul do Pará em 2001. Ao todo, de janeiro
a outubro, foram contados 991 trabalhadores em situação
de escravidão em 16 fazendas da região. O total
representa quase três vezes mais que o número
do ano passado, que era de 359. De acordo com o Ministério
do Trabalho, para cada trabalhador liberado existem mais três
escravizados.
Relatório
preparado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara
dos Deputados ("Violência no Sudeste e Sul do Pará")
informa a redução do volume de trabalho do Grupo
Especial Móvel de Repressão e Fiscalização
do Trabalho Escravo (GERTRAF). "Isso tem resultado num
aumento do espaço de tempo entre denúncias e
chegada das equipes móveis, chegando atualmente a demorar
até um mês, impossibilitando os flagrantes. Além
disso, renúncias na cobrança de multas legalmente
aplicadas pelos fiscais do trabalho em alguns casos e expressiva
redução nos seus valores em outros casos, bem
como o não prosseguimento de ações de
natureza criminal contra os acusados, estão na raiz
do crescimento desse tipo de crime verificado ao longo de
2001.
O
relatório ainda destaca o caso da fazenda do deputado
estadual Francisco Donato de Araújo, do Piauí,
onde verificou-se a utilização de mão-de-obra
escrava. "O enfraquecimento do GERTRAF pelo governo federal
está encorajando fazendeiros escravistas a desafiar
publicamente as equipes móveis, recusando-se a pagar
os trabalhadores e a obedecer as determinações
dos fiscais do trabalho. De acordo com relatório da
CPT, foi o que aconteceu na fazenda do deputado estadual no
Piauí, Sr. Francisco Donato de Araújo, no município
de São Félix do Xingu; e na fazenda Bandeirantes,
em Canaã dos Carajás."
Os
dados da CPT, em agosto passado, mostravam que 60 pessoas
que trabalhavam havia vários meses na fazenda do deputado
Francisco Nonato de Araújo encontravam-se em situação
grave. Destes, "8 estavam doentes de malária,
1 tinha o braço quebrado, sem atendimento, nenhum trabalhador
pago e isolados na mata a mais de 300 km da cidade de São
Félix do Xingu", informava a CPT.
Também
segundo informações da CPT, 80 homens adultos
e adolescentes estavam escravizados até junho na Fazenda
Primavera, que fica entre Sapucaia, Xinguara e Curionópolis.
"Eles trabalham 16 horas diárias no mato, não
receberam nada em mais de dois meses de trabalho, são
obrigados a aceitar uma dívida em média de R$
1.000,00 com os gatos, não podem sair da fazenda, são
vigiados por homens armados, não têm assistência
médica, bebem a mesma água que o gado, não
possuem nenhuma instalação sanitária
no local onde estão acampados, os doentes não
estão removidos para fora da fazenda e três rapazes
que tentaram fugir no início de maio desaparecem",
relata um advogado da instituição. Em julho
passado, os 80 trabalhadores foram resgatados por meio do
Grupo Móvel e voltaram para Barras, no Piauí.
Em
outros estados o trabalho escravo também está
presente. Reportagem da Folha de S.Paulo, por exemplo, mostrou
que no Espírito Santo 90 pessoas viviam em regime de
semi-escravidão, em fazendas de café em Vila
Valério. Os trabalhadores "não recebiam
pagamento e as instalações não tinham
banheiros, nem água potável, nem colchões".
Alguns recebiam um vale-alimentação (Folha de
S. Paulo, 7/6/2001).
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Evanize Sydow, jornalista e pesquisadora da Rede Social de
Justiça e Direitos Humanos.
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