A Comissão Pastoral da Terra (CPT) registrou uma sucessão
de 706 assassinatos de trabalhadores rurais no Pará,
entre 1971 e 2001, sendo que 534 ocorreram nas regiões
Sul e Sudeste do Estado. Ao longo deste ano, oito trabalhadores
já foram assassinados. De abril a julho, ocorreram
126 detenções de lavradores por ocupação
de terra, a maior média histórica. De 1º
de janeiro a 23 de setembro de 2001, foram contabilizados
953 trabalhadores em regime de trabalho escravo em 15 fazendas
no Sul e Sudeste do Pará. Em 2000 eram 359.
Violência
no Sudeste e Sul do Pará
Comissão
de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados Uma história
de violência
A ocupação da área da Amazônia
localizada ao Sul e Sudeste do Estado do Pará, empreendida
sobretudo a partir dos anos 70, caracterizou-se pela ocorrência
sistêmica da violência e impunidade. Na origem
desse processo está a conflituosa ocupação
da terra nessa que é a mais populosa fronteira de ocupação
agropecuária e extrativista do país. Inicialmente,
os impulsos desse movimento demográfico vieram, de
um lado, dos governos militares, que estimularam a ocupação
em alta escala, por representantes do grande capital, de uma
área equivalente à da Itália, em apenas
40 anos. De outro lado, confluíram para a região,
através das novas rodovias, grandes contingentes de
lavradores atraídos pelo garimpo e pela chance de possuir
um pedaço de terra para plantar e viver.
O Estado não conseguiu, nem de longe, acompanhar a
velocidade da ocupação. Além disso, a
atuação das instituições do Estado
tanto do governo federal quanto do governo estadual
foi socialmente perversa ao longo dos últimos
30 anos, quando o Estado alternou sua ação em
duas linhas. A primeira foi a de mobilizar suas agências,
como a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia
(SUDAM) e seu aparato de segurança pública em
favor de interesses privados ligados aos grandes proprietários
de terra e contra os pequenos agricultores sem-terra. A segunda
linha foi a da omissão do poder público exatamente
onde ele mais se faz necessário, face às fortíssimas
desigualdades entre os sujeitos sociais em disputa. São
recorrentes os relatos sobre a ausência de força
policial em defesa da cidadania dos trabalhadores rurais,
omissão diante da pistolagem e da formação
de milícias por latifundiários, omissão
diante de notórias fraudes na titulação
de terras públicas por latifundiários, carência
de juízes, promotores e de policiais, falta de condições
de trabalho para esses agentes públicos, alarmantes
deficiências nos serviços públicos de
modo geral.
O sentido da ação do governo federal difere
pouco do ação estadual. Até mesmo a pequena
delegacia da Polícia Federal para a região Sudeste,
instalada num prédio abandonado pela antiga Companhia
Nacional de Abastecimento (CONAB), em Marabá, estava
com os telefones cortados por falta de pagamento quando da
visita da delegação. Os rádios de comunicação
usados pelos agentes tinham sido adquiridos por eles mesmos.
Para desestimular e retaliar ocupações de terra,
a Medida Provisória Nº 2183-56, do presidente
Fernando Henrique Cardoso, proibe vistorias para processos
de reforma agrária, pelos dois anos seguintes à
ocupação. Tal medida favorece objetivamente
detentores de propriedades mediante fraude e latifundiários
improdutivos, cujas áreas tinham sido escolhidas para
ser ocupadas justamente por estarem nessas condições.
Vale dizer, portanto, que a lógica da ação
do Estado pode ser traduzida pelo lema "proteção
aos fortes, repressão aos fracos". E não
raro, essa equação é completada com corrupção
e conivência de agentes do Estado com o crime.
O resultado desse processo foi observado pela Comissão
Interamericana de Direitos Humanos da Organização
dos Estados Americanos (OEA) que comprovava, em relatório
da visita que fez ao Sul do Pará em 1997, "a existência
de uma situação real de temor da população
e das autoridades e de impotência em face da impunidade.
Tanto a situação é atribuível
à inação, à negligência
e à incapacidade do sistema policial e judicial às
óbvias conexões entre delinqüentes e intimidação
dos diferentes poderes e, além disso, à própria
intimidação que estas sofrem".
Os trabalhadores rurais com quem encontramos na região
são, em geral, pessoas muito simples, com pouca ou
nenhuma escolarização, historicamente abandonados
pelo Estado desde suas regiões de origem. Eles vêm
principalmente do Maranhão (22%), Minas Gerais (11%),
Pará (11%), outros estados do Nordeste e Rio Grande
do Sul (7%). Com predominância étnica indígena,
negra e mestiça, com grande participação
da mulher e ingresso prematuro pelos jovens nas questões
da sobrevivência, muitos desses cidadãos e cidadãs
exibem o semblante angustiado pela injustiça de quem
luta pela sobrevivência sob ameaça constante
da violência policial e do latifúndio. Sobreviver
custa demais para esses brasileiros! Ainda assim, resiste
uma esperança tênue de que a vida pode melhorar.
Nesse sentido, há que se reconhecer a importância
da Igreja Católica na solidariedade e assistência
a essa população.
Impunidade
A Comissão Pastoral da Terra (CPT), que tem sistematizado
dados sobre a violência em conflitos pela posse da terra
em todo o país um trabalho de comprovada credibilidade,
dotado de grande rigor factual , registra uma sucessão
de 706 assassinatos de trabalhadores no Pará entre
1971 e 2001, sendo que 534 ocorreram nas regiões Sul
e Sudeste do Estado. Um dado demonstra a persistência
dessas violações contra trabalhadores rurais:
na primeira metade desses 30 anos foram mortos 340 e na segunda
metade 366. No período 1995-2001 foram assassinados
90 trabalhadores rurais nas citadas regiões. Dados
comparativos apresentados pela CPT indicam que esta é
a região mais atingida pela tragédia dos conflitos
fundiários em todo o Brasil.
Ainda segundo os dados da CPT, das 534 execuções
de trabalhadores rurais nos últimos 30 anos, somente
dois foram julgados! E ainda assim executores e mandantes
fugiram das prisões pouco tempo depois ou encontram-se
gozando de regalias em presídio inacessíveis
aos demais presos. Portanto, é quase inexistente a
resposta judicial para esses crimes. Com uma taxa de 99,54%
de impunidade, boa parte da população não
encontra, por mais que procure, motivos para acreditar na
justiça.
Violência
recrudesce em 2001
A novidade neste ano de 2001 é que o sistemático
processo de violência passa por um período de
recrudescimento, não obstante o progresso institucional
por que passa o Brasil na área de direitos humanos.
Ao longo deste ano, oito trabalhadores já foram assassinados.
De abril a julho, ocorreram 126 detenções de
lavradores por ocupação de terras, a maior média
histórica. Tal recrudescimento se deve à combinação
de ações do Estado e de particulares.
O governo do Estado promoveu no período uma ofensiva,
por meio de diversas operações policiais de
desocupações forçada de terras. Grandes
aparatos envolvendo dezenas de policiais, dotados de equipamentos
novos (não disponíveis em outras áreas
críticas de segurança pública no Estado),
a um custo de R$ 100 mil a R$ 120 mil cada operação,
segundo informações obtidas na região,
têm sido realizadas para expulsar trabalhadores sem-terra
acampados inclusive em áreas públicas reivindicadas
por fazendeiros, cujos processos de desapropriação
no Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária INCRA em favor dos trabalhadores
estão adiantados, pouco faltando para serem concluídos.
Muitas dessas operações são revestidas
de crueldade, com emprego de violência desproporcional
e injustificável pelos policiais contra agricultores,
inclusive com queima de alimentos e pertences desses cidadãos.
Irregularidades operacionais, como a não utilização
de tarjetas de identificação, são comuns
nessas ações da Polícia Militar. Segundo
queixas generalizadas de representações de entidades
dos trabalhadores rurais, a recém-criada Delegacia
de Conflitos Agrários do Estado do Pará age
invariavelmente contra os sem-terra, sendo que muitas de suas
ações têm sido seguidas da posterior entrada
de serviços de segurança particulares nas áreas
de conflito, configurando-se, na prática, ações
combinadas de violência do poder público e privado
contra os trabalhadores.
Milícias
particulares
No que diz respeito à ação de particulares,
cabe destacar um fato revelador ocorrido neste ano na região.
Trata-se da detenção, em 21 de setembro último,
de empregados da fazenda Reunidas, cuja propriedade é
atribuída ao Sr. Angelo Calmon de Sá, ex-dono
do Banco Econômico, supostamente falido. Os referidos
empregados levavam nos carros armamento de grosso calibre,
e não exibiram qualquer constrangimento em admitir
que o arsenal pertencia à fazenda, tendo mesmo confessado
que havia mais armas pesadas na propriedade. Levados à
delegacia policial, um dos detidos mostrou um cartão
personalizado do delegado-geral de Polícia Civil do
Estado do Pará, e disse, na presença de testemunhas
"este é o homem que vai nos ajudar". O fato
é que os dois detidos foram soltos no mesmo dia e,
suspeita-se, sem que o devido flagrante tenha sido lavrado.
Especialmente preocupantes foram os relatos sobre a atuação
no Sudeste do Pará de empresas de vigilância
cujo comportamento e finalidade são os da velha pistolagem,
só que, agora, organizada em moldes empresariais "modernos".
As autoridades estaduais do Pará já receberam
denúncias sobre a atuação da Empresa
de Segurança Marca, com sede no Conjunto Guajará
1, WE 63, nº 2002, em Ananindeua-PA. Cerca de 10 empregados
dessa "firma", no dia 19 de julho de 2001, sob o
comando do Sr. Nazareno Ribeiro, que se identificou como "o
diabo", balearam o Sr. Carlos Pereira Teles, no povoado
Fogão Queimado, no município de Bannach. Carlos
Teles, que não tinha armas nem ofereceu resistência,
estava a 15 km. da fazenda da família Bannach, que
contratara a Marca. Essa fazenda tinha sido palco de um violento
despejo feito pela polícia dias antes antes. A expulsão
dos sem-terra pela polícia foi concluída por
essa "firma", que passou a promover um clima de
terror em todo o município. Além de usurpar
funções públicas policiais, promovendo
blitzen em rodovias, interpelando e exigindo documentos a
cidadãos fora da área da fazenda da família
que a contratou, a "firma" seqüestrou, espancou
e torturou pessoas, segundo diversos testemunhos recolhidos
pela CPT.
Outras vítimas dessa empresa de pistolagem foram o
Sr. Raimundo Rodrigues Silva e o Sr. Benedito de Jesus Nascimento,
que estavam desarmados, pescando, e que também não
ofereceram resistência. Depois de espancados e torturados
pelos pistoleiros da Marca, que ainda tentaram fazer o Sr.
Raimundo engolir cartucho de fuzil, foram amarrados e jogados
como porcos sobre uma carroceria de camioneta e levados até
a delegacia de Xinguara, distante mais de 100 km. Lá
o Sr. Raimundo foi preso pelo delegado porque havia participado
de ocupação de terra, enquanto o Sr. Benedito,
que não estava envolvido em ocupação
e, portando não era procurado, foi hospitalizado por
dois dias em Rio Maria com ferimentos sérios, sem conseqüências
parra os agressores.
Outro cidadão de Bannach foi baleado numa estrada perto
da cidade, deixado como morto, sua moto queimada, enquanto
seu companheiro conseguia fugir sob intenso tiroteio. Esse
cidadão, pai de família com três filhos
pequenos, ficará deficiente físico pelo resto
da vida. Ele não tinha qualquer relação
com conflitos de terra. A polícia nada fez para apurar
o caso.
Um contundente depoimento ouvido pela delegação
foi o do filho de José Pinheiro Lima (Dedé),
executado junto com a esposa e o filho caçula de 15
anos, numa demonstração da certeza da impunidade
dos assassinos de trabalhadores rurais. O jovem Ednaldo, que
trazia nas mãos um cartaz com fotos da família
morta, não tem dúvidas sobre quem matou seus
familiares. "O fazendeiro Joãozinho, que agora
passa por mim na rua e zomba da minha cara". Ednaldo
já recebeu chamada anônima para o telefone público
perto da casa dele com ameaça de morte. Ednaldo afirmou
que a morte de seu pai poderia ter sido evitada. "A Polícia
Federal avisou a Secretaria de Segurança Pública
do Pará quatro meses antes, e ela nada fez. Não
avisou a ninguém, nem a meu pai, nem ao movimento".
Salta aos olhos a desigualdade de tratamento: enquanto os
pistoleiros da Marca mesmo após inúmeras
solicitações de prefeitos, vereadores, deputados
e outras autoridades públicas não têm
seus crimes apurados e continuam a agir com impunidade; não
faltam dispendiosos recursos para proceder às violentas
diligências contra os trabalhadores que ocupam lotes
improdutivos. Se há conivência, como os fatos
objetivos parecem corroborar cabe ao poder público
investigar, caso a caso. Lamentavelmente, isso não
tem sido feito, alimentando assim as generalizadas suspeitas
e o descrédito na instituição policial
e na Justiça.
"Marcados
para morrer"
O fenômeno das listas dos "marcados para morrer"
é uma das características mais cruéis
da violência na região Sul e Sudeste do Pará.
Essa lista circula na região não raro acompanhada
de tabela de preços de execuções, diferenciando
os valores de acordo com a posição social do
ameaçado. Na lista a que a Delegação
teve acesso em 04 de outubro de 2001 havia 24 nomes:
1
Francisco Assis Solidade da Costa (membro da coordenação
da FETAGRI-Sudeste do Pará);
2
Raimundo Nonato Santos da Silva (coordenador da FETAGRI,
Sudeste do Pará);
3
José Soares de Brito (presidente do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará);
4
Herenaldo Ferraz de Souza (líder sindical da
fazenda Tulipa Negra);
5
Francisco Salvador (secretário agrário
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará);
6
Abidiel Pereira (coordenador da FETAGRI no Sul do Pará),
7
Maria Medrado (liderança em Rondon do Pará);
8
Antônio Souza Carvalho (secretário de
Política Agrária da FETAGRI-PA);
9
Mariel Joel Costa (viúva de Dezinho, líder
assassinado);
10
Maria das Graças Dias da Silva (liderança
da fazenda Tulipa Negra);
11
Sebastião Pereira (líder sindical da ocupação
da fazenda Três Poderes;
12
João Batista Nascimento (líder sindical
da fazenda Prata, São João do Araguaia);
13
José Cláudio Ribeiro da Silva (líder
sindical de Nova Ipixuna);
14
Carlos Cabral Pereira (presidente do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Rio Maria);
15
Izalda Altino Brandão (diretora da FETAGRI,
Sudeste do Pará);
16
Raimundo Nonato de Souza (direção estadual
do MST do Pará);
17
Luis Gonzaga (direção estadual do MST
do Pará);
18
Eurival Martins Carvalho (direção estadual
do MST);
19
Ulisses Manaças Campos (direção
estadual do MST);
20
Antonia Melo da Silva;
21
Adão Araújo de Jesus;
22
Lúcio da Fonseca;
23
Tarcísio Feitosa da Silva;
24
Bruno Kenpner.
"Só
há retiradas de nomes quando há mortes",
diz um representante da FETAGRI, sobre a lista macabra. O
governo estadual parece não dar importância ao
problema. Pelo menos é essa a impressão que
passa aos movimentos sociais que atuam na região. Segundo
interlocutores desses movimentos com autoridades públicas
do Pará, a concepção predominante entre
a autoridades estadual é que "ocupar terras é
atividade de risco e o Estado nada pode fazer, o risco é
dos trabalhadores". As execuções de lideranças
de trabalhadores rurais e aliados é precedida de ameaças,
que acabam se cumprindo. A tática da intimidação
parece ser utilizada tanto para desestimular lideranças
como para advertir os trabalhadores e a sociedade em geral,
criando um clima de medo. A intimidação também
atinge juízes e promotores. Segundo um advogado ouvido
em Marabá, em razão das ameaças, "juiz
independente fica pouco tempo nessa comarca".
José Brito, presidente do Sindicato de Trabalhadores
Rurais de Rondon do Pará, está deixando a região
para não morrer. "Pelo menos dez fazendeiros estão
me ameaçando. Eles dizem que lá eu sou a bola
da vez. Apesar de ter registrado queixa na delegacia, nunca
fui chamado para prestar depoimento". Brito declarou
que a razão de tudo isso é que ele luta pela
vida. "E quem luta pela vida aqui tem sua própria
vida ameaçada".
O nome de Antônio Rodrigues de Souza, diretor do Sindicato
de Trabalhadores Rurais de Parauapebas, faz parte da lista
dos ameaçados de morte. "Tenho mais medo da policia
do que outra coisa. Às vezes, recebo três telefonemas
por dia de fazendeiros me ameaçando de morte".
Antônio afirma que denunciou as ameaças ao secretário
de Defesa Social, Paulo Sette Câmara, mas até
agora nada foi feito para protegê-lo.
Sebastião Rodrigues, que se encontra ameaçado,
denunciou o delegado Aquino, que no dia 18 de maio deste ano,
acompanhado de fazendeiros e pistoleiros, sem mandado judicial,
chegou à fazenda Talimã/Remanso, em Marabá,
para desocupar a área. Foi destruída toda a
plantação de milho, arroz e mandioca às
vésperas da colheita. Cinqüenta famílias
foram expulsas e quatro prisões efetuadas. "A
acusação é a de sempre: formação
de quadrilha, que não admite fiança, e esbulho
possessório". Apesar disso, fomos soltos depois
do pagar R$ 400 ao delegado. Hoje a área vem sendo
destruída pela retirada de castanheiras.
Presente à audiência pública, a delegada-regional
da Polícia Civil, Dra. Elisete Cardoso, anunciou que
afastaria os policiais responsáveis por irregularidades.
No momento em que os membros da delegação regressávamos
do Pará para o conforto de nossos lares, soubemos que
mais um líder de trabalhadores rurais era assassinado,
em Marabá, com um tiro no rosto. Gilson de Souza Lima,
32 anos, é o oitavo trabalhador rural a ser morto este
ano. Um gerente de fazenda era o principal suspeito do homicídio.
Recomendações
e propostas
1
Ao Governo Federal, a primeira sugestão, de
longo prazo mas com início imediato, é ampliar
e melhorar as políticas agrária e agrícola
na região. Não será possível equacionar
o problema da violência no Pará sem o atendimento
da demanda gerada pela imigração de expressivos
contingentes de trabalhadores rurais sem espaço e recursos
nas suas regiões de origem, e que não têm
mais para onde ir. O Sul e Sudeste do Pará dispõe
de condições para abrigar grandes assentamentos
de reforma agrária, se houver vontade política
nesse sentido. É possível constatar, quer pelos
dados de pesquisas, quer pela observação durante
os vôos na região, que grandes extensões
de terras desmatadas estão subaproveitadas ou simplemente
foram abandonadas depois da extração de madeira.
2
Aos Governos Federal e Estadual do Pará, Ministérios
Públicos Federal e Estadual, a providência que
nos pareceu mais urgente, e que deve ter início imediato,
é a formação de uma força-tarefa
composta pela Polícia Civil e Polícia Federal,
coordenada em conjunto pelo Ministério Público
Federal e o Ministério Público do Estado do
Pará. Seu objetivo seria atuar no âmbito das
competências legais de cada instituição
no sentido de combater a impunidade, desmantelar a rede criminosa
no Sudeste e Sul, inclusive reprimindo as milícias
particulares baseadas em fazendas da região.
3
Ao Ministério da Justiça, para determinar
a investigação, pela Polícia Federal,
das empresas de segurança que atuam irregularmente
na região Sul do Pará, contribuindo para acirrar
a violência.
4
À Corte Internamericana de Direitos Humanos
e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos
para dar-lhes conhecimento e consultá-las sobre o prazo
que consideram razoável para o esclarecimento e o julgamento
dos homicídios de trabalhadores rurais no Pará.
Essa manifestação servirá para caracterizar
os casos em que podem ser conceituados como impunes, para
orientar o possível ingresso de representação
contra o Estado brasileiro por omissão, caracterizada
pela não promoção de justiça em
tempo hábil. Consultar também sobre pertinência
de ação cautelar com vistas à proteção
dos cidadãos ameaçados de morte, cujos nomes
figuram na "lista dos marcados para morrer".
5
Ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará,
apelo para que remova dificuldades que estão impedindo
o andamento dos processos contra acusados de assassinatos,
ameaças de morte e agressões a trabalhadores
rurais. Nesse sentido, promover os julgamentos de processos
judiciais sobre assassinatos em que falta pouco para sua conclusão,
como são os casos das mortes de João Canuto
(morto em 1985), caso chacina em Ubá (1985), Massacre
de Eldorado do Carajás (1996). Outros processos criminais
e inquéritos que encontram-se atualmente paralisados,
como os relacionados a José Dutra da Costa (morto em
2000), Onalício Araújo Barros e Valentim Serra
(1998), José Pinheiro Lima, Cleonice Campos e Samuel
Campos (2001). Igualmente, apelamos no sentido de que sejam
cumpridos, em prazo razoável, os diversos mandados
de prisão referentes a crimes cometidos contra trabalhadores
rurais.
6
Ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará
e ao Congresso Nacional, para rever critérios para
a emissão, por juízes, de medidas liminares
determinando desocupações forçadas. A
chamada "indústria de liminares" tem favorecido
o latifúndio improdutivo e estimulado a violência.
Nesse sentido, foram colhidas duas propostas. A primeira é
de atuar ao Congresso Nacional para aprovar, com celeridade,
projeto de lei que estabelece critérios para as liminares,
obrigando o juiz inclusive a consultar órgão
fundiário para avaliar a situação da
terra. A segunda é recomendar aos juízes, por
intermédio do Tribunal de Justiça do Estado
do Pará, que se abstenham de conceder liminares sem
ouvir o Ministério Público e organizações
da sociedade civil que conhecem os problemas agrários
regionais, evitando tragédias.
7
Ao Governo do Estado do Pará, prover, quando
necessária, proteção a juízes
e promotores, constantes alvos de ameças, garantindo-se
a incolumidade dos mesmos e a prestação dos
serviços por eles prestados. Dotar os serviços
de segurança pública das condições
mínimas de funcionamento, com recursos humanos e materiais
nas delegacias, treinamento adequado compatíveis com
a demanda no Estado, permitindo a apuração dos
crimes impunes e o estabelecimento da credibilidade da segurança
pública no Estado.
8
Ao Tribunal Federal Regional da 1ª Região
e Tribunal de Justiça do Estado do Pará, para
acelerar o processo de criação da Vara Agrária
na região.
9
Ao Governo do Estado do Pará, para prover a
região de mais serviços sociais, incluindo política
urbana que, no seu conjunto, contribuam para atenuar a cultura
da violência.
10
Ao Ministério do Desenvolvimento Agrário,
requerer cadastro das propriedades rurais da região,
informações sobre as desapropriações,
para reforma agrária, de áreas griladas, bem
como sobre as condições necessárias para
a incorporação mais rápida de áreas
maiores para a reforma agrária.
11
Ao Ministro da Justiça e ao Ministro do Desenvolvimento
Agrário, apelar no sentido de que o Governo Federal
restabeleça canais de diálogo entre o movimento
social e o Ministério do Desenvolvimento Agrário
e o INCRA. Membros da delegação tentarão,
nesse sentido, abrir canal de diálogo direto entre
o Ministro do Desenvolvimento Agrário e o presidente
do INCRA com as entidades do movimento social da região
Sul do Pará, no sentido de pacificar a região,
acelerando o processo de reforma agrária.
12
Aos Ministérios do Desenvolvimento Agrário
e da Secretaria Geral da Presidência da República
no sentido de se absterem de transformar em lei a Medida Provisória
Nº 2183-56, que impede a vistoria para efeitos de reforma
agrária, por dois anos, em áreas em que houve
ocupação.
13
Ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana,
requerer que o mesmo convide para sua próxima reunião
o Secretário de Estado de Defesa Social, Dr. Paulo
Sette Câmara; a presidente do Tribunal de Justiça
do Estado do Pará, Dra. Climenié Bernadette
Pontes; o presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª
Região, ministro Fernando da Costa Tourinho Neto; o
procurador-geral de Justiça do Estado do Pará,
Dr. Geraldo Mendonça Rocha, além de representantes
da sociedade civil da região.
14
Ao presidente do ITERPA Instituto de Terras
do Pará informações cadastrais sobre
propriedade de terra em conflito com registros do INCRA;
15
Ao Congresso Nacional, apelo por mudanças na
legislação para combater o trabalho escravo,
incluindo agravamento do tipo penal aos infratores e restrições
de acesso nos organismos de crédito federais.
16
Ao Ministério do Trabalho, requerimento de informações
sobre a aplicação de multas aos responsáveis
por flagrantes de trabalho escravo no país e na região
Sul do Pará, incluindo cruzamento de dados sobre aplicação
e cobrança dessas multas; critérios que orientam
a renúncia na cobrança de multas ou redução
de seus valores; destino de outras ações de
natureza criminal contra os acusados; dados sobre recursos
destinados às operações do Grupo Especial
de Repressão e Fiscalização ao Trabalho
Escravo, no país e no Sul do Pará; bem como
explicações sobre a ampliação
do espaço de tempo entre denúncias e suas verificações.
17
Ao Ministério da Justiça, solicitar que determine
à Polícia Federal que efetue prisões
de autores de crimes como homicídios e trabalho escravo,
de modo a demonstrar compromisso do Governo Federal em coibir
o crime na região, contribuindo assim para desencorajar
novos assassinatos.
18
Ao Ouvidor-Geral da Reforma Agrária, Gersino
da Silva Filho, solicitar-lhe um parecer sobre o impacto da
atuação das empresas privadas de segurança
que atuam a serviço de fazendas na política
agrária e na política de direitos humanos vigente
no país.
19
À Mesa da Câmara dos Deputados, solicitar
a realização de uma sessão de comissão
geral para debater e propor ações contra a violência,
convidando a participar representantes do poder público,
da sociedade civil e dos movimentos sociais da região
Sul do Pará.
20
À Secretaria de Estado de Defesa Social do Pará,
requerer informações e providências urgentes
para a apuração do assassinato do Sr. Moacir
Pereira de Souza, em 8 de abril de 2001, quando sua casa foi
invadida de madrugada por policiais militares identificados
como tenente Reis, sargento Luciano e cabo Trovão,
além de dois outros não identificados. A família
desconhece qualquer envolvimento da vítima em delitos
e denuncia que os assassinos estão soltos, trabalhando
normalmente, constituindo-se ameaça à sociedade,
principalmente à família que luta por justiça.
21
Ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará,
Tribunal Federal Regional da 1ª Região, Ministério
Público Federal e Estadual, Ouvidor Agrário
Nacional, propor a realização de um evento para
o qual seriam convidados juízes que atuam na região
para o debate sobre os procedimentos judiciais para a realização
de despejos de trabalhadores rurais.
22
À Câmara dos Deputados, requerer pronunciamentos
do Grande Expediente, que têm duração
de 25 minutos, para denunciar e analisar o problema da violência
originária dos conflitos agrários no Sul do
Pará.
23
Ao relator da proposta de emenda à Constituição
sobre a reforma do Judiciário, senador Bernardo Cabral,
solicitar-lhe celeridade no processo de votação
do ítem da PEC referente à federalização
dos crimes contra os direitos humanos, tendo em vista a relevância
da medida para o enfrentamento da violência e da impunidade.
24
Ao Congresso Nacional, ao Ministério da Justiça,
Ministério do Trabalho e Ministério Público
Federal, solicitar atuação no sentido da agilização
e aprovação de projeto que determina o confisco
de terras onde houver trabalho escravo, a exemplo das terras
ocupadas com plantações de substâncias
narcóticas.
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