Um milhão de pessoas foram atingidas pelas grandes
barragens no Brasil. Estudos mostram que estas populações
raramente alcançaram de novo a mesma qualidade de vida
depois do assentamento. Até agora, 14 barragens foram
planejadas para os rios Tocantins e Araguaia, sem qualquer
estudo que analise os impactos cumulativos ou interativos
destes projetos. Plano prevê a construção
da segunda maior barragem do mundo no Rio Xingu. Esta é
considerada a primeira de pelo menos seis barragens futuras
no local, afetando populações indígenas
no Xingu e seus afluentes, incluindo o Parque Indígena
do Xingu.
As
Luzes se Apagam para os Direitos Humanos
Glenn
Switkes*
Em
maio de 2001, o Brasil viu-se defrontado com uma crise energética
de proporções sem precedentes. Represas no centro-sul
do país, parte de uma rede hidrelétrica de barragens
responsável pelo abastecimento de energia elétrica
aos centros urbanos e industriais, tinham escoado menos que
30% de sua capacidade. Com a estação seca se
aproximando, as represas estavam previstas para atingir o
ponto na primavera onde, com menos de 10% da capacidade de
água restante, seriam incapazes de acionar as turbinas
nas casas de força. Mais de 90% da energia elétrica
do Brasil é gerada por barragens hidrelétricas,
e portanto a seca e a dependência extrema da nação
nas hidrelétricas ameaçaram "desconectar"
casas e indústrias do país.
Com
o presidente Fernando Henrique Cardoso dizendo que foi pego
de surpresa, cidadãos e companhias viram-se sujeitos
a um racionamento obrigatório de energia. O presidente
formou um racionamento obrigatório de energia. O presidente
formou um "Ministério do Apagão" para
definir medidas extraordinárias que acelerariam a construção
de novas estações geradoras. Enquanto isso,
os brasileiros escolhiam entre desconectar aparelhos elétricos
para atingirem as "cotas" e evitar que sua eletricidade
fosse cortada.
O
setor elétrico apressou-se para aprovar dezenas de
projetos de barragens e casas de força a gás
e o presidente decretou a Medida Provisória 2147, estabelecendo
um limite de tempo de seis meses para licenciar as barragens
hidrelétricas, de quatro meses para maquinarias térmicas
elétricas, oleodutos e gaseodutos, e de três
meses para as linhas de transmissão. O chamado Ministro
do "apagão", Pedro Parente, explicou que
o decreto foi o resultado do fato que "questões
ambientais atrasaram os projetos", subentendendo que
assuntos sociais e ambientais seriam ignorados na febre da
crise de energia nacional.
Até
agora, um milhão de pessoas foram atingidas pelas grandes
barragens no Brasil. Estudos mostraram que estas populações
raramente, se tanto, alcançaram de novo a mesma qualidade
de vida depois do assentamento. O caso dos índios é
ainda mais extremo, com as companhias elétricas os
cobrindo de atenção depois do reassentamento
por causa de enchentes em suas terras, ou em outros casos
quase os abandonando inteiramente a sua própria sorte.
Os
impactos das grandes barragens têm estado sob exame
cuidadoso no nível global. A independente Comissão
Mundial sobre Barragens (CMB), cujos membros variam de governantes
e funcionários corporativos a um líder do movimento
anti-barragem do Vale Narmada na Índia, publicaram
um relatório em novembro que reservava suas críticas
mais duras aos impactos sociais causados pelas barragens.
Analisando o que foram denominados opções não-democráticas
e processos probatórios para novas barragens, a CMB
publicou uma série de recomendações que
incluem uma maior consulta e o envolvimento das comunidades
afetadas nos processos de planejamento de barragens. A CMB
chegou a notificar que as comunidades indígenas têm
o direito a um consenso informado antes do prosseguimento
de qualquer projeto que possa adversamente afetar suas terras
ou seu modo de vida.
Apesar
do governo federal e a companhia estatal Eletrobrás
terem feito parte dos estudos da comissão, não
há nenhum processo em andamento para incorporar as
recomendações da comissão às políticas
nacionais energéticas, e significantemente o Banco
Mundial e o Banco de Desenvolvimento Interamericano, que têm
sido os dois maiores financiadores de grandes barragens no
Brasil, fracassaram em considerar as diretrizes da comissão.
A
maior parte do potencial hidrelétrico futuro do Brasil
está na região Amazônica, e as implicações
ambientais, culturais e sociais de uma rede hidrelétrica
na Amazônia são amedrontadoras. Até agora,
14 barragens foram planejadas para os rios Tocantins e Araguaia,
sem qualquer estudo que analise os impactos cumulativos ou
interativos destes projetos. As equações dos
impactos ambientais que ligam a amplitude dos impactos das
barragens à extensão do território inundado
pelo reservatório ignoram o fato que alguns dos mais
graves problemas com grandes barragens no Brasil foram sentidos
pela população ribeirinha.
No
caso da barragem de Tucuruí, a maior já construída
numa floresta tropical, milhares de famílias que moravam
abaixo da barragem perderam seus meios de pesca e a fertilidade
dos terrenos e das áreas fluviais. Muitos acharam refúgio
nos morros dentro da represa de Tucuruí, e agora estão
sendo ameaçados com uma cheia de dois metros na represa
quando a capacidade geradora da barragem é duplicada.
Funcionários da companhia elétrica dizem que
não há necessidade de estudos ambientais, uma
vez que a segunda fase do projeto Tucuruí é
meramente uma "continuação" de um
projeto iniciado antes que as leis ambientais brasileiras
entrassem em efeito.
O
mais preocupante é o plano que prevê a construção
da segunda maior barragem do mundo no Rio Xingu, perto de
Altamira no Pará. A barragem de Belo Monte é
considerada por analistas independentes a primeira de pelo
menos seis barragens futuras, afetando populações
indígenas no rio Xingu e seus afluentes, incluindo
o Parque Indígena do Xingu.
A
oposição local cresceu, baseada no reconhecimento
difundido de que a grande barragem vai fazer pouco para resolver
os grandes
problemas
dos pequenos agricultores e pescadores da região. Pelo
contrário, irá beneficiar primeiramente as indústrias
intensivas em energia e s centros industriais do sul do Brasil.
Um dos críticos mais perceptíveis da barragem
de Belo Monte foi Ademir Alfeu Federicci, do Movimento para
o Desenvolvimento da Transamazônica e do Xingu (MDTX),
que foi morto com um tiro na cabeça por invasores que
entraram na sua casa em 26 de agosto. Federicci, de apelido
"Dema", era um dos vários líderes
sindicais rurais que havia sofrido ameaças de morte.
Sua morte foi seguida, duas semanas depois, pelo assassinato
de outro líder popular em Tucuruí.
Outro
projeto controverso é a hidrelétrica de Cana
Brava no Rio Tocantins, para o qual o Banco de Desenvolvimento
Interamericano forneceu US$ 160 milhões em empréstimos.
O Movimento Brasileiro das Pessoas Atingidas por Barragens
(MAB) e outras organizações ambientais e sociais
reclamaram ao BID que o CEM, cuja dona é a belga Tractebel,
falhou em negociar o reassentamento e os termos de compensação
com as 400-500 famílias que foram afetadas diretamente
pelo projeto. Os funcionários da companhia insistiram
em negociar individualmente com cada família, frequentemente
com a presença de um policial, como forma de intimidar
as famílias. Às populações afetadas
pelas barragens foram-lhes negadas o direito de ter organizadores
do MAB participando como conselheiros nas negociações.
Em
março de 2001, 300 pessoas atingidas pela Cana Brava
fizeram uma manifestação pacífica no
local da barragem para trazer a Tractbel à mesa de
negociação. Por três dias, a polícia
militar impediu as tentativas de levar comida e água
para os manifestantes e reprimiu fisicamente, inclusive mulheres
e crianças.
Povos
indígenas se encontrarão no caminho das águas
crescentes enquanto as barragens amazônicas forem construídas.
Entre comunidades diretamente atingidas pelas barragens ao
longo do Tocantins e Araguaia estão: Araguanã
(Karajá do Norte e Guarani Mbya), Santa Isabel
(Surui Aikewara), Marabá (Gavião Parkatejê)
, e Serra Quebrada (Krikati e Apinayé). Outros grupos
potencialmente afetados nesta região incluem os Krahô
e Karajá.
Os
gigantes transnacionais de alumínio Alcoa (EUA) e Billiton
(África do Sul, Austrália e Reino Unido), em
parceria com a Companhia Vale do Rio Doce, demonstraram interesse
na Serra Quebrada e Santa Isabel. "Auto-produtoras"
de energia, as companhias garantiriam essencialmente sua habilidade
para expandir suas instalações de alumínio
independentemente de futuras interrupções energéticas.
Outra
longa controvérsia envolveu as barragens planejadas
para o rio Tibagi no Paraná, o qual afetaria as comunidades
indígenas de Kaingang e Guarani Ñandeva. A crise
energética reavivou as chamadas para quatro barragens
ao longo do Tibagi, a serem construídas pela companhia
estatal Copel.
Povos
indígenas têm direitos especiais consagrados
no parágrafo 3º do artigo 231 da Constituição
Brasileira de 1988. Eles dizem que os povos indígenas
devem ser consultados antes que seus recursos naturais sejam
explorados. No entanto, o Decreto 2147 claramente ameaça
dinamitar a capacidade das comunidades atingidas para acessar
e analisar volumes de estudos técnicos, adquirir conselho
legal, realizar ouvidorias para o público interessado
como um canal significativo de debate e novos projetos de
barragens.
A
indústria internacional construtora de barragens, aliada
à crise energética do Brasil, largamente causada
pela ineficiência inerente de sua vasta rede de barragens,
proporciona uma desculpa para aprovar medidas não-democráticas
que garantem ostensivamente energia elétrica para o
desenvolvimento medidas pelas quais os pequenos produtores
rurais, populações indígenas e quilombolas
pagarão o preço por décadas a vir.
Recomendações
1
O setor elétrico brasileiro deve adotar as recomendações
da Comissão Mundial sobre Barragens, designada a alcançar
um maior consenso na avaliação das propostas
para novas hidrelétricas e grandes barragens.
2
Os danos sofridos por indivíduos e comunidades
resultantes da
construção
e operações para barragens já existentes
devem ser reparados através de medidas, incluindo projetos
de desenvolvimento regionais que ajudem pequenos agricultores
e pescadores, além da restauração de
sistemas de rios e ecossistemas aquáticos atingidos
por barragens e outras medidas a serem discutidas e decididas
em consulta com as populações atingidas.
3
Os impactos cumulativos dos múltiplos projetos
hidrelétricos em qualquer rio devem ser avaliados inteiramente
antes que a construção de barragens seja permitida.
4
A medida Provisória 2147 deve ser revogada,
em reconhecimento à necessidade de um amplo debate
sobre novos projetos de hidrelétricas.
5
O Brasil deveria diversificar suas fontes de energia
elétrica, enfatizando a energia eólica, a biomassa
e as pequenas hidrelétricas, além de melhorar
a eficiência energética e sua conservação.
(Tradução:
Beatriz Alves Leandro)
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Diretor do Programa na América Latina da International
Rivers Network (IRN) e assessor do Movimento dos Atingidos
por Barragens (MAB)
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