Brasileiros que vivem em regiões de seca fazem milagre
para sobreviver. Às vezes não conseguem. As
crianças convivem com a falta de tudo: moradia, comida
e água. Muitas nunca tiveram um brinquedo e, muito
cedo, aprendem a passar o dia na beira da estrada esperando
conseguir farinha, feijão ou moedas para ajudar a comprar
alimento.
O
Brasil da Seca
Evanize
Sydow *
Em
entrevista à revista A Verdade, Jaime Amorim, um dos
coordenadores nacionais do Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra (MST), falou sobre a seca deste ano e o que pode vir:
"O último período de estiagem durou de
1997 a 1999. Em 2000, tivemos na verdade uma seca verde. As
chuvas não atingiram todas as regiões, a agricultura
não se recuperou, não se recuperou o armazenamento
de água nas barragens. Começou 2001, ainda com
as conseqüências da seca anterior, e entramos num
novo período de seca prolongado que irá até
2004; só em 2005 teremos um ano normal. As conseqüências
já estão aí, mas a seca será rigorosa
mesmo a partir do próximo ano e atingirá outras
populações, como os assalariados agrícolas
e pequenos proprietários do pólo do São
Francisco, porque as empresas e os pequenos agricultores já
estão ficando sem água para a irrigação.
As grandes empresas ainda conseguem captar água, mas
já estão diminuindo a produção
porque o custo para captar água no rio está
cada vez mais alto."
A
Verdade também foi ouvir depoimentos de trabalhadores
no acampamento
do MST em Cachoeira Seca, em Caruaru. Pedro Martins,um dos
trabalhadores, não está otimista. "Já
vi muita seca. Na seca, o trabalhador passa por mais necessidade.
Tanto a gente como os animais, passamos sede e fome e a gente
sofre muito mais. Já trabalhei em frentes de emergência.
Entra governo, sai governo, e nada de melhorar. Esse Governo
vai terminar de acabar com a gente." José da Silva,
de 51 anos, também fala. "Meu estudo foi uma foice
e um machado. O que podemos fazer é lutar para que
aconteça uma vida melhor para nós da agricultura."
E Dona Severina lamenta a falta de cestas básicas.
"O Governo fala muita em cesta básica, mas aqui
mesmo não chegou. Quando aparece alguma vez, passa
seis meses sem chegar. E o que tem numa cesta básica?
Dois quilos de feijão que passa dois dias no fogo e
não cozinha. A fubá é tão velha
que vem com teias de aranha. Se fosse para viver dessa cesta
básica que o governo dá, a maioria das pessoas
aqui já tinha morrido há muito tempo."
Assim
como os trabalhadores de Cachoeira Seca, vários brasileiros
que vivem em regiões de seca fazem milagre para sobreviver.
Às vezes não conseguem. As crianças convivem
com a falta de tudo: moradia, comida e água. Muitas
nunca tiveram um brinquedo e, muito cedo, aprendem a passar
o dia na beira da estrada esperando conseguir farinha, feijão
ou moedas para ajudar a comprar alimento.
O
Brasil tem vários exemplos de situações
de extrema seca. A seca é a pior dos últimos
30 anos em Sobradinho, na Bahia, alertava o jornal Folha de
S.Paulo em julho passado. "A estiagem fez reaparecer
ruínas na antiga cidade de Remanso (BA), inundada pelo
reservatório no final dos anos 70, e alterou a vida
de famílias nômades que se mudam de acordo com
a vazão do rio São Francisco. Cerca de 15 famílias
de pescadores estão vivendo próximas dos pedaços
da igreja e muros de casas da Remanso velha." (Folha
de S.Paulo, 27/7/2001).
Alagoas,
outro exemplo, amarga a história de ter entre suas
cidades a mais pobre do Brasil, São José da
Tapera, segundo a Organização das Nações
Unidas (ONU) em 1998. "Tapera vive o mesmo drama dos
municípios do Nordeste atingidos pela seca. Enquanto
as causas estruturais da miséria não são
atacadas, as medidas assistenciais amenizam o problema. A
maioria dos quase 29 mil habitantes do local bebe água
sem tratamento, muitas vezes de pequenas represas onde os
animais também matam a sede. Cerca de 95% dos moradores
não têm esgoto" (Folha de S.Paulo, 17/9/2001).
Outra
região com situação de calamidade é
a dos vales do Jequitinhonha e do Mucuri. Como mostra reportagem
da Folha de S.Paulo, lá estão concentrados 8,7%
dos quase 18 milhões de habitantes de Minas Gerais.
"Tem IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de
0,56, abaixo da média do Nordeste, cujo índice
é 0,60. Esse índice, calculado em 1996, mede
o desenvolvimento da região com base na expectativa
de vida, no nível educacional e na renda per capita
de consumo." (Folha de S.Paulo, 18/6/2001)
O
jornal também mostra que, por outro lado, 17 grandes
obras contra a seca estavam paradas em julho passado. Com
suspeitas de irregularidades, apontadas pelo Tribunal de Contas
da União (TCU), elas deixaram de receber recursos do
Orçamento, mas já despenderam cerca de R$ 830
milhões. "Algumas se arrastam por 15, 16 e até
18 anos. Se estivessem concluídas, poderiam irrigar
60 mil hectares e abastecer de água pelo menos 1,5
milhão de pessoas." (Folha de S.Paulo, 8/7/2001).
"Só no governo Fernando Henrique Cardoso receberam
(as obras) R$ 673 milhões. Para a conclusão,
serão necessários mais R$ 696 milhões."
(Idem).
Entre
as obras inacabadas apontadas pela Folha de S.Paulo em 8 de
julho de 2001 estão Salangô ("Projeto de
irrigação no Maranhão consumiu R$ 68,9
milhões e tem 95% executados. Do total de 3.216 hectares
projetados, estão em uso apenas 430 hectares"),
Adutora Oeste ("Iniciada há dez anos, a obra visa
o abastecimento de 270 mil pessoas em 43 cidades em Pernambuco
e no Piauí, com captação de águas
no rio São Francisco. Recebeu R$ 73,6 milhões
e atingiu 43% de execução. Serão necessários
mais R$ 108 milhões para a sua conclusão"),
Tabuleiro São Bernardo ("A obra no Maranhão,
projetada para 25 mil hectares, recebeu a primeira dotação
orçamentária em 1985. Mas a primeira etapa (5.448
hectares) teve início só três anos mais
tarde"), Platôs de Guadalupe ("Iniciada em
1987, no Piauí, a obra previa a irrigação
de 6.450 hectares. A primeira etapa (3.085 hectares) seria
concluída em 17 meses, mas ocorreram paralisações
por falta derecursos em 14 anos. Hoje é difícil
saber quanto já custou"), Jaguaribe/Apodi ("Iniciado
há 15 anos e com 98% das obras executadas, o projeto,
desenvolvido no Ceará, poderia estar em pleno funcionamento.
Já foram implantados 5.393 hectares. Para concluir
o projeto falta plantar grama para proteção
dos taludes, recuperar o tanque de compensação
e adquirir uma bomba") e Marituba ("O perímetro
de irrigação treve seu primeiro estudo de viabilidade
em 1974. Mas as obras, em Alagoas, tiveram início só
em 1995, com área prevista de 4.220 hectares. O percentual
de execução atinge apenas 15%. O TCU apurou
que o local é impróprio para um projeto de irrigação,
já que parte das terras não é própria
para a agricultura, pela acidez, e por estar em várzeas
(inundáveis). Isso exigiu a construção
de um dique de proteção que custou R$ 15 milhões").
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Evanize Sydow, jornalista e pesquisadora da Rede Social de
Justiça e Direitos Humanos.
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