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Relatórios


A remuneração média das mulheres brasileiras situa-se em torno de 60% da auferida pelos homens. As mulheres negras são as mais afetadas pelo desemprego, mostrando as conseqüências danosas da combinação de dois preconceitos: o de sexo e de cor. As taxas de desemprego entre as mulheres negras são mais de 11 pontos superiores às taxas verificadas para os homens não-negros na região metropolitana de São Paulo, segundo dados de 1998 e 2000. Mesmo em comparação com as mulheres não-negras, o desemprego das mulheres negras ultrapassa esta taxa em quase seis pontos percentuais.

Emprego e Renda: o direito à igualdade
das mulheres trabalhadoras no Brasil

Solange Sanches, Coordenadora de Pesquisa, DIEESE
(Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos)

A implementação dos direitos humanos, tal como definidos na Declaração Universal, pode ser compreendida sob dois aspectos. Um aspecto, fundamental, é a palavra, o enunciado desses direitos: todas as pessoas são iguais e tem direito à vida, ao trabalho, a uma justa remuneração e à proteção da sociedade.

O segundo aspecto, igualmente crucial, é o entendimento, ou seja, a situação em que esses enunciados encontram-se inscritos no ser, no construir e no viver das sociedades que a eles se associam.

No Brasil, os enunciados de direito encontram-se formalmente em vigor. No entanto, nada mais longínquo do cotidiano do que o viver esses direitos. A distância é tanto maior quanto mais nos aproximamos do ser pobre, trabalhador, mulher ou negro neste país. Particularmente distante para as mulheres trabalhadoras, muitas negras, em sua maioria, pobres.

Na circunstância em que os direitos existem, mas a realidade encontra-se distante de seu cumprimento, é necessário construir, descobrir ou redescobrir argumentos para contribuir com sua implementação.

Por isso, é importante relembrar alguns artigos da Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1948.

Artigo 23

1 – Toda pessoa tem o direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, à justas e favoráveis condições de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2 – Toda pessoa, sem qualquer discriminação, tem o direito à igual pagamento para trabalho igual.

3 – Todos os que trabalham tem direito à justa e favorável remuneração que garanta a si e sua família uma existência condizente com a dignidade humana, e suplementada, se necessário, por outros meios de proteção social.

(...)

Artigo 25

1 – Toda pessoa tem direito a um padrão de vida adequado para a saúde e bem estar de si mesmo e de sua família, incluindo alimentação, vestuário, habitação e assistência médica e os serviços sociais necessários, e o direito à proteção em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outra carência de sustento em circunstâncias fora de seu controle.

A justificativa destes direitos encontra-se na própria Declaração:

Artigo 1: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos.

Artigo 3: Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo 5: Ninguém será submetido à tortura ou à punição ou tratamento cruel, desumano e degradante.

Portanto, o direito ao trabalho, a uma justa remuneração e à condições de vida adequadas, sem distinções de qualquer espécie, são direitos à condição de realização da pessoa humana, da forma como lhe aprouver.

A situação das mulheres trabalhadoras no país mostra que estes direitos têm sido violados. As condições de vida e trabalho das mulheres brasileiras podem ser avaliadas através de dois indicadores básicos: o acesso ao emprego e a remuneração. Ambos são indicadores tanto de qualidade de vida, como das condições de igualdade. E, para as mulheres no Brasil, ambos demonstram a persistência de um ambiente de más condições de vida e de desigualdade.

O emprego é não somente um direito, mas a forma por excelência da inserção social e de garantia de condições dignas de sobrevivência. É através de sua inserção produtiva que os indivíduos obtém não apenas os recursos, mas fundamentalmente o seu reconhecimento como cidadãos e suas possibilidades de realização enquanto pessoas. A privação do emprego é um ataque frontal aos direitos humanos.

Os anos noventa foram marcados por altas taxas de desemprego, decorrentes de múltiplos fatores: políticas econômicas recessivas, reconversão tecnológica, crises internacionais. O elevado desemprego atingiu todos os trabalhadores, mas se distribuiu de forma diferenciada, atingindo mais as mulheres e, especialmente, as mulheres negras.

Em toda a década, as taxas de desemprego foram mais altas para as mulheres nos períodos em que a atividade econômica mostrou resultados mais favoráveis e nos momentos mais críticos. O trabalho da mulher permanece sendo considerado como mais facilmente descartável e socialmente menos necessário, tanto no interior das empresas como no sustento das famílias. Para as mulheres, as taxas de desemprego atingiram o ápice de 21,9%, em 1999, na região metropolitana de São Paulo, segundo dados da PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego, realizada pelo convênio DIEESE/SEADE e MTB/FAT.

Mesmo nos momentos de retomada das contratações, a taxa de desemprego das mulheres reage com menor intensidade do que a dos homens. Essa é a situação no ano 2000, quando a melhoria do mercado de trabalho faz recuar o desemprego masculino em 13,3%, mas o feminino diminui apenas 3,7%, na área metropolitana de São Paulo.

A mesma pesquisa mostra dados semelhantes para cinco outras regiões onde também é realizada. Em todas, o desemprego das mulheres é mais elevado, mostrando que, no conjunto do país, a situação de desigualdade é semelhante. Mais ainda, revela que a situação de discriminação em relação às mulheres se mantém, em que pesem alguns avanços obtidos na busca pela eqüidade.

TABELA 1 – Taxas de Desemprego, segundo sexo

Região Metropolitana de São Paulo 1989-1998 (em %)

Fonte: DIEESE/SEADE e MTB/FAT. PED - Pesquisa de emprego e desemprego

TABELA 2 – Taxas de desemprego, segundo sexo

Brasil – Regiões Metropolitanas – 1999-2000 (em %)

Fonte: DIEESE/SEADE, MTB/FAT e instituições regionais. PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego - Elaboração: DIEESE. Apud: BOLETIM DIEESE, edição especial março 2001

As mulheres negras são, de longe, as mais afetadas pelo desemprego, mostrando as conseqüências danosas da combinação de dois preconceitos: o de sexo e de cor. As taxas de desemprego entre as mulheres negras são mais de 11 pontos superiores às taxas verificadas para os homens não-negros na região metropolitana de São Paulo nos anos de 1998 e 2000. Mesmo na comparação com as mulheres não-negras, o desemprego das mulheres negras ultrapassa esta taxa em quase seis pontos percentuais.

A persistência de taxas mais elevadas para as mulheres, qualquer seja sua cor, demonstra que se trata de um fato estrutural, que não decorre de situações atípicas. Portanto, resistente à mudanças na conjuntura econômica e mesmo no ordenamento legal. Trata-se de um dado constitutivo da realidade brasileira.

Tabela 3 – Taxas de Desemprego, por sexo segundo raça

Região Metropolitana de São Paulo – 1998/2000 (em %)

Fonte: DIEESE/SEADE, MTB/FAT e entidades regionais. PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego - Obs.: Negros: inclui pretos e pardos; não-negros: brancos e amarelos

Se a privação do emprego acarreta conseqüências danosas, nem por isso o estar ocupada ou empregada muda radicalmente a situação de desigualdade das mulheres. A remuneração média das mulheres brasileiras situa-se em torno de 60% da auferida pelos homens, embora venha apresentando uma lenta diminuição das diferenças. A desigualdade na remuneração persiste mesmo consideradas variáveis como funções e cargos ocupados, tempo de permanência no emprego e mesmo escolaridade. Embora a escolaridade entre as mulheres venha crescendo em ritmo mais acelerado do que entre os homens, o crescimento da remuneração feminina nem de longe acompanha esta conquista. Ou, dito de maneira mais direta, a escolaridade segue tendo maior valor para os homens no mercado de trabalho.

TABELA 4 – Rendimento médio real anual dos ocupados no trabalho principal, segundo sexo

Brasil - Regiões metropolitanas – 1999-2000 (em R$ de janeiro/2001)

Regiões
metropolitanas

1999
2000
Mulheres
Homens
Rendimento das mulheres em relação ao dos homens
Mulheres
Homens
Rendimento das mulheres em relação ao dos homens
Belo Horizonte
453
735
61,60%
473
782
60,50%
Distrito Federal(1)
822
1.220
67,30%
947
1.418
66,80%
Porto Alegre
499
731
68,30%
551
806
68,40%
Recife
357
548
65,10%
359
557
64,40%
Salvador
408
647
63,10%
414
645
64,20%
São Paulo
664
1.027
64,70%
659
1.064
61,90%

Fonte: DIEESE/SEADE, MTB/FAT e instituições regionais. PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego - Elaboração: DIEESE. Apud: BOLETIM DIEESE. Edição especial, março 2001
Nota: (1) No Distrito Federal, valores em reais de dezembro de 2000.

A remuneração das mulheres pode ser considerada um dos indicadores mais veementes da desigualdade social brasileira. Rendimentos inferiores para trabalho igual já significam desrespeito aos direitos humanos em si, o que já seria bastante grave. Ocorre que também contribuem de forma decisiva para a situação de pobreza e de más condições de vida de milhares de famílias no país.

No Brasil, já são cerca de 26% as famílias chefiadas por mulheres, negras e não negras, segundo dados de 1999 da PNAD – Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios, realizada pelo IBGE. Esta é também uma proporção crescente na realidade social brasileira. No início da década de noventa, as mulheres chefes de família estavam ao redor dos 20%. Além disso, não é possível hoje considerar, dada a perda de poder aquisitivo da população e o crescimento da participação das mulheres na atividade econômica, que seus rendimentos não sejam responsáveis, em grande medida, pelo sustento das famílias, mesmo nos lares em que várias pessoas concorrem para a formação da renda familiar.

Os rendimentos das mulheres negras, mais uma vez, ultrapassam todos os parâmetros da desigualdade. Na região metropolitana de São Paulo, recebem apenas um terço, em média, do que é pago aos homens não-negros.

Na hipótese de uma família média, com 4 pessoas, pode-se inferir que os rendimentos per capita nesses lares estão entre R$ 103,00 a R$ 191,25, no conjunto.

Tabela 5 – Rendimento médio real mensal, segundo sexo e raça

Região Metropolitana de São Paulo – 2000 (em R$ de novembro de 2000)

Fonte: DIEESE/SEADE, MTB/FAT e entidades regionais. PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego - Obs.: Negros: inclui pretos e pardos; não-negros: brancos e amarelos

Desta forma, a situação das mulheres trabalhadoras no país expressa uma situação estrutural de desigualdade, combinando discriminações em relação a sexo e à cor e constituindo, assim, um dos pilares da enorme dívida social no país, em flagrante violação aos direitos humanos.

Bibliografia

CUT / CGT / Força Sindical / DIEESE. Mapa das Questões de Gênero: perspectivas para a ação sindical frente às transformações no mundo do trabalho. São Paulo, 1999.

DIEESE. Anuário dos Trabalhadores 2000-2001. São Paulo: DIEESE, 2001. 5a ed.

8 de Março de 2001 – Dia Internacional da Mulher. DIEESE: São Paulo (BOLETIM DIEESE, edição especial, março de 2001)

20 de novembro – Dia Nacional da Consciência Negra. DIEESE: São Paulo (BOLETIM DIEESE, edição especial, novembro de 2000)

INSPIR/DIEESE/Solidarity Center – AFL-CIO. Mapa da População Negra no Mercado de Trabalho no Brasil. São Paulo: INSPIR/SolidarityCenter AFL-CIO, 1998.

SEADE. Inserção das Mulheres Negras no Mercado de Trabalho da Região Metropolitana de São Paulo. São Paulo: SEADE/SERT/Conselho Estadual da Condição Feminina/DIEESE/CIDA-ACDI, 2001. (Mulher & Trabalho, n.4, junho/2001)

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