Segundo a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano
(CDHU), cerca de 600 mil pessoas moram em cortiços
em São Paulo. Os movimentos de sem-teto, no entanto,
acreditam que esse número seja bem maior. De acordo
com dados da Secretaria Municipal da Habitação,
metade dos habitantes de São Paulo mora em habitações
irregulares.
A
São Paulo que vive em cortiços
Evanize
Sydow*
O prédio fica na Rua da Abolição, no
bairro de Bela Vista, região central da capital paulista.
Lá moram 103 famílias, cerca de 520 pessoas.
Conforme subimos cada um de seus oito andares, a história
daquele edifício vai se desvendando. O térreo
serve como uma espécie de área de lazer para
as crianças. O elevador não funciona. O ambiente
é escuro. Não há luz nas escadas. E em
cada andar encontramos uma cena diferente. Pode-se deparar
com um ambiente extremamente limpo e organizado, mas é
possível encontrar também um local fétido,
em meio a desordem, mal cuidado. São quatro banheiros
por andar e o número de apartamentos varia entre 6
e 10.
A situação no interior dos apartamentos também
difere. O de Luci Porto, por exemplo, é limpo e organizado.
Viúva, ela mora com três filhos, de 16, 22 e
24 anos, e o neto, de 6 anos. Luci, com 50 anos, morava em
um outro cortiço, na Casa Verde onde pagava
aluguel de cerca de R$ 250,00 , antes de mudar-se para
a Rua da Abolição. Está ali desde 24
de novembro de 1999, quando aconteceu a ocupação
do prédio, pertencente ao Estado. Luci conta que no
local seria construída uma unidade da Caixa Econômica
Federal, mas que o edifício já estava parado,
sem nenhuma utilidade, havia 15 anos quando foi ocupado.
Para contar a história do cortiço da Rua da
Abolição é preciso também contar
a história de suas mulheres. Sim, foram elas que tornaram
a vida possível naquele lugar. Luci lembra que até
o encanamento foi feito pela população feminina
do edifício. Elas, que são a maioria, compraram
os canos e conseguiram levar a água aos apartamentos.
O local também abriga um grande número de idoso
e crianças. Cada família para uma taxa de R$
50,00 de condomínio, dos quais são descontadas
tarifas de água, energia e o pagamento dos porteiros.
Eles também pagam R$ 5,00 para a manutenção
do trabalho do Fórum dos Cortiços.
Luci diz que o pagamento dos R$ 50,00 é um impasse
quase sempre. "Alguns não pagam e isso aumenta
o valor para os outros." A falta de pagamento já
implicou, inclusive, no corte de água por uma semana.
Outro problema para os moradores de cortiços: o preconceito.
Segundo ela, quando chegaram à Rua da Abolição
foi difícil encontrar creches e escolas para as crianças.
"As mães foram lá e explicaram que eram
de ocupação e precisavam daquelas vagas."
O começo da vida das 103 famílias do cortiço
da Rua da Abolição foi difícil. Elas
não podiam levar seus móveis para o prédio
e dormiam no chão. Café da manha, almoço
e jantar eram coletivos. Os espaços para cada família
eram repartidos com cortinas.
Outra moradora, conhecida como Bete, vive com o marido e sete
filhos , 1, 3, 6, 11, 13, 15 e 18 anos. A família
vive do ordenado do filho mais velho. O marido está
desempregado e às vezes faz pequenos bicos. Bete, que
é operadora de máquina, não consegue
creche para as crianças e por isso não pode
sair de casa para trabalhar. "Para cuidar de uma criança
a pessoa cobra R$ 90,00. Não vale a pena sair de casa
e ter que pagar isso", explica. Ela chegou à Rua
da Abolição depois da ocupação.
Nos dois primeiros meses, ela e a família não
tinham um apartamento. Foi improvisada uma lona em um dos
andares para abrigar os novos moradores.
Antes de chegar à Abolição, Bete morava
num cortiço no Bom Retiro, de onde as famílias
foram despejadas.
Os ocupantes do prédio da Rua da Abolição
já foram ameaçados de despejo algumas vezes
pelo governo do Estado de São Paulo. A última
aconteceu em setembro passado. As famílias esperam
pela transferência para um prédio na Rua Maria
Paula, que está sendo reformado e terá financiamento
da Caixa Econômica Federal. Segundo Verônica Kroll,
coordenadora do Fórum dos Cortiços, o edifício
deve ficar pronto em maio do ano que vem. Ela explica que
não há informações precisas sobre
o valor da prestação, mas que deve ficar em
torno de R$ 130,00, para a qual será pedida renda mínina
de R$ 600,00. As prestações não devem
ter correção monetária ou atualização
pela TR, informa Verônica. Levando em conta a renda
que deve ser exigida, calcula-se que apenas 30 famílias
conseguirão mudar-se para a Rua Maria Paula. Para os
demais moradores estuda-se a mudança para outros locais
como um terreno da Secretaria Municipal de Abastecimento
na Ponte Pequena com o pagamento de um "aluguel
social".
Pelo
menos 600 mil moram em cortiço em SP
Segundo a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano
(CDHU), cerca de 600 mil pessoas moram em cortiços
em São Paulo, sendo a maior parte na região
central. Os movimentos de sem-teto, no entanto, acreditam
que esse número seja maior e consideram importante
a realização de um censo específico.
De acordo com dados da Secretaria Municipal da Habitação,
metade dos habitantes de São Paulo mora em habitações
irregulares, como mostrou reportagem do jornal Folha de S.
Paulo (4/6/2000). Dos 5,5 milhões de pessoas, 3 milhões
vivem em loteamentos clandestinos, 1,9 milhão em favelas
e 600 mil cortiços. Os dados mostram que 1,3 milhão
de moradores dos loteamentos ilegais não têm
infra-estrutura básica. Segundo a pesquisa, 13,8% da
população das favelas pagam pelo local onde
vivem.
Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) detecta que o Brasil tem 960 mil moradias em más
condições e, (IBGE) detecta que o Brasil tem
960 mil moradias em más condições e,
dessas, 402.551 ficam na cidade de São Paulo (O Estado
de S. Paulo, 19/4/2001). O Perfil dos Municípios Brasileiros,
realizado em 1999, mostra que cerca de 30% dos municípios
têm favelas e cortiços e 49%, loteamentos ilegais
(O Estado de S. Paulo, 18/4/2001).
Segundo Verônica Kroll, a média da renda familiar
dos encortiçados é de R$ 400,00 a R$ 600,00.
O valor de um aluguel em cortiço fica em torno de R$
300,00. "Muitos cortiços não aceitam crianças",
conta Verônica. Ela também diz que a maioria
dos moradores vai a pé para o trabalho.
Definição
Cortiço também é definido como "Habitação
Coletiva Precária de Aluguel". É uma moradia
coletiva multi-familiar que apresenta as seguintes características:
-
Ser constituída por uma ou mais edificações
construídas em lote urbano, com ocupação
excessiva;
-
Ser subdividida em vários cômodos conjugados
alugados, sub-alocados ou cedidos qualquer título,
sem proteção da legislação vigente
que regula as relações entre proprietários
e inquilinos;
-
Ter várias funções exercidas no mesmo
cômodo;
-
Ter acesso e uso comum dos espaços não edificados,
de instalações sanitárias (banheiros,
cozinhas e tanques) e de instações elétricas;
-
Ter circulação e infra-estrutura precárias;
-
Superlotação de pessoas em geral.
Fonte:
"Cortiços e Reestruturação do Centro
Urbano de São Paulo, Habitação e Instrumentos
Urbanísticos", tese de Andrea Piccini, USP, março
1997, e Censo de Cortiços, Sempla, 1992.
*
Evanize Sydow, jornalista e pesquisadora da Rede Social de
Justiça e Direitos Humanos
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