Ainda estão presentes em nossa memória os bombardeios
efetuados pelos Estados Unidos à Hiroshima e Nagasaki,
à Coréia do Norte, ao Vietnã, Bagdá
e Belgrado. Não se pode deixar de citar o embargo econômico
criminoso, liderado pelo governo americano à Cuba e
ao Iraque que, neste país, nos últimos dez anos,
provocou a morte de 500 mil crianças com menos de 5
anos. Todos esses fatos são, sem dúvida, exemplos
do terrorismo de Estado que vem sendo praticado há
anos pelo governo norte-americano. As entidades de direitos
humanos devem procurar ferramentas para combater os terrorismos
de Estado. Não temê-los, mas conhecê-los
e também globalizarem-se através de redes de
solidariedade e de apoio mútuo.
Os
Terrorismos de Estado e as Doutrinas
de Segurança Nacional Globalizadas
Cecília
Maria Bouças Coimbra*
Diante do horror e da barbárie provocados pelos atos
terroristas contra o povo norte-americano, ocorridos no dia
11 de setembro último, deve-se, lamentar, se solidarizar
e se unir à dor dos familiares das vítimas.
Entretanto, não se pode aceitar a escalada terrorista
a nível mundial, encabeçada pelo governo dos
Estados Unidos, que vem ferindo profundamente os direitos
dos cidadãos.
Não se pode esquecer que o governo norte-americano,
desde há muito, tem desenvolvido uma política
externa belicista e de desrespeito aos direitos humanos. Sua
ação imperialista tem provocado um quadro de
imensa pobreza nos países do terceiro mundo.
Pode-se evidenciar sua participação ativa, não
só apoiando, como financiando governos ditatoriais
e terroristas, com medo de que o surgimento de governos democráticos
possam produzir regimes que sejam hostis a seus interesses.
Talvez por ironia, no dia 11 de setembro, dia do ataque terrorista
às torres gêmeas do Word Trade Center, em Nova
York, e ao Pentágono, em Washington, há 28 anos
atrás, o Chile perdia sua democracia em um golpe militar
que o governo americano alimentou e sustentou.
Ainda estão presentes na memória de todos os
bombardeios efetuados pelos Estados Unidos à Hiroshima
e Nagasaki, à Coréia do Norte, ao Vietnã,
Bagdá e Belgrado.
Não se pode deixar de citar o embargo econômico
criminoso, liderado pelo governo americano à Cuba e
ao Iraque que, neste país, nos últimos dez anos,
provocou a morte de 500 mil crianças com menos de 5
anos. Todos esses fatos, são sem dúvida, exemplos
do terrorismo de Estado que vem sendo praticado há
anos pelo governo norte americano.
Ao lembrar esses acontecimentos não se está,
em hipótese alguma, justificando o crime contra a humanidade
ocorrido, no último dia 11 de setembro, mas, mostrando
que a demonização dos mulçumanos é
hipócrita e vem sendo produzida porque é útil
e necessário, neste momento, encontrar um culpado.
Algum lugar deverá ser invadido, pois a indústria
bélica precisa mais ainda se fortalecer e, com toda
a certeza, está festejando.
Com a justificativa de que qualquer pessoa pode ser um inimigo,
apressam-se em editar leis anulando as garantias dos cidadãos.
Todos passam a ser terroristas em potencial e, por isso, devem
ser monitorados e vigiados. Leis que , ao arrepio das que
vigoram nos países ditos civilizados, ferem brutalmente
os direitos civis tão duramente conquistados. Leis
anti-terror proclamadas pelo governo Bush que poderão
permitir, por exemplo, que qualquer estrangeiro nos Estados
Unidos possa ser detido por tempo indeterminado, sem a necessidade
de autorização judicial; muitos estudantes já
vêm sendo monitorados e alguns estão detidos.
"A detenção costumava ser limitada a 24
horas até que a Casa Branca estendeu-a para 48 horas
na semana passada, na esteira do clamor antiterrorista"
(Jornal do Brasil, 26/09/01, p.3).
Leis que prevêm também "uma maior desenvoltura
dos agentes de segurança para monitorar ligações
telefônicas e mensagens via internet um velho
desejo dos conservadores que, até hoje, vinha sendo
derrotado no Congresso" (Jornal do Brasil, idem.)
E, pasmem, propõe-se que sejam válidas perante
os tribunais gravações e confissões obtidas
por meios ilegais, inclusive tortura, desde que fora do território
norte-americano. Quanta hipocrisia!
Em final de setembro, dois generais norte-americanos receberam
de Bush o poder de ordenar o abatimento de aviões comerciais
suspeitos, mesmo que não consigam contatá-lo.
"Nesse
impulso, Bush projetou os Estados Unidos como força
imperial declarada, voz única a ser seguida ou punida.
A vingança e o extermínio
de santuários e até de Estados passaram
a ser, na hora e na forma, deliberações de uma
só vontade, que deu por anuladas as leis e os tratados
internacionais", afirma o colunista Jânio de Freitas
("Silêncio no Mundo", Folha de São
Paulo, 30/09/01, p. A5).
Mais adiante, neste mesmo artigo, este colunista alerta para
o que a política belicista-expansionista do governo
Bush vem produzindo, em especial com relação
à ONU: "toma-lhe as atribuições,
esvazia-a, nega-a como poder normativo das relações
internacionais e como foro deliberativo e interveniente quando,
como, e onde a convivência pacífica a requeira"
(idem).
A liberdade de expressão, em solo norte-americano,
também vem sofrendo sérios, perigosos e preocupantes
revezes: jornalistas têm sido demitidos por fazer críticas
ao governo Bush; anunciantes suspendem patrocínio a
programas mais questionadores e o porta-voz da Casa Branca,
Ari Fleischer, afirmou que as organizações noticiosas
e os americanos, "em tempos como estes", devem "prestar
atenção ao que dizem e ao que fazem" (Jornal
do Brasil, 29/09/2001, p.12).
Em final de setembro, grupos militares americanos e ingleses
já haviam invadido o Afeganistão no encalço
do terrorista saudita Osama Bin Ladem. "Embora não
tenham dado detalhes sobre as missões, fontes do Pentágono
confirmaram que a guerra começou longe dos olhos do
público" (O Globo, 29/09/01, p.1). Daí
para criminalizar as entidades de direitos humanos é
um passo.
O governo norte-americano tem assegurado que grupos terroristas
estão explorando o contrabando e usando entidades de
caridade falsas para arrecadar recursos na região da
tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina"(Folha
de São Paulo, 28/09/01, p. A12). Em resposta às
fortes pressões exercidas pelo governo Bush, o Brasil
formou com a Argentina, o Paraguai e o Uruguai um grupo de
trabalho permanente para combater o terrorismo no continente
(Jornal do Brasil, 29/09/01, p.7).
Já se analisou anteriormente a quem, por exemplo, os
serviços de informações no Brasil, consideram
como forças "adversas": os movimentos populares
e as organizações sociais, em especial o MST,
sendo, por isso, cabível "arranhar direitos dos
cidadãos".
Nesta escalada terrorista global abriu-se, no Brasil, em final
de setembro último, um escritório do serviço
secreto norte-americano, na cidade de São Paulo. Informam
que operações semelhantes já funcionam
em Paris, Londres, Moscou e Hong Kong." Ele se destinaria
a aprofundar a colaboração entre os governos
dos dois países para reprimir a lavagem de dinheiro
e, se for o caso, trocar informações sobre movimentos
terroristas" (Elio Gaspari, O Globo, 26/09/01, p.7)
Ou seja, já funcionam no Brasil, escritórios
da DEA (combate ao tráfico de drogas), do FBI e da
CIA e agora um outro da comunidade de informações
da embaixada norte-americana.
Assiste-se, assim, capitaneada pelo governo Bush, a uma perigosa
exacerbação das políticas militarizadas
de segurança pública e a uma abusiva intromissão
nos países ocidentais, considerados aliados dos Estados
Unidos.
No estado do Rio de Janeiro, acompanhando essa perversa e
perigosa conjuntura que vem sendo produzida a nível
internacional, o atual Secretário de Segurança
Pública, coronel Josias Quintal, ex-analista de informações
do DOI-CODI/RJ, em setembro do corrente, apressou-se em criar
uma unidade anti-terrorismo. Importante esclarecer que seu
nome já foi denunciado pelo Grupo Tortura Nunca Mais/RJ
e o Centro de Justiça Global diante do Comitê
Contra a Tortura da ONU e que, sob sua gestão, a segurança
pública em nosso estado vem sendo gradativamente militarizada.
Esta unidade anti-terrorismo ficará sob o comando do
também ex-membro do aparato de repressão da
ditadura militar, o tenente-coronel da PM, Paulo César
Amêndola de Souza, cujo nome consta no Projeto Brasil
Nunca Mais, coordenado pela Arquidiocese de São Paulo,
como envolvido em diligências e investigações,
no início dos anos 70, período em que mais se
torturou em nosso país. Este senhor, em 1993 foi indicado
pelo prefeito à época, Sr. César Maia,
para a Superintendência da Guarda Municipal da cidade
do Rio de Janeiro, militarizando-a e colocando-a para desempenhar
funções que fugiam aos seus preceitos legais.
Ou seja, sob seu comando a Guarda Municipal foi colocada para
reprimir trabalhadores e movimentos sociais em nossa cidade.
A unidade anti-terrorismo, que funcionará na Secretaria
de Segurança Pública, agregada à Coordenação
Geral de Controle de Contigências, foi criada com a
intenção de identificar grupos, conhecer sua
composição, sua ideologia, modo de agir e sua
área de atuação.
Certamente, essa unidade anti-terrorismo, chefiada por dois
membros do aparato de repressão da ditadura militar
de 1964, comunga das mesmas idéias que o pacote de
Leis antiterror proposto pelo governo Bush e o Serviço
de Informações do Exército de nosso país.
Entidades de direitos humanos têm repudiado a unidade
anti-terrorismo criada, com toda a certeza, para reprimir
os movimentos sociais organizados, como também a presença
desses elementos do aparato repressivo ocupando cargos públicos,
pagos com o dinheiro do contribuinte.
Entende-se que tais pessoas deveriam, no mínimo, ser
afastadas de suas funções públicas e
não continuar atuando como se estivéssemos em
pleno terrorismo de Estado.
Assim, deve-se estar atento, pois uma nova era, que marca
o início do século XXI, vem se anunciando. Uma
era preocupante onde as doutrinas de segurança nacional
e os terrorismos de Estado se globalizam, se tornam mundiais.
As entidades de direitos humanos devem procurar ferramentas
para combatê-los; não temê-los, mas conhecê-los
e também globalizarem-se através de redes de
solidariedade e de apoio mútuo. Isto sem dúvida
vem ocorrendo, quando percebemos que, apesar das limitações
à liberdade de expressão, apesar do poderio
dos meios de comunicação no sentido de nos fazerem
crer que uma guerra iminente é necessária, resistências
estão acontecendo. Intelectuais, articulistas têm
realizado análises lúcidas e importantes para
que possamos entender melhor este momento. Manifestações
pela paz contra a política belicista de Bush vêm
ocorrendo em diferentes partes do mundo e no próprio
coração dos Estados Unidos.
A primeira grande passeata, em solo norte-americano, contra
o envio de tropas para lutar no Afeganistão e por uma
outra alternativa à guerra aconteceu, em 29 de setembro,
em Washington. Uma grande faixa abria esta passeata: "Anticapitalistas
contra a guerra, o racismo, o terrorismo e a propriedade"
(O Globo, 30/09/01, p.35).
*
Psicóloga, Professora Adjunta na Universidade Federal
Fluminense, Pós-Doutora em Ciência Política
pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP, Coordenadora
da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho
Federal de Psicologia,Vice-Presidente do Grupo Tortura Nunca
Mais/RJ, Membro do Conselho Consultivo da Rede Social de Justiça
e Direitos Humanos.
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