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Relatórios


A população rural brasileira caiu 25%, de 1990 a 2001, passando de 36 milhões para 27 milhões de pessoas, entre 1990 e 2001. Mais grave ainda, de acordo com os dados do IBGE/Pnad – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - vem ocorrendo a aceleração da redução absoluta da população rural no período mais recente, de 1999 para 2001. Enquanto a população brasileira aumentou de 160.336.471 habitantes para 169.369.557 habitantes, a população rural encolheu 5,3 milhões de habitantes, passando de 32.585.066 para 27.269.877 pessoas. Ou seja, uma redução de 16,3% em apenas três anos.

O esvaziamento do campo brasileiro

Dom Tomás Balduino     

A década de 1990 será lembrada pela história como a primeira década de implantação do neoliberalismo nos países subdesenvolvidos.

Os estudos e indicadores sócio-econômicos das agências multilaterais, inclusive o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, atestam que as políticas associadas à doutrina neoliberal aprofundaram a miséria e a dependência nos países que a aplicaram.

Desde meados da década de 1990 o Brasil vem se destacando pela ortodoxia e radicalidade na implementação dos ensinamentos neoliberais e, em decorrência, pela visibilidade da extensão dos efeitos desestruturantes dessa doutrina materializada pelo Consenso de Washington.

Nestas breves reflexões procuraremos mostrar as conseqüências deste sistema no esvaziamento do campo brasileiro nesse período.

De início, no confronto com o panorama mundial, chama a atenção a singularidade das pressões ocorridas nos últimos anos na base demográfica das áreas rurais do Brasil.

Comparando com o caso brasileiro, vejamos a evolução da população rural em alguns países com diferenciados estágios econômicos, políticos e governamentais:

De acordo com a FAO, no ano de 2000, a população rural dos Estados Unidos da América era de 64,5 milhões de habitantes contra os 63 milhões de habitantes registrados em 1990. Quais as razões para esse incremento demográfico nas áreas rurais da maior economia do planeta, em contradição com a tese de tendência crescente de urbanização das sociedades?

No caso americano - como de resto nos demais países desenvolvidos - o fato se deve à combinação de alguns fenômenos, possibilitados, em última instância, pela relativa homogeneidade das condições materiais de vida no campo e nas cidades daquele país. Entre tais fatores destacamos o recente movimento de reruralização, observado lá sob o impulso da busca de melhor qualidade de vida por uma parcela da população urbana. Segundo, pela existência de um complexo industrial relativamente difuso, combinado com a disponibilização de trabalho liberado pela atividade agrícola que tornam viáveis estratégias de desenvolvimento local. Terceiro, pelo elevado protecionismo agrícola americano que retém a população no campo.

A China, com uma estrutura política e social bastante diversa da americana, e da brasileira e que atravessou a década de 1990 com uma performance extraordinária da sua economia híbrida, experimentou redução da população rural de apenas 2,4%, entre 1990 e 2000. Passou de 838 milhões para 818 milhões de pessoas.

A Índia teve aumento de 16% da população rural, entre 1990 e 2000. De 629 milhões de habitantes, em 1990, passou para 730 milhões, em 2000.

Na América do Sul, as populações rurais da Argentina e do Chile mantiveram-se estáveis ao longo da década com, respectivamente, 4,4 milhões de habitantes e 2,2 milhões de habitantes. Já o Uruguai apresentou redução de 11% da população rural entre 1995 e 2000. Passou de 304 mil habitantes para 270 mil.

E o Brasil? Contrastando com os exemplos acima, a população rural brasileira caiu 25%, de 1990 a 2001, passando de 36 milhões para 27 milhões de pessoas, entre 1990 e 2001. Mais grave ainda, de acordo com os dados do IBGE/Pnad – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - vem ocorrendo a aceleração da redução absoluta da população rural no período mais recente, de 1999 para 2001. Enquanto a população brasileira aumentou de 160.336.471 habitantes para 169.369.557 habitantes, a população rural encolheu 5,3 milhões de habitantes, passando de 32.585.066 para 27.269.877 pessoas. Ou seja, uma redução de 16,3% em apenas três anos.

Os dados da Pnad/IBGE demostram também que, na trajetória declinante da população rural, o número de pessoas ocupadas na agricultura sofreu uma baixa de 1.837.878 pessoas (-10,6%), passando de 17,4 milhões de pessoas, em 1999, para 15,5 milhões em 2001. Portanto, na média do período, os níveis de ocupação na agricultura foram reduzidos a 612,6 mil pessoas/ano.

Esses dados de diminuição da população ocupada na agricultura, comparados com o contingente total da população que abandonou as áreas rurais entre 1999 e 2001, dão consistência à hipótese de que sua maior parcela encontrava-se, certamente, envolvida em atividades não agrícolas.

Tal fato, entretanto, desmistifica a tese, sustentada por setores da intelectualidade, segundo a qual o êxodo rural já há algum tempo havia estacionado no Brasil. E invocam, como razão da emergência de um suposto “novo rural”, a pluriatividade e o part time que tornaram possível o desenvolvimento de atividades urbanas no rural, estancando, assim, o processo migratório.

Confirmando o quadro acima de esvaziamento demográfico das áreas rurais, a Pnad/IBGE constatou que no ano de 1999 as pessoas ocupadas na agricultura e que contribuíam para a previdência somavam 1.724.710, o equivalente a 5,6% do número total de contribuintes. Em 2001, o contingente de contribuintes para a previdência foi de 1.556.411 pessoas, ou seja, 4,5% do universo de contribuintes. Houve, pois, da parte das pessoas trabalhando na agricultura, significativa redução da participação nas contribuições para a previdência.

A análise qualitativa dessa expressiva redução da população rural nos últimos três anos revela que a região centro-oeste foi a que apresentou a maior perda relativa da população rural: -22,5%, de 1999, a 2001. Este dado é particularmente relevante por mostrar a coincidência, naquela região brasileira, entre o atual processo de expansão da atividade agrícola capitalista e a expulsão forçada da população rural.

Para demonstrar de forma definitiva o lamentável quadro forjado nas áreas rurais brasileiras nos últimos anos, observemos o que a Pnad informa sobre a evolução dos domicílios e dos rendimentos no campo no período de 1999 a 2001. Enquanto o número de domicílios totais, no Brasil, subiu de 46,3 milhões para 50,4 milhões, os domicílios rurais foram reduzidos em 13,4%, passando de 8.510.211 para 7.368.227.

O quadro de agravamento da pobreza nas áreas rurais do país é ainda atestado pela Pnad/2001, ao apontar o crescimento de 7,9% no número de domicílios, exclusivamente na classe de rendimento até um salário mínimo. Esses domicílios, que somavam 1.831.595 em 1999, tiveram um incremento de 143,8 mil em 2001. Nas demais faixas de renda inferior ocorreu a redução generalizada do número de domicílios rurais.

Veja-se a trajetória do definhamento geral da renda nas áreas rurais, de 1999 para 2001. Até as famílias de renda de mais de 3 salários mínimos, em domicílios rurais, tiveram os rendimentos reduzidos de 2,30 milhões, em 1999, para 1,57 milhões. Em outros termos, em 1999 o número de domicílios correspondia a 27,1%, caindo para 21,3% no ano de 2001.

De plano, esses dados estatísticos desautorizam, definitivamente, os discursos falaciosos sobre a performance do programa governamental de reforma agrária. Comparando isso com os dados do IBGE apareceria entre nós uma reforma agrária sui generis em que a população tangida do campo, em apenas três anos, suplantaria, com grande folga, as pessoas supostamente incorporadas ao agrário em sete anos.

Entendemos que esse fenômeno brasileiro atual de esvaziamento demográfico do campo, da magnitude acima e que diferencia nosso país dos demais, em escala mundial, não é devido ao clássico movimento da liberação de mão-de-obra da agricultura para as atividades urbano-industriais. A nosso ver isto tem sido produto da coincidência de dois processos igualmente desestruturadores, a saber, de um lado, a ortodoxa implementação interna do projeto neoliberal e, de outro, a exacerbação dos fatores constitutivos do ‘velho rural’ brasileiro promovido pelo governo FHC.

No primeiro caso, a abertura unilateral da economia, ademais de ter exposto os agricultores brasileiros à competição desleal e predatória dos produtos agrícolas importados e subsidiados, inviabilizou parte expressiva da base produtiva da agricultura e ampliou a dependência tecnológica externa dos nossos agricultores. Esta abertura tornou possível ainda a importação de máquinas e equipamentos que implicaram em elevados graus de substituição de trabalho.

Quanto ao avanço do “velho rural” e dos seus desdobramentos no êxodo rural, note-se o incentivo do governo FHC à grande lavoura exportadora, com a migração de atividades das regiões de colonização antiga, historicamente desenvolvidas pela agricultura familiar, para a grande propriedade nas regiões de fronteira. Acresça-se a progressiva eliminação da agroindustrialização e das exportações agrícolas brasileiras, por conta dos efeitos do protecionismo agrícola dos países ricos, e da Lei Kandir. Tais fatos vêm promovendo o retrocesso do país à tradição colonial de exportador de matéria-prima. Mencione-se, ainda, o processo de precarização das condições de trabalho, ocorrido desde 1995, e a reconcentração da propriedade fundiária, conforme indicam as Estatísticas Cadastrais do Incra, de ampliação da área do latifúndio em 178,2 milhões de hectares, somente entre 1992 e 1998.

Reafirmamos, pois, que a fantástica redução da população rural brasileira nos últimos anos decorreu da combinação da radicalidade da inserção da agricultura no projeto neoliberal com a revalorização dos fatores constitutivos do ‘velho rural’.

Eis aí o melancólico e programado esvaziamento do nosso campo. Diante disso poderíamos perguntar: Este quadro é irreversível? Será que esta singularidade do nosso mundo rural, em face dos demais países, nos autoriza a dogmatizar que o problema brasileiro hoje é só urbano? Pelo contrário, estamos convencidos de que, mais do que nunca, é chegada a hora de se prestar atenção esperançosa aos verdadeiros protagonistas da luta pela terra e na terra, até há pouco preteridos e até mesmo criminalizados pelo sistema neoliberal. O campo brasileiro mudará, na realidade, com a mudança do Brasil!

Dom Tomás Balduíno é presidente da Comissão Pastoral da Terra – CPT

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