No ano de 2002, a situação do trabalhador rural
não melhorou. O setor de documentação
da Comissão Pastoral da Terra (CPT) registra, de janeiro
a agosto deste ano, 16 trabalhadores assassinados, sendo 6
no Pará, 3 no Piauí, 2 na Bahia, 2 em Pernambuco,
1 em Alagoas e 1 em Rondônia. Foram 261 manifestações,
envolvendo 198.060 pessoas nos primeiros oito meses de 2002.
Neste mesmo período, houve 20 tentativas de assassinato,
73 pessoas ameaças de morte contra 15 no ano
passado , 37 trabalhadores agredidos fisicamente e 10
torturados, além de 111 casos de prisões.
Mantida
violência contra o trabalhador
rural em 2002
Evanize
Sydow[1] e Aton Fon Filho
A
permanência de pessoas em acampamentos é uma
das piores violações aos direitos humanos porque
as famílias são obrigadas a aguardar o assentamento
em condições subumanas, sem teto, sem água,
sem energia elétrica, sob a constante ameaça
dos pistoleiros e/ou da polícia. Hoje existem aproximadamente
80 mil famílias acampadas. O trecho acima, extraído
do Relatório do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) de 2001, basta como justificativa da ação-inação
governamental para o campo brasileiro neste ano.
Dando
seqüência à política de desconsiderar
o MST, principal representante dos trabalhadores que objetivam
a reforma agrária, a administração federal
fundou-se no tripé da inação no que diz
respeito à constituição de novos assentamentos,
olhos fechados no que diz respeito à violência
física contra os trabalhadores rurais e à criminalização
das atividades de organização e expressão
das demandas.
Cada
um desses pontos fortes contou com meios adequados ao objetivo
que se buscava.
A
política de sufocamento do MST através da suspensão
da política de assentamentos teve como instrumento
básico a Medida Provisória sucessivamente reeditada,
que suspende por dois anos a vistoria para fins de desapropriação
das áreas ocupadas por trabalhadores rurais.
De
caráter eminentemente político-repressivo, a
Medida Provisória objetivou especificamente garantir
às autoridades federais descumprir o preceito que determinou
a realização da reforma agrária, omissão
desmascarada pela ação dos trabalhadores rurais
sem terra ao ocupar as áreas improdutivas e descumpridoras
da função social e exigir sua desapropriação
em obediência ao art. 184 da Constituição
Federal.[2]
A
suspensão das vistorias determinou, evidentemente,
que novos assentamentos deixassem de ser estabelecidos, a
implicar igualmente a adoção de técnicas
de mascaramento de dados suficientemente denunciados
pela imprensa pelas quais a mera inscrição
para pleitear benefícios na área da reforma
agrária já permitia muitas vezes que o postulante
aparecesse nos relatórios do INCRA magnificando as
estatísticas de assentados.[3]
Com
as restrições aos assentamentos, a administração
federal visou não havendo ainda elementos para
afirmar em que medida o conseguiu reduzir a base social
dos movimentos de trabalhadores sem terra, espantados das
atividades organizativas pela inocuidade da ação.
Nesse
sentido, a medida legal é correlata da ação
violenta desenvolvida pelos proprietários de terras,
pistoleiros assalariados e mesmo de organismos policiais,
uma vez que também esta visa à redução
da base social e da ação organizada dos trabalhadores.
Não
é de estranhar, por isso, que os números respeitantes
às violações dos direitos civis também
sejam bastante expressivos.
A
Comissão Pastoral da Terra apontou em seu tradicional
trabalho Relatório Conflitos no Campo no Brasil referente
aos vitimados nos conflitos no campo em 2001, que vinte e
nove trabalhadores rurais foram assassinados no ano passado.
Esse número representou um aumento de 40% em relação
àquele do ano anterior e fez subir a 1.558 os trabalhadores
rurais assassinados entre 1980 e 2001.
O
Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, trabalhando
com dados referentes apenas às suas áreas de
atuação, informava no documento já referido
que, no ano passado, 12 trabalhadores foram assassinados,
houve 179 prisões ilegais, 30 despejos forçados,
56 casos de trabalhadores espancados e/ou torturados, cerca
de 15 ameaças de morte, 11 prisões preventivas
decretadas, 44 pessoas processadas e 3 condenações
sendo contestadas.
No
ano de 2002, a situação não melhorou.
O setor de documentação da Comissão Pastoral
da Terra (CPT) registra, de janeiro a agosto deste ano, 16
trabalhadores assassinados, sendo 6 no Pará, 3 no Piauí,
2 na Bahia, 2 em Pernambuco, 1 em Alagoas e 1 em Rondônia.
Foram 261 manifestações, envolvendo 198.060
pessoas nos primeiros oito meses de 2002. Neste mesmo período,
houve 20 tentativas de assassinato, 73 pessoas ameaças
de morte contra 15 no ano passado , 37 trabalhadores
agredidos fisicamente e 10 torturados, além de 111
casos de prisões.
Os
registros demonstram que a violência no campo foi constante
nos últimos anos. Entre 1987 e 2001, 106 trabalhadores
rurais do MST foram assassinados. De 1989 a fevereiro de 2002
foram 2.279 prisões de trabalhadores. O estado com
maior número é o Paraná, com 601 prisões,
seguido de Pernambuco, 276 casos, Pará, 262 pessoas
presas, e Goiás, com um total de 244 prisões.
Esses
últimos dados põem a discussão sobre
o terceiro vértice do triângulo da violência
no campo, o da criminalização da atividade dos
trabalhadores.
Esse
aspecto do enfrentamento das demandas dos trabalhadores rurais
tem sido responsável pela maior parte do noticiário
a respeito do assunto uma vez que os trabalhadores rurais
parecem somente ascender ao noticiário em virtude de
ocuparem terras, serem assassinados ou presos.
Se
é verdade que a criminalização das lutas
no campo não se restringe a um único estado
da Federação, e se acresce o medo que resulta
da aplicação da medida provisória que
proíbe as vistorias em áreas ocupadas e da violência
física contra os trabalhadores, parece paradigmático
o caso do Pontal do Paranapanema, onde há anos se montou
um grupo de promotores de justiça especializado em
acompanhar as atividades do MST.
Da
lavra desse conjunto de funcionários, e quase sempre
firmadas coletivamente, já resultaram um sem-número
de denúncias criminais que redundaram em virtude de
sua recepção pelos magistrados da região
em processos-crimes que pendem como espada de Dâmocles
sobre a cabeça dos trabalhadores.
O
objetivo de pôr obstáculos à luta pela
reforma agrária desenvolvida pelo MST tem sido assumido
às claras quando, muitas vezes, ineficiente para tanto
a simples instauração dos processos, os mesmos
promotores e juízes pleiteiam e decretam prisões
preventivas[4].
O
Superior Tribunal de Justiça, é verdade, já
concedeu dezenas de habeas-corpus aos trabalhadores rurais
do Pontal do Paranapanema vítimas dessas constrições,
mas isso tem servido apenas para que na semana seguinte já
se vejam eles forçados a novamente bater-lhe às
portas, porque promotores e juízes reiteram a prática.[5]
Uma
outra face das decisões judiciais relativas aos conflitos
fundiários ganhou destaque quando, a exemplo do que
ocorreu no massacre de Corumbiara, os acusados pelo massacre
de Eldorado dos Carajás foram absolvidos, com uma única
exceção, a do Coronel Mario Colares Pantoja.
O
julgamento não contou com a presença dos assistentes
da acusação que representavam familiares das
vítimas com vinculação ao MST, em decorrência
do que consideraram irregularidades processuais que limitavam
a atuação da acusação e beneficiavam
os réus.
Em
decorrência dessa descrença que se vai instalando
quanto às possibilidades de obtenção
de justiça no âmbito interno, trabalhadores rurais
já recorreram a organismos internacionais de proteção
dos direitos humanos, e não sem sucesso.
Com
efeito, foi também em 2002 que o governo brasileiro
foi condenado pela Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos
pelo assassinato do líder sem terra Diniz Bento da
Silva, conhecido como Teixeirinha, morto pela Polícia
Militar do Paraná em março de 1993.
No
relatório final do processo, patrocinado pela Comissão
Pastoral da Terra e pelo Centro pela Justiça e o Direito
Internacional CEJIL, a CIDH dizia: Policiais
militares do Estado do Paraná executaram sumariamente
o Sr. Diniz Bento da Silva (Teixeirinha), em retaliação
à morte de outros policiais militares e que houve encobrimento
dos fatos por parte do Estado através do prolongamento
por mais de sete anos de investigações ineficazes[6].
O Estado brasileiro foi responsável por violar os artigos
4, 8, 25 e 1 da Convenção Americana de Direitos
Humanos.
Mas
a existência de instrumentos que permitam a reparação
do dano imposto aos trabalhadors rurais não apaga a
dor e o sofrimento que uma vez mais fizeram a tônica
dos direitos humanos no campo brasileiro.
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[1]
Evanize Sydow é jornalista e pesquisadora da Rede Social
de Justiça e Direitos Humanos
[2]
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse
social, para fins de reforma agrária, o imóvel
rural que não esteja cumprindo sua função
social, mediante prévia e justa indenização
em títulos da dívida agrária, com cláusula
de preservação do valor real, resgatáveis
no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano
de sua emissão, e cuja utilização será
definida em lei.
[3]
De 21 a 30 de abril o jornal Folha de S.Paulo publicou uma
série de reportagens demonstrando que as autoridades
governamentais inflaram os números acrescendo aos assentamentos
áreas inexistentes e incluindo como assentados pessoas
que apenas tinham tal expectativa.
[4]
No dia 23 de maio, o Promotor de Justiça Dr. Marcelo
Creste, peticionou:
O
Diretor do ITESP, sr. Jonas Villas Boas, informou que em reuniões
a liderança do MST informou que não deseja famílias
do MAST no assentamento da fazenda Guaná-Mirim, problema
esse que provavelmente também irá ocorrer na
fazenda São Pedro da Alcídia. Relatou ainda
quem foram os líderes do MST que se reuniram com ele,
quais sejam Valmir Rodrigues Chaves, Sérgio Pantaleão,
Márcio Barreto, a pessoa conhecida por Musgão,
cujo nome é Edenilton Henrique Batista e Zelito Luz
da Silva.. Diante do exposto, esta P.J. requer a Vossa Excelência
que, nos termos dos artigos 311 e 312 do Código de
Processo Penal, seja decretada a prisão preventiva
de José Rainha Júnior, Sérgio Pantaleão,
Márcio Barreto, Valmir Rodrigues Chaves e Zelito Luz
da Silva. (Processo n. 275/2000, da Comarca de Teodoro
Sampaio)
Atendendo
ao pedido, o juiz Átis de Araújo Vieira ordenou
as prisões, afirmando:
O
Diretor do Itesp esclareceu ainda que participaram de reuniões
a liderança do M.S.T., dentre eles os representados.
Nota-se, portanto, que os representados mesmo respondendo
a processo criminal por crime grave (quadrilha armada) não
se sentem intimidados em colocar em xeque a autoridade estatal.
Devendo ser lembrado que ordem pública não é
simplesmente a ausência de cometimento de ilícitos
penais; seu conceito é mais abrangente. A ordem pública
aqui é considerada como a normalidade da convivência
social, é o respeito do cidadão à autoridade.
(Idem)
Não
sem motivo, já se vê, o Superior Tribunal de
Justiça considerou nula a decisão que decretou
a prisão preventiva em 12 de novembro.
[5]
No dia 18 de maio de 2002, um sábado, José Rainha
Jr. foi posto em liberdade em virtude de hábeas-corpus
impetrado contra o juiz de Teodoro Sampaio, Átis de
Araújo Vieira. Nem uma semana se havia passado e o
mesmo Juiz, em 23 de maio, decretou-lhe a prisão preventiva,
como se viu acima.
[6]
CPT Paraná
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