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Relatórios


Apesar de diversos estudos demonstrarem que é possível produzir alimentos suficientes para toda a população mundial, 826 milhões de pessoas continuam sofrendo de desnutrição crônica. A cada ano, 36 milhões de pessoas morrem em conseqüência da fome no mundo. O Relator Especial da ONU sobre o Direito à Alimentação, Jean Ziegler, caracteriza essa situação como sendo um “genocídio silencioso.” Ele alerta também para o fato de que mais de um bilhão de pessoas no mundo não têm acesso à água encanada; cerca de 2,4 bilhões de pessoas não possuem saneamento básico e 2,2 milhões de pessoas morrem de diarréia por ano, sendo que a maioria são crianças.

O Direito à Alimentação

Maria Luisa Mendonça

O Relator Especial da ONU sobre o Direito à Alimentação, Jean Ziegler, esteve no Brasil de 1 a 18 de março de 2002 para uma visita oficial, com o objetivo de preparar um relatório sobre o tema. O relatório preliminar de Jean Ziegler, apresentado na Assembléia Geral da ONU no ano passado, estabelece os parâmetros para suas investigações em diversos países e coloca como meta a “urgente necessidade da erradicação da fome e da desnutrição”.

A principal norma internacional sobre o Direito à Alimentação está contida no artigo 11 da Convenção Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. De acordo com essa norma, a fome deve ser eliminada e os povos devem ter acesso permanente à alimentação adequada, de forma qualitativa e quantitativa, garantindo a saúde física e mental dos indivíduos e das comunidades, além de uma vida digna.

Segundo o Relator Especial, a fome é definida como insuficiência ou ausência de calorias no organismo. Já a desnutrição é caracterizada pela falta de nutrientes, especialmente de vitaminas e minerais. Apesar de algumas variações, a segurança alimentar é definida pelas Nações Unidas da seguinte forma: os recém nascidos necessitam de 300 calorias por dia; entre um e dois anos de idade são necessárias 1.000 calorias por dia; e aos cinco anos, as crianças devem consumir 1.600 calorias por dia. Os adultos devem consumir entre 2.000 e 2.700 calorias por dia. Segundo a UNICEF, a desnutrição em crianças até cinco anos pode deixar seqüelas para toda a vida.

Uma das causas da fome e da desnutrição é o desemprego. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 1 bilhão de pessoas não possuem um trabalho que seja capaz de suprir suas necessidades básicas de alimentação. Apesar de diversos estudos demonstrarem que é possível produzir alimentos suficientes para toda a população mundial, 826 milhões de pessoas continuam sofrendo de desnutrição crônica. A cada ano, 36 milhões de pessoas morrem em conseqüência da fome no mundo. O Relator Especial caracteriza essa situação como sendo um “genocídio silencioso.”

O direito à alimentação deve ser garantido mesmo em casos de conflitos armados. A Convenção de Genebra proíbe a destruição de plantações de alimentos e de fontes de água potável, mesmo em situação de guerra.

Outro aspecto importante do trabalho do Dr. Ziegler é investigar o acesso da população mundial à água potável. Ele alerta para o fato de que mais de um bilhão de pessoas no mundo não têm acesso à água encanada; cerca de 2,4 bilhões de pessoas não possuem saneamento básico e 2,2 milhões de pessoas morrem de diarréia por ano, sendo que a maioria são crianças. A água é um recurso natural insubstituível. Caso se mantenha o atual ritmo de destruição de suas fontes, metade da população mundial ficará sem acesso à água potável em um período de apenas 25 anos.

De acordo com a Convenção Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, os Estados têm a obrigação de “respeitar, proteger e garantir” o direito à alimentação. Respeitar esse direito significa que os Estados não podem obstruir ou dificultar o acesso da população à uma alimentação adequada. O Relator Especial cita alguns exemplos, como o despejo de trabalhadores rurais de suas terras, especialmente daqueles que dependem da agricultura como forma de subsistência. A Convenção proíbe ainda que os Estados utilizem substâncias tóxicas na produção de alimentos.

Além disso, a Convenção estabelece os princípios da não-regressão e da não-discriminação, em relação à aprovação de leis que garantam o acesso à alimentação. Isso significa que os governos não devem aprovar leis que dificultem a organização social em prol desse direito. Ao contrário, os governos devem facilitar a organização da sociedade pelo acesso à terra, ao trabalho e à proteção do meio ambiente. Os Estados devem garantir o direito universal à alimentação através de ações e medidas concretas que protejam grupos sociais vulneráveis e propiciem os meios necessários para que eles possam se alimentar.

O relatório preliminar de Jean Ziegler critica as políticas macroeconômicas que favorecem grandes empresas multinacionais, principalmente no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Ele cita alguns estudos de organizações não-governamentais, como a FIAN (Food First Information and Action Network), sobre o perigo que a liberalização do comércio mundial representa para a segurança alimentar. Essas políticas priorizam a produção de alimentos para exportação, em detrimento da produção para o mercado interno.

O Relator recomenda que a prioridade dos governos deve ser o apoio aos pequenos agricultores, responsáveis pela maior parte da produção de alimentos para consumo interno. Ele condena o monopólio de grandes empresas agrícolas, como um risco para a soberania alimentar, principalmente nos países periféricos.

Os critérios da Convenção dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais demandam um processo progressivo em direção à eliminação da fome no mundo. Além de estarmos longe de uma situação ideal, o modelo econômico implementado na maioria dos países indica uma tendência contrária às normas estabelecidas pela ONU e, em tese, aprovadas por nossos governantes.

-- Maria Luisa Mendonça é jornalista e diretora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.

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