Conheça o grupo paulista que vem sendo acusado de invadir
as terras do povo indígena awá-guajá
no Maranhão. Esse grupo econômico atua em empreendimentos
imobiliários, telecomunicações, concessões
de energia, petróleo e gás, finanças
(banco e corretora), monitoramento de frotas via satélite,
agropecuária e extração de madeira.
Ligações
perigosas
Paulo
Pereira Lima
Na
entrada de uma das aldeias dos Awá-Guajá, no
município maranhense de Alto Alegre do Pindaré,
a mais de 300 quilômetros de São Luís,
chama a atenção uma área de 15 metros
quadrados, cercada por uma rede de arame, e o aviso: "Danger,
perigo. Projeto Sivam, latitude 3º 45 6" S,
longitude 46º 8 8" W". No local, estão
sendo instalados painéis solares, antenas e baterias.
Aos
olhos puxados do cacique Yrakatakoa e de outros 100
parentes, que mal falam português, essas letras e números
parecem tão estranhos quanto hieróglifos egípcios
para um brasileiro. Um dos últimos povos nômades
do Brasil, os Awá-Guajá vivem da pesca, caça
e coleta de castanhas e frutas. No total, entre contatados
e não-contatados seriam uns 300. Eles reivindicam 118
mil hectares de terra no município de Zé Doca,
a 140 quilômetros de Alto Alegre do Pindaré.
São os únicos entre outros 19 mil do Maranhão
a não terem sua área ainda demarcada. "A
farinha está acabando e água não enche
barriga. A gente vive de mel, quati e peixe", lamenta
o cacique.
Ele
não faz a pálida idéia do que seja, de
fato, esse "tal" de Sivam, o Sistema Integrado de
Vigilância da Amazônia. Pela propaganda oficial,
o projeto tem como objetivo proteger a chamada Amazônia
Legal formada por nove Estados, inclusive parte do
Maranhão através do controle do tráfego
aéreo por radares, vigilância ambiental e imagens
de satélites. A idéia é fornecer computadores
aos índios para que ajudem a coletar dados e vigiar
as madeireiras que avançam com suas motosserras na
mata virgem do norte do Maranhão. Acontece que nem
mesmo os caciques da Fundação Nacional do Índio
(Funai) local estão a par desse projeto federal, já
investigado entre agosto de 2001 e junho de 2002 por uma Comissão
Parlamentar de Inquérito (CPI) devido às suspeitas
de tráfico de influências e oferecimento de propinas.
Empresa
intermediária Porém, há uma história
que não foi contada para os índios nem investigada
pelos brancos da CPI. É que as obras de construção
civil e infra-estrutura do projeto ficaram a cargo da Schahin
Engenharia, empresa do grupo paulista Schahin Cury. Segundo
o coronel Paullo Valente, da assessoria de comunicação
do Sivam, o serviço custou 110 milhões de dólares.
Presente no mercado há 36 anos, esse grupo econômico
atua também em empreendimentos imobiliários,
telecomunicações, concessões de energia,
petróleo e gás, finanças (banco e corretora),
monitoramento de frotas via satélite, agropecuária
e extração de madeira.
É
esse mesmo grupo que vem sendo acusado de invadir as terras
dos próprios Awá-Guajá, através
de uma de suas empresas, a Agropecuária Alto Turiaçu,
com sede em Zé Doca. Na região ninguém
conhece o nome do grupo, apenas os da agropecuária
e de seu representante, Cláudio Azevedo Donizete. As
terras em litígio das quais a Alto Turiaçu se
diz dona somam 37.980 hectares, o equivalente à metade
da capital maranhense. Na 5ª Vara da Justiça federal
tramitam três processos envolvendo a agropecuária.
Sobre o mais antigo, uma ação cautelar da empresa
movida contra a Funai em 1994, para garantir a posse, o juiz
José Carlos Madeira promete se pronunciar a respeito
até o fim do ano.
Os
outros processos, deste ano, procedem do Ministério
Público Federal (MPF) e já tiveram desfecho.
Em um deles, o MPF pediu a demarcação física
da reserva. O juiz determinou, em 27 de agosto último,
um prazo de 45 dias para a Funai iniciar a demarcação.
A outra ação pública envolve também
o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) que autorizou
corte de madeira. Em junho, o juiz anulou a decisão
do órgão e estipulou uma multa diária
de 10 mil reais, caso as motosserras de Cláudio Azevedo
voltem a desmatar a área. O Ibama, no entanto, contestou,
dizendo que "o projeto de manejo florestal aprovado se
encontra fora da área em litígio e está
sendo regularmente fiscalizado. De 1992 a 2001, por exemplo,
sofreu oito vistorias". Tanto o pecuarista quanto o órgão
federal estão recorrendo.
"Comprei
essas terras do Instituto de Terras do Maranhão (Iterma)
e de outros proprietários", diz Cláudio
Azevedo. Mas nos autos do processo que o juiz Madeira deve
julgar, constata-se que a única escritura de compra
e venda apresentada registra somente 2.996 hectares, em vez
dos 37.980. Além disso, o seu nome não consta
como dono da Alto Turiaçu numa certidão obtida
na Junta Comercial do Estado do Maranhão. Os verdadeiros
proprietários da Alto Turiaçu são paulistas:
Salim Taufic Schahin e Milton Taufic Schahin, que comandam
o grupo Schahin.
Mas
Cláudio Azevedo não assume a função
do tradicional "laranja". Muito pelo contrário.
"Ele é um homem poderoso e muito influente na
região", revela uma liderança política
que prefere não se identificar por medo de represália.
Além de presidente da Associação dos
Criadores do Estado do Maranhão, que reúne 1.800
membros, ele goza de prestígio nos altos escalões
do Palácio dos Leões, sede do governo do Estado.
Diz possuir 6.200 cabeças de gado e sessenta funcionários.
Católico generoso, costuma doar bois para os festejos
da igreja. Uma prova de seu poder de influência, segundo
vários depoimentos, foi o afastamento do juiz Jorge
Moreno.
Elogios
do presidente Sobre as denúncias envolvendo
o nome de uma de suas empresas, os Schahin não quiseram
se manifestar por a questão estar na Justiça.
No entanto, eles seguem com os negócios no norte. Inclusive,
estão para inaugurar uma fábrica de laticínios.
A Sanlate fica em Santa Inês, perto de Zé Doca,
e "vai industrializar, com emprego de moderna tecnologia,
20 mil litros/dia de leite e derivados de produção
própria, a fim de atender à demanda de cerca
de 14 municípios", segundo o site oficial do grupo.
E
prestígio para tocar suas empreitadas é o que
não falta ao grupo. O coronel Paullo Valente, por exemplo,
não vê nenhum problema ético no fato de
um grupo que está sub judice participar de uma obra
pública e de grande porte como o Sivam. "Quem
cuida de índio é a Funai. Se havia alguma irregularidade,
não éramos nós da Aeronáutica
que tínhamos que investigar", diz. Da sua parte,
a administradora executiva regional da Funai em São
Luís, Elenice Viana Barbosa, disse desconhecer o grupo
paulista, "quanto mais suas relações com
a Alto Turiaçu".
A
defesa maior do grupo veio em forma de elogios. Durante a
inauguração do Sivam, em Manaus, no mês
de julho, o presidente Fernando Henrique Cardoso assim discursou:
"Quero dar meus parabéns a todos os que trabalharam
para que chegássemos até aqui. Em especial,
ao grupo Schahin porque só quem conhece a Amazônia
sabe das dificuldades de construção nesta região
úmida".
Certamente
os Awá-Guajá sabem muito mais do que os engenheiros
paulistas sobre a dureza da vida numa terra infestada por
motosserras e mais de 240 propriedades particulares. Homem
de poucas mas sábias palavras, o cacique Yrakatakoa
põe fé na Justiça, apesar de "toda
hora o karaiw (o branco) tá enganando nós".
Se a Justiça decidir a favor dos índios, o grupo
Schahin pretende recorrer em Brasília. Enquanto o processo
se arrasta nos tribunais, segue com sucesso a campanha Esse
povo quer viver, em apoio aos Awá-Guajá. Promovida
pelo Instituto Ekos para a Eqüidade e a Justiça,
dos missionários combonianos do nordeste, e a revista
Sem Fronteiras. Também apoiam a revista Caros Amigos,
o Conselho Indigenista Missionário, a Comissão
de Direitos Humanos da Câmara Federal e a Rede Social
de Justiça e Direitos Humanos. Até agora foram
produzidos e distribuídos 40 mil cartões-postais,
que estão sendo enviados ao ministro da Justiça,
pedindo a demarcação dos 118 mil hectares reivindicados
pelos índios.
Paulo
Pereira Lima é diretor de redação da
revista Sem Fronteiras (www.semfronteirasweb.com.br)
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