Os agentes do Gradi recrutaram nas prisões perigosos
criminosos que cumpriam suas penas em regime fechado e obtiveram
de juízes a liberação informal destes
sentenciados, eximindo-os, na prática, do cumprimento
de suas penas, em troca de colaborarem ativamente com as operações
policiais.
Criminalidade
de Estado: a conexão GRADI/
Castelinho e os poderes da impunidade
João
Jose Sady
A
tortura da insegurança pública se manifesta
numa tantalizante aflição coletiva gerada pelo
espetacular cenário retratado pela mídia que
nos descreve uma escalada incontrolável da criminalidade.
O doloroso ano de 2001 registrou o início desta borrasca
desastrosa que faz com que a cidadania se afunde nestes mares
encapelados do pânico coletivo. No início daquele
ano, apenas 3% da população considerava a insegurança
pública como o principal problema paulistano e, ao
fim de um ano tão agitado, este índice havia
triplicado. A ameaça sinistra da sigla PCC (Primeiro
Comando da Capital), organização criminosa que
liderou a portentosa revolta dos presos encerrados no Complexo
do Carandiru, induziu o povo a sentir-se terrivelmente ameaçado.
O terror fazia pais e mães estremecerem a cada noite
na espera de seus filhos. O medo rondava todas as esquinas.
Os
eventos ainda mais espetaculares havidos no fim de 2001 vieram
a produzir uma espiral de terror mais acentuada, de modo que,
em fins de janeiro de 2002, a porcentagem dos cidadãos
que vislumbravam a criminalidade como o maior problema da
cidade ascendeu a 29%. Diante de um cenário tão
incômodo para o ano eleitoral que se avizinhava, o governo
estadual agiu de modo rápido e cirúrgico, trocando
o Secretário de Segurança que assumiu com promessas
de gerar uma nova onda de eficiência. Nem se completara
um mês da nova gestão e o povo é brindado
por um portentoso sucesso aclamado como a hora da virada,
com a interceptação e morte de 12 criminosos
no pedágio da estrada do Castelinho, perto de Sorocaba.
Este
tão aclamado suposto sucesso alavancou uma nova onda
de extremismo securitário e de esperanças na
tão alardeada nova policia, que estaria
a dar mostras de grande eficiência. Tal desempenho alardeava
como mola mestra uma atitude mais decidida dos agentes policiais
que passavam a receber apoio contra os incômodos críticos
de plantão que persistiam no que passou a ser chamado
de exagero na defesa dos direitos humanos.
A
propalada onda de crimes tão decantada
pelos cânticos de terror entoados pela mídia
levou a que decuplicasse o medo do crime dentro da sociedade.
Feitas as contas, todavia, descobre-se que a quantidade de
crimes em 2001 (1.760.300) somente aumentou em 0,85% em relação
ao ano de 2000 (1.745.429). Afinal de contas, se os crimes
aumentaram em menos de 1% de um ano para o outro, por que
o medo do crime aumentou tanto no mesmo período? Os
pais e mães que passavam as noites em claro pelo medo
de seus filhos perecerem em algum assalto noturno não
foram informados de que, entre os 12.475 cidadãos que
pereceram como vítimas de homicídios dolosos
em 2001, apenas 562 foram mortos por assaltantes. Os automóveis
produziram quase nove vezes mais vítimas (4.895 homicídios
culposos) no mesmo período.
A
verdade está em que a dramatização de
crimes de imensa repercussão, fazendo explodir na mídia
a visibilidade do delito, concretiza um furacão de
efeitos psicológicos, que edifica uma tempestade muito
maior do que a existente na realidade. Enquanto estes ventos
não assumiram a proporção de um tornado,
o governo estadual vinha administrando tal questão
com base numa política de marketing eleitoral. A entrega
de novas viaturas policiais registrava o simbolismo desta
política, exibindo objetos concretos, visíveis,
palpáveis da intervenção pública
no setor.
Assim,
em 1998, ou seja, o ano em que se elegeu o atual governante,
foram entregues 2.345 viaturas policiais. Já em 1999,
quando não haviam eleições, foram entregues
apenas 371 veículos. Em 2000, quando o grupo governante
empenhou-se na disputa das eleições municipais
paulistanas, o Estado distribuiu à polícia 4.428
veículos. Em 2001, já não havendo eleições,
foram entregues somente 386 novas viaturas. No tormentoso
ano eleitoral de 2002, apenas no primeiro semestre, com toda
pompa e circunstância, exibiu-se a entrega de 2.104
novas viaturas.
A
introdução do sistema de geo-referenciamento
computadorizado do crime, com a implantação
do tão falado sistema denominado de Infocrim, foi alardeada
como obtendo o grande resultado de diminuir o índice
de homicídios. No entanto, a publicação
das estatísticas oficiais desmente a propaganda oficial.
Eis que, do ano de 2000 (12.638 homicídios dolosos)
para o de 2001 (12.475 homicídios dolosos), obteve-se
a pífia redução de 1,28% nos índices
deste tipo de delito.
A
Revolta do Carandiru trouxe para a luz do dia a existência
de enormes quadrilhas de criminosos que operavam de dentro
das prisões. O povo não conseguiu apreender
que eram várias quadrilhas digladiando-se entre si
e nem muito menos compreendeu que tal fenômeno foi gerado
pela política penitenciária que deixa o governo
das prisões por conta dos próprios prisioneiros.
O bem sucedido esforço de marketing da quadrilha Primeiro
Comando da Capital fez com que a população percebesse,
apenas e tão somente, a existência de um novo
vulto sinistro e ameaçado que parecia estar em todos
os lugares. Este monstro que operava sob a sigla PCC tornou-se
o inimigo público número um, ocupando o imaginário
das massas como se fosse um terrível e incontrolável
Império do Mal, em guerra aberta contra os homens
de bem.
Compreender
estes fenômenos da psicologia de massas e fazer a justaposição
entre os números do medo e os números oficiais
da criminalidade, desvenda as razões pelas quais começa
a instalar-se o pântano subterrâneo da criminalidade
de Estado, no enfrentamento com estas tempestades da subjetividade.
A necessidade de dar resposta para as pressões da sociedade
induz a que os agentes do Estado iniciem dramático
mergulho na ilegalidade, na busca de que, livrando-se das
peias da lei, seja possível superar a incapacidade
gerencial do governo em área tão crucial para
os projetos políticos tão acalentados às
vésperas de decisivo ano eleitoral.
Nos
porões do Estado, o combate ao PCC galvanizou autoridades
do judiciário e da polícia, estimulando-os a
dar as costas a legalidade e construir um grupo de ataque
a tal organização, operando na sombra e ao arrepio
da lei. O Secretário de Segurança estruturou
um grupo de agentes escolhidos a dedo, cuja folha corrida
ostentava a espetacular performance de 175 cadáveres
produzidos em suas longas carreiras. Agentes habituados às
tarefas de matar bandidos e impregnados pela banalização
da violência. Este agrupamento era apelidado de Grupo
de Repressão e Análise de Delitos de Intolerância
(GRADI). Estruturada oficialmente para combater delitos de
preconceito, a equipe foi desviada par este combate ao PCC,
operando sob extremo sigilo que viria a garantir a impune
transgressão à legalidade. Para tal proteção,
a equipe foi liberada da submissão às cadeias
rígidas da hierarquia das corporações
e colocada sob o comando direto e exclusivo do chefe supremo
da polícia, ou seja, o Secretário de Segurança
Pública.
Tal
agrupamento veio a encontrar apoio em juízes impregnados
pela histeria coletiva do extremismo securitário que
se associaram aos policiais para colocar em prática
uma operação ilegal. Os agentes do GRADI foram
recrutar nas prisões perigosos criminosos que cumpriam
suas penas em regime fechado e obtiveram de tais juízes
que liberassem estes sentenciados informalmente, eximindo-os,
na prática, do cumprimento de suas penas, em troca
de colaborarem ativamente com as operações policiais.
Sob
o palio deste ilegal beneplácito, os agentes do GRADI
passaram a executar operações de investigação
contra o PCC que se baseavam na infiltração
destes sentenciados em grupos criminosos, em companhia dos
policiais. Aí então, a ilegalidade era tão
gritante que os juízes liberavam os sentenciados para
diligências policiais, mas não assumiram
o risco de autorizar formalmente as infiltrações,
tamanha a afronta a lei embutida em tal procedimento. Não
forneceram autorizações formais, nem sequer
para as infiltrações praticadas pelos agentes
policiais, muito embora, quanto a estas, estivesse em seus
poderes prolatar tal permissão. As operações
foram se desenvolvendo na sombra e na ilegalidade durante
todo o ano de 2001 e o uso de força letal em tais ações
constituía a regra e não a exceção.
Quando estas operações vieram a público,
meses mais tarde, o Secretário de Segurança
que criou o agrupamento explicou para a imprensa: Ao
criar o Gradi, como núcleo de inteligência da
secretaria, Petrelluzzi colocou policiais civis e militares
diretamente subordinados ao seu gabinete. Afirma que a decisão
foi técnica, porque não tinha como introduzi-los
na hierarquia da PM ou dentro da estrutura da Polícia
Civil. Na prática, porém, as duas corporações
militares nunca atuaram juntas. Ficavam em prédios
separados, sem integração.
A
inexistência de autorização judicial para
as infiltrações foi audazmente assumida pela
polícia em franco desafio às normas legais que
formulam tal exigência, como também declarado
aos jornais: O ex-comandante da Polícia Militar
paulista, coronel Rui César Melo, afirma que todas
as operações do serviço reservado contra
o PCC estavam respaldadas em autorizações judiciais
-isso para grampos telefônicos e retirada de presos
de penitenciárias. Infiltrar em quadrilhas faz parte
do trabalho da polícia. É um meio de se descobrir
como os criminosos trabalham, não para levantar provas",
diz Melo, que hoje coordena a Diretoria de Cooperação
e Articulação de Ações de Segurança
da Senasp (Secretaria Nacional de Justiça), em Brasília,
sobre por que a PM não pediu autorização
judicial para se infiltrar. Como se vê, o chefe da policia
não esconde que o agrupamento operava sob uma denominação
que escondia suas finalidades e o comandante da polícia
militar assume publicamente o desdém pelas exigências
da legislação (artigo, 2o, inciso V, da Lei
9.034/95).
O
novo operador do Estado que assume a Secretaria de Segurança
em 2002 recebe esta herança em movimento, acoplada
ao seu gabinete, justamente num momento em que o grande desafio
de marketing do governo exige a exibição
de ações de impacto junto a opinião pública.
Em poucos dias, como vimos, o tal núcleo de inteligência
presenteia-o com o efeito de impacto de que precisava: a chamada
operação castelinho.
Tal
episódio, ocorrido em 5 de marco de 2002, foi festejado
em prosa e verso pelos meios de comunicação
e explorado politicamente como a hora da virada na batalha
contra o crime. Naquela manhã fatídica,
um grande grupo de policiais interceptou um comboio em que
viajavam 12 indivíduos que foram eliminados fisicamente
após intensa fuzilaria. A imprensa foi brindada com
a explicação de que se cuidava de integrantes
do PCC que, fortemente armados, dirigiam-se para Sorocaba
com a finalidade de assaltar um avião transportador
de dinheiro. A intensidade do resultado letal e o fato de
que rapidamente transpirou que inexistia qualquer avião
transportador de numerário, levou a que as entidades
de direitos humanos se reunissem com o Comando da Polícia
Militar.
Perguntados
por que não houve a pura e simples prisão dos
supostos delinqüentes ao invés de sua eliminação
física na emboscada rodoviária, os oficiais
de relações públicas afirmaram que não
havia a possibilidade da prévia detenção,
em razão de que a operação delitiva havia
sido detectada através do rastreamento de ligações
telefônicas oriundas dos presídios, nas quais
era possível conhecer o emitente e impossível
localizar o destinatário. Para demonstrar a sinceridade
destas explicações, prometeu-se para a comunidade
dos defensores dos direitos humanos que o inquérito
policial-militar sobre o evento teria transparência
assegurada sendo facultado seu acompanhamento por representante
que seria escolhido pela Ordem dos Advogados.
Esta
cortina de despiste começou a desfazer-se quando o
compromisso foi descumprido com a maior desfaçatez
sob os mais diversos subterfúgios. Apenas, meses depois,
a Ordem dos Advogados teve acesso aos autos do inquérito,
vindo a perceber que o mesmo revelava uma construção
unívoca destinada a avalizar a versão oficial.
A esta altura já se havia descoberto que não
passava de pura mentira a explicação inicialmente
fornecida. A verdade finalmente revelada era a de que o tal
núcleo de inteligência havia se infiltrado
num grupo criminoso e colaborado, durante semanas, com a organização
do comboio delitivo que seria finalmente interceptado.
Os
agentes do GRADI, com seus acólitos sentenciados, participaram
longamente da preparação da expedição
criminosa. Depois de minuciosa organização,
em dia, hora e local previamente combinados com os agentes,
os criminosos saíram no seu desfile fúnebre,
guiado por uma viatura policial descaracterizada que os conduziu
ao lugar da emboscada, no qual todos vieram a ser fuzilados.
Diante
da revelação destes fatos, a autoridade que
conduzia o inquérito policial-militar encerrou imediatamente
as investigações e remeteu os autos
ao seu Comandante que prometeu que, algum dia, haverá
de prolatar decisão sobre o relatório fornecido.
Nesta altura, contudo, os fatos começavam a transbordar
para fora dos condutos em que as autoridades policiais intentavam
mantê-los encerrados. Explode nos jornais a notícia
de que o Ministério Público havia instaurado
inquérito para apurar acusações de tortura
praticada por agentes do GRADI contra seus acólitos
presidiários. Os tais sentenciados que colaboravam
com os policiais passam a imputar-lhes a prática de
larga serie de delitos. A Ouvidoria da Policia apresenta relatório
que relatava estarrecedoras acusações sobre
este agrupamento comandado diretamente pelo Secretário
de Segurança.
Segundo
o Ouvidor, anteriores operações do GRADI utilizando
as ilegais infiltrações resultaram sistematicamente,
na eliminação física dos criminosos,
resultando na inexistência de testemunhas que pudessem
identificar os infiltrados, tais como, o cerco da reunião
do PCC, onde até o preso infiltrado (Fernando Henrique,
vulgo Chacal) foi fuzilado pela Polícia
Militar; a perseguição na Rodovia dos Bandeirantes,
onde morreram os cinco bandidos ocupantes do principal veículo
sob perseguição; operação de cerco
de traficantes em Piracicaba, onde também morreram
todos os bandidos emboscados pela Polícia; duplo assassinato
cometido em fevereiro na Avenida Eliseu Marques.
Tais
informações apresentam uma massa tão
grande de indícios que diversas entidades, lideradas
pela Ordem dos Advogados, apresentam representação
ao Procurador Geral de Justiça, pleiteando a instauração
de investigação sobre as acusações
que proliferavam de forma tão gritante. A representação
é aceita e encaminhada ao Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo que afasta imediatamente aqueles
juízes corregedores que viabilizaram o fornecimento
de presos para tais atividades e instaura inquérito
para apurar a responsabilidade dos mesmos e da autoridade
a quem se reportava o tal núcleo de inteligência,
ou seja, o Secretário de Segurança.
A
evolução destes acontecimentos desmoraliza a
tão decantada hora da virada e coloca à
luz do dia as operações ilegais deste grupo
subterrâneo. O governo estadual, todavia, nega-se a
enfrentar os seus fantasmas mediante a apuração
eficaz e transparente deste quadro grotesco. A Polícia
Militar recolhe o inquérito para o gabinete de seus
dirigentes. O Tribunal de Justiça coloca sob sigilo
a investigação e avoca todos os inquéritos
em curso nas delegacias sobre este emaranhado. O manto de
silêncio vai recobrindo a ilegalidade.
O
juiz manipulado por estes agentes enfrenta com coragem o ocorrido
e afirma à imprensa O juiz-corregedor dos presídios
de São Paulo, Octávio Augusto Machado de Barros
Filho, disse ter suspendido a operação da Polícia
Militar tão logo descobriu que as ações
"eram executadas à margem do Estado de Direito".
Lamento não ter acabado com isso antes. Faltou-me percepção,
e ninguém me avisou do que estava ocorrendo.
O
Secretário de Segurança, todavia, acuado, enfrenta
a batalha com a mídia. Afirma que a estrutura
da polícia é gigantesca e não dá
para acompanhar todos os casos e declara: Sobre
os policiais do Grupo de Repressão e Análise
de Delitos de Intolerância (Gradi), que com autorização
da Justiça retiravam presos dos presídios para
utilizá-los em investigações e infiltrações
em quadrilhas, o secretário afirmou que ignorava o
fato. O núcleo de inteligência da
Secretaria que operava sob o comando direto e exclusivo
do gabinete do Secretario torna-se, subitamente, um agrupamento
distante e perdido na gigantesca estrutura policial. Quanto
às inverdades ditas para a OAB e demais entidades naquela
reunião havida no comando da Polícia Militar,
afirma que No mesmo dia do tiroteio e morte dos 12 integrantes
do PCC, Saulo disse que Sady manteve contato com o subsecretário,
Marcelo Martins, conselheiro da OAB, e recebeu as explicações.".
Como já vimos, contudo, a reunião não
foi com o subsecretário e nem forneceram explicações,
mas mistificações.
O
aparecimento da questão à luz do dia, provocou
uma tempestade de acusações. A descrição
dos fatos da operação castelinho
aqui retratada foi extraída de relatório reservado
expedido pelo GRADI. Confirma que os policiais, deliberadamente,
deixaram seguir a suposta operação criminosa
durante semanas, ao invés de prender os participantes,
terminando por conduzi-los à emboscada em que foram
trucidados. Somente por este cenário já se justificaria
a instauração de investigação
criminal porque é inconcebível que seja necessário
matar todos os participantes de um assalto, em cuja preparação
e cometimento houve demorada e detalhada participação
de agentes policiais infiltrados. No entanto, dos quatro sentenciados
que participaram das operações do GRADI, três
afirmaram em depoimentos ao Ministério Público
que os agentes do GRADI forneceram aos criminosos as armas
que foram, depois, exibidas à imprensa com tanto espalhafato,
mas cuidaram de provisionar os criminosos com munição
imprestável. Afirmam, também, que os supostos
criminosos entregaram-se sem luta e foram assassinados após
entregarem suas armas. Gravíssimas acusações
proferidas pelos indivíduos que labutaram por mais
de um ano em quotidiano esforço conjunto com os acusados.
O governo, contudo, manteve-se em silêncio e negou-se
a instaurar investigação a este respeito, apesar
de que o depoimento destes colaboradores da polícia
encontra respaldo no laudo necroscópico independente
promovido pelo Dr. Helio Bicudo, sugerindo o assassinato em
massa e a sangue-frio. O laudo foi repelido com veemência
e indignação, mas sem que as autoridades apresentassem
qualquer justificação séria para as trajetórias
das balas se mostrarem incompatíveis com a versão
policial dos acontecimentos e, ao contrario, sugerirem ter
havido pura e simples execução das vítimas.
Indignada,
a comunidade das entidades de defesa dos direitos humanos
intentou promover ato público em recinto fechado que
foi cedido pela Assembléia Legislativa do Estado de
São Paulo, para exigir a apuração das
acusações. Neste momento privilegiado, por um
breve instante, levanta-se a cortina de suposta seriedade
e dignidade das autoridades e o subterrâneo da ilegalidade
exibe seu punho de ferro de criminalidade de Estado. O auditório
da Assembléia foi ocupado por centenas de policiais,
mobilizados por ordens escritas de seus superiores para ali
comparecer em seu horário de expediente, com armas
e viaturas de serviço, para impedir pela força
o exercício do direito de reunião assegurado
na Constituição Federal. Muito embora a imprensa
divulgasse tais fatos e exibisse o fac-simile da criminosa
ordem de mobilização de servidores públicos
para finalidades criminosas privadas, as autoridades do Estado,
desde o Governador até o Secretário de Segurança,
nada fizeram para impedir ou punir esta manifestação
de sedição.
A
conspiração de silêncio vem se mantendo
sobre este aparato de criminalidade de Estado. Posteriormente
a estes episódios, continuam a eclodir denúncias:
a imprensa noticiou acusações de extorsão
praticada pelos agentes do GRADI, acusações
da participação de tal núcleo de
inteligência na colocação de bombas nos
fóruns, participação dos policiais em
assalto a depósito da Receita Federal, compra de armas
pesadas, atuação como grupo de extermínio,
organização de seqüestros para assassinar
os seqüestradores e apoderar-se do resgate. A resposta
vem sendo sempre o silêncio e a recusa a instaurar qualquer
investigação sobre as acusações.
O GRADI continua em atividade, atuando na sombra, protegido
pelas necessidades políticas de sobrevivência
do grupo há tantos anos encastelado nos poderes estaduais.
O
mais grave em todo este quadro é que a criminalidade
de Estado permanece em atividade. As operações
ilegais devidamente comprovadas foram defendidas com mistificações
e o Estado nega-se a apurar e punir tais cometimentos. As
terríveis acusações que sugerem a ressurreição
do sinistro esquadrão da morte, reforçadas por
testemunhos e laudos, não mereceram resposta ou apuração.
O deslocamento de efetivos policiais, com armas, para impedir
a realização de ato publico em recinto fechado,
foi elogiado como manifestação democrática
de opinião. O ano eleitoral faz com que os partidos
em conflito comunguem a vontade de que este fervilhar do lodo
continue longe das vistas da opinião pública.
A histeria coletiva quanto a insegurança pública
faz com que situação e oposição
prefiram o silêncio. O Estado de São Paulo tornou-se
um território do medo onde o crime organizado depositou
seus ovos de serpente dentro do aparato policial e esta verdadeira
insegurança pública gerada por aqueles a quem
incumbiria defender o povo, persiste como o grande terrorismo
de Estado que rasteja no escuro como ameaça invisível
a cidadania.
João
Jose Sady, doutor em Direito do Trabalho, Coordenador da Comissão
de Direitos Humanos da Seccional Paulista da Ordem dos Advogados
do Brasil.
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