A relação da variação do rendimento
e da taxa de pobreza dos chefes de domicílios com a
evolução da violência no município
de São Paulo apresenta-se direta. Em geral, quando
o crescimento do rendimento é significativo, a pobreza
tende a diminuir, assim como a violência. Para o ano
de 2000, identificou-se a quantidade de 589,1 mil chefes de
domicílios vivendo na situação de pobreza,
o que representou 19,7% do total de quase 3 milhões
de chefes de domicílios no município de São
Paulo.
Pobreza
e violência no município de São Paulo
Marcio
Pochmann[1]
A
constante presença de segmentos populacionais vivendo
em condição de pobreza constitui parte integrante
da histórica expansão econômica do Brasil.
Mesmo durante a fase de maior crescimento da riqueza, o empobrecimento
de parcela de seu povo foi uma marca inquestionável.
Durante
as duas últimas décadas do século XX,
quando a forte oscilação na economia resultou
na estagnação da renda per capita, as condições
de produção e reprodução da pobreza
ganharam nova dimensão. Todavia, acreditou-se que o
combate à alta inflação e a implementação
de um novo modelo econômico direcionado à integração
mundial fossem capazes de reverter a natureza de manifestação
da pobreza.
O
município de São Paulo, mais populoso e principal
pólo industrial do país, não foi uma
exceção à regra brasileira. Pelo contrário,
conviveu e convive com parcelas importantes de sua sociedade
na pobreza.
Nesse
sentido, procura-se investigar aqui a evolução
da situação da pobreza dos chefes de domicílios
paulistanos, bem como identificar a sua dimensão e
perfil entre os anos de 1991 e 2000. Posteriormente, procura-se
relacionar a manifestação da pobreza no município
de São Paulo ao problema da violência.
Pobreza
e sua evolução
A mensuração e identificação da
pobreza no tempo constituem uma dificuldade considerável.
Adotou-se, nesse estudo, como referência a linha de
pobreza que aponta a existência de insuficiência
de renda necessária para atender as condições
básicas de vida dos indivíduos. Um rendimento
menor ou igual ao valor apontado pela linha indica situação
de pobreza[2].
Assim,
para o ano de 2000, identificou-se a quantidade de 589,1 mil
chefes de domicílios vivendo na situação
de pobreza, o que representou 19,7% do total de quase 3 milhões
de chefes de domicílios no município de São
Paulo. No ano de 1991, foram identificados 492,4 mil chefes
de domicílios na condição de pobreza,
o que equivaleu a 19,4% do total de quase 2,6 milhões
de domicílios. Entre 1991 e 2000, a quantidade de chefes
de domicílios pobres cresceu 19,7%, conforme dados
do Censo Demográfico do IBGE.
Apesar
do número de chefes de domicílios pobres ter
aumentado no município de São Paulo entre 1991
e 2000, não houve homogeneidade em sua evolução
entre os 96 distritos administrativos. Para verificar isso,
a seguir mostra-se os dez distritos administrativos que mais
elevaram a quantidade de chefes de domicílios pobres,
bem como os dez distritos administrativos que mais reduziram
a pobreza entre os chefes de domicílios no mesmo período
de tempo.
Tabela
01: Município de São Paulo evolução
dos chefes de domicílios pobres entre 1991 e 2000,
segundo os 10 distritos administrativos com maior e menor
variação (%)
Distrito
(+ pobre)
|
Taxa
de municípios pobres (%)
|
Distrito
(- pobre)
|
Taxa
de municípios pobres (%)
|
1991
|
2000
|
Variação
do nº de domícilios
|
1991
|
2000
|
Variação
do nº de domícilios
|
V
Andrade
|
13,3
|
22,4
|
232,1
|
Brás
|
20,1
|
11,9
|
-53,4
|
Parelheiros
|
27,3
|
35,2
|
167,7
|
Pari
|
19,8
|
12,4
|
-53,2
|
Anhanguera
|
25,9
|
22,1
|
167,3
|
Bom
Retiro
|
19,2
|
12,2
|
-49,6
|
Grajaú
|
22,3
|
29,7
|
154,0
|
Belém
|
21,4
|
15,1
|
-45,0
|
C
Tiradentes
|
24,6
|
26,6
|
141,9
|
Itaim
Bibi
|
10,9
|
6,8
|
-44,2
|
Marsilac
|
37,8
|
52,8
|
104,8
|
Cambuci
|
16,9
|
12,5
|
-41,5
|
Jaraguá
|
21,3
|
25,2
|
101,8
|
Barra
Funda
|
13,9
|
9,7
|
-34,0
|
Iguatemi
|
30,4
|
28,3
|
74,3
|
Mooca
|
15,0
|
10,6
|
-33,2
|
Fonte:
IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 (Elaboração
SDTS/PMSP)
Embora
o distrito administrativo de Perdizes seja o que registrou
em 2000 a menor taxa de pobres entre os chefes de domicílios,
com apenas 5,6% do total, o Brás foi o distrito com
maior queda no número de chefes de domicílios
pobres. Em contrapartida, o distrito de Vila Andrade foi o
que apresentou maior aumento na quantidade de chefes de domicílios
pobres entre 1991 e 2000, ainda que Marsilac seja o distrito
com maior taxa de pobres entre os chefes de domicílios.
Gráfico
01: Município de São Paulo Variação
dos chefes de domicílios pobres conforme grau de escolaridade
médio dos distritos entre 1991 e 2000
Fonte:
IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 (Elaboração
SDTS/PMSP)
No
que diz respeito à educação e à
pobreza, nota-se, para o conjunto dos 96 distritos administrativos
do município de São Paulo, distintas especificidades.
Quando se divide em três faixas de escolarização
(até 7 anos de estudos; de 8 a 14 anos de estudos e
acima de 14 anos) torna-se possível identificar a existência
de 44 distritos com baixa escolaridade dos chefes de domicílios,
de 38 com média escolaridade e apenas 14 com alta escolaridade.
Nos
distritos com maior escolaridade houve recuo na taxa de pobreza.
O mesmo não ocorreu nos distritos com baixa escolaridade,
com forte elevação na quantidade de chefes de
domicílios pobres entre 1991 e 2000.
Ao
se agregar o conjunto dos 96 distritos administrativos do
município de São Paulo pelo tamanho da população,
identifica-se graus relativos de homogeneidade em termos de
dinâmica demográfica e de evolução
da pobreza. O gráfico a seguir expressa isso.
Gráfico
02: Município de São Paulo Evolução
dos chefes de domicílios pobres segundo tamanho populacional
dos distritos entre 1991 e 2000
Fonte:
IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 (Elaboração
SDTS/PMSP)
Nota-se
que nos distritos administrativos com mais de 200 mil habitantes
e os de 100 a 200 mil habitantes, ocorreu ampliação
da taxa de pobreza entre os chefes de domicílios. Em
2000 foram registrados 11 distritos administrativos com mais
de 200 mil habitantes e 35 entre 100 e 200 mil habitantes.
Para os distritos com 50 mil a 100 mil habitantes, que representam
33 distritos administrativos, e aqueles com até 50
mil habitantes (17 distritos), verificou-se redução
na taxa de pobreza no município de São Paulo
entre 1991 e 2000.
Gráfico
03: Município de São Paulo Evolução
dos chefes de domicílios pobres segundo grau de concentração
de atividades econômicas entre 1991 e 2000
Fonte:
IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 (Elaboração
SDTS/PMSP)
A
divisão geográfica de acordo com a concentração
das principais atividades econômicas possibilita avaliar
a evolução da pobreza nos 96 distritos administrativos
que compõem o município de São Paulo.
De um lado, agregou-se o conjunto dos distritos com maior
indicador de industrialização e, de outro, os
distritos com atividades concentradas nos setores econômicos
primários (agropecuária) e terciários
(comércio e serviços públicos e privados),
o que permitiu a obtenção de graus relativos
de homogeneidade em termos de dinâmica produtiva.
Distintas
variações no comportamento da pobreza entre
os chefes de domicílios foram identificadas. Nos distritos
administrativos com maior concentração industrial,
que respondem por 31 distritos, ocorreu redução
na taxa de pobreza entre 1991 e 2000. Para o mesmo período
de tempo, observa-se que os distritos administrativos sem
dependência nas atividades industriais registraram elevação
na pobreza entre os chefes de domicílios.
Já
em relação ao movimento evolutivo da renda média
mensal dos chefes de domicílios, nota-se que o conjunto
dos distritos do município de São Paulo não
apresentou movimento homogêneo. Entre os dez distritos
administrativos com menor variação no rendimento
dos chefes de domicílios verifica-se elevação
de apenas 3,6% na renda média mensal do período
em referência. Este valor está bem abaixo da
variação do rendimento dos chefes de domicílios
verificada nos distritos com maior aumento (média de
60%).
Diante
da distinta performance na variação do rendimento
médio dos chefes de domicílios, pode-se notar
desempenho também diferenciado no comportamento da
taxa de pobreza. Em geral, nos distritos onde foi menor a
variação positiva do rendimento médio
dos chefes de domicílios, maior tendeu a ser a variação
positiva na taxa de pobreza entre 1991 e 2000.
Gráfico
04: Município de São Paulo Evolução
do rendimento médio mensal dos chefes de domicílios
e a pobreza nos dez distritos com maiores e menores variações
do rendimento entre 1991 e 2000
Fonte:
IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 (Elaboração
SDTS/PMSP)
Indicadores
de violência e pobreza no município de São
Paulo
A violência alcança patamares de grande expressão
no município de São Paulo. Entre 1990 e 1998,
conforme informações oficiais da Secretaria
de Estado da Segurança Pública, a quantidade
de crimes registrados aumentou de 337,1 mil para 451,6 mil.
Para efeito do presente estudo, interessou levar somente em
consideração o registro de mortes violentas,
que resultam dos homicídios e acidentes de trânsito.
Com
base no Programa de Aprimoramento das Informações
de Mortalidade no Município de São Paulo (PRO-AIM),
a quantidade de mortes violentas aumentou de 6.209, em 1994,
para 7.147, em 2000. A variação média
anual do crescimento do número de mortes violentas
foi de 2,4%, muito próxima da variação
média anual da elevação da quantidade
de chefes de domicílios pobres, igual a 2%, entre 1991
e 2000.
Apesar
do número total de chefes de domicílios pobres
ter aumentado no município de São Paulo entre
1991 e 2000, observa-se que isso terminou não ocorrendo
de maneira homogênea entre os 96 distritos administrativos.
Enumera-se, a seguir, os dez distritos administrativos que
mais elevaram a quantidade de chefes de domicílios
pobres, bem como os dez distritos administrativos que mais
reduziram a pobreza entre os chefes de domicílios.
Destaca-se que, na maioria das vezes, a redução
da pobreza dos chefes de domicílios foi acompanhada
da diminuição da violência.
Tabela
02: Município de São Paulo variação
média anual da violência e dos chefes de domicílios
pobres nos dez distritos administrativos com maior e menor
variação da pobreza (em %)
Distrito
(+ pobre)
|
Variação
média anual (%)
|
Distrito
(- pobre)
|
Variação
média anual (%)
|
Chefes
de domicílios pobres
|
Mortes
violentas
|
Chefes
de domicílios pobres
|
Mortes
violentas
|
V
Andrade
|
14,3
|
-2,5
|
Brás
|
-4,9
|
0,6
|
Parelheiros
|
11,6
|
11,9
|
Pari
|
-4,9
|
2,6
|
Anhanguera
|
11,5
|
55,2
|
Bom
Retiro
|
-4,6
|
-2,7
|
Grajaú
|
10,9
|
7,3
|
Belém
|
-4,2
|
0,0
|
C.
Tiradentes
|
10,3
|
17,8
|
Itaim
Bibi
|
-4,1
|
-8,9
|
Marsilac
|
8,3
|
-7,0
|
Cambuci
|
-3,9
|
-2,1
|
Pedreira
|
8,3
|
13,1
|
Lapa
|
-3,7
|
-8,6
|
J
Ângela
|
8,2
|
5,3
|
Tatuapé
|
-3,4
|
-4,7
|
Jaraguá
|
8,1
|
6,6
|
Barra
Funda
|
-3,3
|
-4,1
|
Iguatemi
|
6,4
|
9,2
|
Mooca
|
-3,2
|
7,0
|
Fonte:
IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 e PRO-AIM
(Elaboração SDTS/PMSP)
Quando
se identifica a variação do número de
chefes de domicílios pobres com a variação
da quantidade de mortes violentas no município de São
Paulo, a partir da escolarização, nota-se uma
relação direta muito estreita. Quando aumenta
a pobreza, cresce, em geral, a violência em distritos
de baixa escolaridade.
Também
em relação à distribuição
da população nos distritos administrativos de
São Paulo, verifica-se uma associação
direta entre variação na quantidade de chefes
de domicílios pobres e a violência. Quanto maior
a concentração populacional, maior a variação
de pobres e da violência.
Gráfico
05: Município de São Paulo Variação
média anual da pobreza entre chefes de domicílios
e da violência conforme a escolaridade média
dos distritos
Fonte:
IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 e PRO-AIM
em 1994 e 2000 (Elaboração SDTS/PMSP)
A
relação da variação do rendimento
e da taxa de pobreza dos chefes de domicílios com a
evolução da violência no município
de São Paulo também apresenta-se direta. Em
geral, quando o crescimento do rendimento é significativo,
a pobreza tende a diminuir, assim como a violência.
Gráfico
06: Município de São Paulo Evolução
média anual do rendimento mensal dos chefes de domicílios,
da pobreza e da violência nos dez distritos de maior
e menor variações do rendimento
Fonte:
IBGE, Censos Demográficos de 1991 e 2000 e PRO-AIM
em 1994 e 2000 (Elaboração SDTS/PMSP)
Considerações
finais
Em
função disso, observa-se a presença de
algum grau de relação entre a pobreza e a violência
no município de São Paulo. Intui-se que, provavelmente,
o maior crescimento da pobreza abre portas à violência.
Portanto,
o combate à violência requer também uma
melhor distribuição de renda e, sobretudo, o
combate à pobreza. Tal necessidade exige parcerias
entre as diferentes esferas de governo: municipal, estadual
e federal. Se hoje a violência concentra-se em áreas
de maior população, com moradores de menor renda
e escolaridade, ou seja, as maiores vítimas da mesma
brutalidade e do processo de exclusão social, há
que se enfrentar o problema onde ele é mais premente
e insidioso: na periferia das grandes metrópoles brasileiras.
Inverter
esse quadro requer ações decididas e inovadoras,
capazes não só de elevar as famílias
acima dos níveis de pobreza, mas principalmente reincluí-las
nos fluxos econômicos e sociais das cidades. Ou seja,
reconstruir nela e a partir delas, através do protagonismo,
o sentimento de pertencimento. Essa tarefa, entretanto, jamais
poderá ser um completo sucesso se não houver
colaboração e articulação entre
as diferentes ações e programas de Estado e,
obviamente, uma política de crescimento econômico
clara e decidida.
As
diversas iniciativas da sociedade civil sugerem o caminho.
Quando se vê pipocar, aqui e ali, projetos
de combate à pobreza, parece que estão indicando
que o país quer mudar, deixar de desperdiçar
seus valiosos braços e cérebros ainda entregues
a pobreza e desesperança. Na verdade, pode significar
que o país está querendo tornar-se uma grande
nação.
--------------------------------------------------------------------------------------
[1]
Professor licenciado do Instituto de Economia e pesquisador
do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da
Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é secretário
de Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura
do Município de São Paulo.
[2]
Para a linha de pobreza dos chefes de domicílios no
município de São Paulo utilizou-se como referência
a estrutura de consumo resultante da Pesquisa de Orçamento
Familiar produzida pelo IBGE, com a atualização
do valor monetário da cesta de consumo pelo INPC/IBGE.
Simultaneamente, adotou-se como pressuposto a definição
de que o rendimento médio do chefe de domicílio
representa cerca de 70% do total dos gastos familiares, conforme
indica pesquisa realizada pela Fundação SEADE.
Com isso, a linha de pobreza representou, em 1991, 1,46 salários
mínimos, e, em 2000, 1,47 salários mínimos.
Maiores detalhes metodológicos podem ser verificados
em: ALTIMIR, O. (1979) La dimension de la pobreza en America
Latina. Santiago: CEPAL; HOFFMANN, R. (1998) Distribuição
de renda: medidas de desigualdade e pobreza. São Paulo:
EDUSP; ROCHA, S. (1997) Do consumo observado à linha
de pobreza. PPE v. 27 (2). Rio de Janeiro: IPEA; ROCHA, S.
& ELLWANGER, R. (1993) Linhas de pobreza: alternativas
metodológicas a partir de estruturas de consumo observadas.
PPP, n. 9. Brasília: IPEA.
Voltar
|