Pesquisa publicada no Jornal do Brasil mostra que, só
no setor doméstico, existem cerca de 550 mil crianças
e adolescentes trabalhando em casas de terceiros no Brasil.
Segundo dados da Agência de Notícias dos Direitos
da Infância, o Nordeste concentra o maior índice
dos casos de trabalho infantil doméstico, 33,15%. Em
seguida vem o Sudeste, com 30,76%. E a Organização
Internacional do Trabalho informa que a maior parte dos casos
está localizada nos grandes centros
Violações
contra crianças e adolescentes
Elizanias
dos Reis Nascimento
O estado de vulnerabilidade em que se encontra a criança
brasileira brada em socorro à sociedade e mormente
aos mais diretamente comprometidos com o bem-estar da nação.
Como se não bastasse a violência doméstica,
muitas vezes praticada sob o pretexto de educação,
deparamo-nos hoje com muitos outros agravantes, como o trabalho
e a prostituição infantil.
Se reportarmo-nos a 20 anos e fizermos uma análise
do tratamento dado às crianças do Brasil naquela
época, podemos, com base nas conseqüências,
afirmar que o futuro tem a face do zelo que a ele dedicamos
no presente.
É
sabido por todos que uma nação é melhor
sucedida quando prima pelos meios necessários e indispensáveis
para o saudável e integral desenvolvimento das suas
crianças. A Declaração Universal dos
Direitos Humanos e a Constituição Federal do
Brasil vêm corroborar esta nossa afirmação:
Artigo
26 inciso 1 Todo homem tem direito à
instrução. A instrução será
gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais.
A instrução elementar será obrigatória.
A instrução técnico-profissional será
acessível a todos, bem como a instrução
superior, esta baseada no mérito. (Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948).
Artigo
227 - É dever da família, da
sociedade e do Estado assegurar à criança e
ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à
vida, à saúde, à alimentação,
à educação, ao lazer, à profissionalização,
à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão. (Constituição
Federal de 1988 texto integral).
Reconhecemos
as iniciativas do Governo Federal no combate ao trabalho infantil,
e parabenizamos as organizações não governamentais
pelos esforços despendidos a fim de garantir a proteção
à criança e ao adolescente, mas não podemos
deixar de denunciar o exacerbado crescimento da violação
dos seus direitos, devido à larga margem que o Estado
ainda oferece.
De acordo com uma pesquisa realizada pela Agência de
Notícias dos Direitos da Infância (ANDI), houve,
pelo quinto ano consecutivo, um crescimento no número
de coberturas feitas por jornais e revistas sobre as crianças
e os adolescentes brasileiros. Isto mostra uma certa preocupação
com oportunidades melhores e maior dignidade à infância.
Segundo dados da pesquisa, 49 jornais e 10 das mais importantes
revistas brasileiras publicaram, em 2001, 75.797 matérias
sobre crianças e adolescentes, 11.401 a mais que em
2000, e 600% a mais que na pesquisa de 1996. Dentre os temas
mais abordados estão a violência doméstica,
o trabalho e a prostituição infantil[1].
Violência
doméstica
Um dos problemas que freqüentemente atingem a criança
em seus primeiros seis anos de vida é a violência
doméstica, representada pelos maus tratos. Embora não
existam dados muito aprofundados, estudos revelam que a principal
violência contra a criança pequena é a
doméstica. E tratamentos deste tipo muito provavelmente
levarão a criança a entender que a violência
é a única maneira de solucionar conflitos, levando-a
a reagir violentamente. Fator que muito contribui para isto
é a antiga idéia de que as crianças são
propriedades dos pais. Isto incorre em atos de violência
contra crianças muito pequenas, motivados por diversos
comportamentos, como chorar, fazer xixi na cama, sujar a roupa
depois de tomar banho ou fazer bagunça na casa com
as brincadeiras atitudes muito normais em crianças
menores de seis anos de idade[2].
Em resposta a algumas das perguntas mais freqüentes,
o pediatra Dr. Lauro Monteiro Filho - currículo enriquecido
com uma experiência de 35 anos à frente do Serviço
de Pediatria do Hospital Municipal Sousa Aguiar, outros 40
em consultório pediátrico, atualmente presidente
da Associação Brasileira de Proteção
à Infância e ao Adolescente (ABRAPIA) - relata
alguns dos casos que mais o impressionou. Lembro-me
do Willian, um menino de cerca de dois anos de idade, que
chegou morto à sala de emergência, numa manhã
de sábado. Apresentava inúmeros sinais externos
de violência e fratura do crânio. A pessoa que
o levou era uma mulher de cerca de 30 anos, mãe substituta,
que, pouco depois, confessou que havia torturado o garoto
durante dias, como represália pelo fato de a mãe
biológica não estar mandando regularmente a
importância combinada para a manutenção
do menino. Outra criança que morreu, com cerca de um
ano de idade, encontrei na emergência em um respirador,
com inúmeras fraturas de crânio. A mãe,
tranqüila e às vezes até dormindo ao lado
da criança, informou que a encontrou caída,
junto à cama, quando chegou em casa. O pai estava lá.
A criança havia sido agredida violentamente na cabeça,
com algum instrumento[3].
Outro tipo de violência praticada contra a criança
dentro de casa, relata o pediatra, é o abuso sexual
intrafamiliar, que inicia-se geralmente muito cedo, quando
a criança tem cerca de cinco anos. É geralmente
um ato progressivo, um misto de carinho e afagos, com ameaças
não conte para ninguém, é um segredo
nosso, ou, ainda, se falar para sua mãe, ela vai lhe
castigar e jogar você na rua. Com medo e remorso, mas
também com prazer, a criança vai aceitando a
relação com o pai agressor. Porque, na maioria
das vezes, o abuso sexual é praticado pelo pai biológico
contra a filha e às vezes contra o filho. No
caso da filha, se progressiva, pode chegar, na adolescência,
à penetração vaginal e à gravidez.
Trabalho
infantil
Em dissonância com a educação está
o trabalho infantil. A criança que trabalha quase sempre
o faz em detrimento da escola, o que gera um adulto com baixa
qualificação e que encontrará maiores
dificuldades para competir no mercado de trabalho.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
(PNAD) realizada na última semana do mês de setembro
de 2001 mostram que houve uma redução no número
de pessoas de 5 a 15 anos ocupadas no Brasil, no período
compreendido entre 1992 e 1999. A tabela abaixo inclui também
as crianças que trabalharam pelo menos uma hora na
semana de referência da pesquisa:
Anos
|
Crianças
de 5 a 9 anos
|
10
a 15 anos
|
5
a 15 anos
|
1992
|
613.843
|
4.784.945
|
5.398.788
|
1993
|
526.212
|
4.748.321
|
5.274.533
|
1995
|
518.770
|
4.629.194
|
5.147.964
|
1998
|
402.016
|
3.505.236
|
3.907.252
|
1999
|
375.376
|
3.467.890
|
3.843.266
|
Informou-nos
o Dr. Glauber, do Ministério do Trabalho em Brasília,
através de um relatório enviado em 03/06/02,
que o trabalho de fiscalização está na
base da estrutura de combate ao trabalho infantil do Governo
Federal, mas ressaltou que, não obstante, há
situações em que o poder de coerção
do Auditor-Fiscal do Trabalho encontra restrições
legais para que possa atuar. Quando a criança é
encontrada desenvolvendo atividades na informalidade, em regime
de economia familiar, em trabalho doméstico etc., o
Auditor-Fiscal do Trabalho vê limitadas por lei as possibilidades
de sua atuação repressiva.
Enquanto o Governo Brasileiro pretende, segundo o Dr. Glauber,
atingir até o final de 2002, 866 mil crianças
e adolescentes de 7 a 14 anos que se encontram submetidas
às formas mais degradantes de trabalho, pesquisas feitas
recentemente, publicadas pelo Jornal do Brasil em 19/03/02,
indicam que só no setor doméstico cerca de 556
mil crianças e adolescentes do país são
trabalhadores em casas de terceiros. E a grande maioria é
tratada com desmesura pelos patrões, que possuem, na
maioria dos casos, um baixo poder aquisitivo. Em Belém,
no Pará, cerca de 71% das entrevistadas afirmaram sofrer
ou ter sofrido violências psicológicas no emprego,
como ameaças e apelidos degradantes. A distância
das famílias aumenta o risco de abusos. As que residem
no emprego somam, em média, 50 horas semanais de trabalho.
Apenas cerca de 43% recebem salário. As demais são
pagas com calçados, roupas e alimentação.
Este quadro é ainda pior em Estados como Pernambuco,
onde a migração é constante em função
da seca. Em Recife, muitas meninas trabalham em troca apenas
de comida.
Segundo
dados da Agência de Notícias dos Direitos da
Infância (ANDI), O Nordeste concentra o maior índice,
33,15% dos casos de trabalho infantil doméstico, seguido
do Sudeste com 30,76%. E a Organização Internacional
do Trabalho (OIT) informa que a maior parte dos casos está
localizada nos grandes centros.
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
(PNAD), entre 1999 e 2001, houve uma redução
de 13,3% do trabalho infantil (5 a 14 anos), o que significa
738.558 crianças a menos exercendo alguma atividade
laboral no país. Apesar da redução, as
cifras ainda são alarmantes. O número de crianças
e adolescentes ainda é muito alto, contabilizando 2,23
milhões[4]. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) divulgados em 12/09/02 e publicados
pela Folha de São Paulo em 13/09/02, indicam que, deste
total, 296.705 são crianças na faixa etária
que vai de 5 a 9 anos.
A
exploração sexual comercial de crianças
A cada ano, milhões de crianças em todo o mundo
são vítimas da exploração sexual
comercial. Nesta delinqüência, existem verdadeiras
redes formadas, que contam com a colaboração
de taxistas, funcionários de hotéis, donos de
bares, motéis e boates, que envolvem as crianças
com promessas de um futuro melhor. Em outros casos, por viver
na miséria, a própria família concorda
com a exploração de seus filhos. Outras situações
também graves são a pedofilia e a pornografia
infantil[5].
Estima-se que só no Brasil mais de meio milhão
de meninas são prostituídas. Um elevado número
de meninas das mais distantes regiões do Brasil, que
em muitos casos nem sequer chegaram à adolescência,
são vítimas de tráfico, leilão
e venda com o fim de prostituí-las em paraísos
do turismo sexual como Recife, Salvador e Fortaleza.
De acordo com informações prestadas por Leandro
Gonzáles, da Associação Brasileira contra
a Prostituição Infantil, 600 meninas e meninos
tiveram suas vidas ceifadas nos últimos anos por este
tipo de abuso. A metade das vítimas morreram contaminadas
pelo vírus da Aids, e os demais em mãos de intermediários
do comércio de sexo infantil, da polícia ou
dos próprios clientes.
Ramy Wurgarft, enviado do diário espanhol El Mundo,
denunciou, em maio deste ano, uma agência do mercado
de meninas escravas na região do Mato Grosso. Segundo
ele, tudo acontecia em uma antiga imprensa, supostamente transformada
em academia de baile. A princípio, os vizinhos elogiavam
a bondade desses senhores por ensinar algo útil a essas
meninas andrajosas. Mas depois começaram a estranhar
que as alunas fossem de tão pouca idade, entre 6 e
14 anos. Quando a polícia chegou ao edifício,
as meninas, os clientes e os professores haviam fugido. É
provável que alguém os tenha avisado. Duas irmãs,
Sônia e Letícia, narraram que um homem havia
prometido empregá-las para que fizessem serviço
doméstico em uma casa luxuosa. As meninas foram recebidas
para uma audiência em Guiratinga, onde foram maquiadas
e disfarçadas de adultas junto a outras companheiras.
Logo em seguida subiram a um palco e ali se viram transpassadas
por miradas lascivas de um público masculino. Um sujeito
gritou: Mil reais é o preço para esta
beldade de Caiaponia, sã e sem estrear! Quem disse
mil quinhentos? Demônios, amigos, que não estamos
em um leilão de melões. Dois mil? Ficamos em
doi mil? Sônia e Letícia compreenderam
que estavam frente a comerciantes do sexo infantil. Antes
que Sônia, a menor, pudesse escapar, ambas sofreram
violações por parte de seus captores. Quando
Sônia pôde fugir, tardou um ano para recuperar-se
da amnésia traumática que lhe provocaram as
violências sofridas. Sua irmã foi obrigada a
golpes a aceitar uma identidade falsa e teve como destino
Recife, um dos balneários onde o turismo sexual é
uma indústria perfeitamente organizada[6].
Conclusão
Todos
devemos ser parceiros no combate a qualquer forma de violação
dos direitos da pessoa humana, independente da faixa etária
em que ela se encontre. Esta exigência redobra quando
o lesado é a criança ou o adolescente, pois
tratamentos desumanos constituem a gênese da cultura
da violência.
Pelo
Artigo 13 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
"os casos de suspeita ou confirmação de
maus-tratos contra criança ou adolescente serão
obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva
localidade, sem prejuízo de outras providências
legais". As autoridades que podem receber as denúncias,
além dos Conselhos Tutelares, são: o Juiz da
Infância e da Juventude (antigo Juiz de Menores), a
polícia, o Promotor de Justiça da Infância
e da Juventude, os Centros de Defesa da Criança e do
Adolescente e os programas SOS-Crianças. Essas denúncias
podem ser feitas por qualquer cidadão.
*
Elizanias dos Reis Nascimento é religioso dominicano
e pesquisador da Rede Social de Justiça e Direitos
Humanos
--------------------------------------------------------------------
[1]
Fonte: www.andi.org.br
em 15/09/02, às hs. 22:00
[2]
Fonte: www.unicef.org.br
em 15/06/02 às hs: 22:15
[3]
Fonte: www.abrapia.org.br
em 27/07/02 às hs: 22:45
[4]
Este cálculo não inclui as crianças que
trabalharam apenas uma hora na semana
[5]
Fonte descrita na nota de Nº 1 em 15/06/02, ás
hs. 22:38
[6]
Fonte: www.adital.org.br
em 27/05/02 às hs. 22:20
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