Para o IBGE, o desemprego em janeiro de 2002 era de 7,88%
e a renda dos trabalhadores diminuiu, em média 9,7%
nos três anos do segundo mandato de FHC. Para o DIEESE,
a taxa de desemprego em janeiro de 2002 é de 17,8%.
O Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) de 2001,
divulgado pela Organização das Nações
Unidas (ONU), mostrou que, em comparação com
o ano 2000, o percentual de pessoas que vivem com até
US$ 1 por dia, no Brasil, subiu de 5,1% para 9%. As pessoas
que ganham até US$ 2 por dia passaram de 17,4% para
22%.
Reflexões
sobre a crise do Direito do Trabalho no Brasil
João
José Sady
O
Direito do Trabalho como traço da cidadania operária
A história da Humanidade passou por percalços
drásticos nas sucessivas reviravoltas no modo em que
as pessoas se relacionavam para obter os bens necessários
à sua subsistência. Enfrentamos períodos
em que os homens eram coisas (escravismo) ou quase-coisas
(feudalismo) submetidas à propriedade de seus senhores.
Nessa ponta da estrada, desembarcamos neste cenário
em que os homens são coisas que podem vender a si mesmas
(capitalismo).
A esta altura, o nosso leitor indignado haveria de reclamar:
homens não são coisas ! É verdade. E
este é justamente o problema de todos estes sistemas.
No modo de produção capitalista, o homem adquire
a liberdade econômica, ou seja, a propriedade de si
mesmo. A liberdade para vender sua força de trabalho
no mercado, ou seja, para vender a si mesmo.
Ao inaugurar este amanhecer sangrento, o Capital trouxe para
o mundo, um novo personagem que é a sua grande alavanca
em direção ao poder e, ao mesmo tempo, o sombrio
duplo negativo, permanentemente a colocar em xeque a estabilidade
do sistema. Tal personagem ambivalente é a grande massa
operária que vem para as cidades como um exército
de despossuídos. Um Trabalhador Coletivo que serve
ao capital e produz a sua riqueza, no mesmo passo em que,
a ele resiste e contra ele conspira pela sua destruição.
Ao longo dos séculos seguintes, um longo processo de
lutas prossegue de forma lenta, desigual e contraditória,
construindo a transformação desta coisa que
vende a si mesma em algo que só tem face concreta após
as duas grandes guerras mundiais: o cidadão. O trabalhador
que, no começo, limitara-se a trocar de senhor, deixando
de ser o servo da gleba para tornar-se o servo da fábrica,
vai se transformando numa pessoa com direitos.
De um lado, obtém direitos políticos que o tornam
um partícipe, ao menos teoricamente, do poder político.
De outro, adquire direitos sociais que modificam juridicamente
o seu papel nesta teia de relações. Aquele instrumento
de trabalho ambulante tinha como função na vida,
meramente, a atribuição de interagir com as
máquinas para produzir mercadorias. O avanço
da civilização, ou a luta de classes, conduzem-no
a outro patamar.
No novo cenário, aquela prestação de
serviços desgostosa, pavorosa e submetida torna-se
o centro da instituição democrática.
Na Constituição brasileira encontramos que um
dos fundamentos da nossa república é o valor
social do trabalho. A transmutação desta agonia
em valor social fundante do Estado de Direito passa pela intervenção
da Ordem Jurídica no interior da teia de relações
de produção. O braço jurídico
do Estado penetra nesse cadinho produtivo para estabelecer
que aquela prestação de serviços é
um componente essencial da vida humana.
O prestador de serviços é um homem livre, cuja
inserção na atividade produtiva funciona como
um contrato de adesão. A lei agrega um conjunto de
condições que se tornam as regras mínimas
do relacionamento entre empregado e empregador, postas como
vontade do Estado. Revestidas deste interesse de ordem pública,
tais cláusulas são ordens do Estado e não
podem ser renunciadas pelos trabalhadores.
Esta intervenção do Estado denomina-se de Direito
do Trabalho, ou seja, um conjunto de regras coativas postas
pela Ordem Jurídica para regular as relações
entre os homens no interior da atividade produtiva. Através
de tal mecanismo, completa-se o Estado de Direito onde os
homens terão cidadania política e cidadania
econômica.
O
Poder Normativo e os governos civis
Os
governo civis subseqüentes à ditadura militar
ingressam num longo período de Planos Econômicos
que intentavam debelar a inflação. O chamado
Plano Cruzado em l986 tenta a fórmula simplista de
segurar a espiral inflacionária por decreto. No fracasso,
intenta o Plano Bresser, que opera com um mecanismo de inflação
prefixada. Novo governo, apela para solução
ainda mais radical, congelando os depósitos bancários.
Nada vai funcionando e o Poder Normativo vai dançando
conforme a música, apoiando os planos em seu começo
e concedendo a reposição inflacionária
plena conforme o plano começa a fazer água.
Neste
período atribulado que chega ao auge em l993 com a
inflação anual de 2708,6%, o papel desempenhado
pelo poder normativo vai se transformando de modo substancial.
Encarregados da repressão aos conflitos coletivos com
o objetivo de impedir o crescimento da massa de salários,
os Tribunais, por seu lado, vão se encontrando com
a restauração democrática e o jogo de
forças de uma nova sociedade. Enquanto que no período
da ditadura militar, os Tribunais avocavam as greves para
obrigar a volta ao trabalho sem qualquer concessão,
nesta nova realidade, os trabalhadores é que começam
a recorrer, sistematicamente, ao Judiciário para obter
através de sentenças aquilo que não se
podia obter mediante a autotutela.
Tudo
não passava, contudo, de uma ilusão. Entre 1989
e 1992, o rendimento médio dos ocupados apresentou
notável declínio, passando a equivaler, nesse
último ano, a 66,1% do seu valor real registrado em
1989.
Esse
rendilhado relacionamento chega a uma etapa diferente com
o advento do Plano Real que coloca o problema da inflação
em outro patamar e reorganiza as relações de
trabalho vigentes no país. O modelo econômico
brasileiro encontra-se com o modelo globalizado de inserção
na ordem econômica mundial, com reflexos profundos no
mundo do trabalho e, conseqüentemente, na esfera do poder
normativo.
Encontrando
seu lugar no concerto dos países aderentes à
reorganização promovida pelo imperialismo a
nível mundial, o Brasil incorpora uma nova realidade
econômica que, numa síntese apertada, utiliza
como mecanismos principais de estabilização
a política cambial de supervalorização
da moeda e a política monetária de elevadas
taxas de juros. Talvez o resultado mais expressivo de tal
política possa ser entrevisto se observarmos que o
PIB estimado para 1999 (555 bilhões de dólares)
é praticamente o mesmo de 1994 (543 bilhões
de dólares).
Após
uma lua de mel inicial em que o Plano Real gerou efetivamente
o aumento médio dos rendimentos, a falência generalizada
deste modelo de inserção globalizada com as
sucessivas crises do México, Rússia, tigres
asiáticos etc, levaram à involução
deste ciclo e a uma queda acentuada da economia e dos rendimentos
dos trabalhadores. Aquela agência de intervenção
judicial nas relações coletivas não atrapalhou
o projeto FHC na fase de aquecimento inicial. No entanto,
quando esta nave avariada começa uma fase de aterrissagem
difícil, o poder normativo vai se tornando uma pedra
no sapato dos formuladores da política econômica.
Alguns
fatores foram decisivos para que a massa de salários
fosse colocada sob rigorosa contenção, fazendo
diminuir o poder de compra e reduzindo-se o rendimento médio
dos assalariados: recessão, as altas taxas de desemprego,
a reorganização do processo produtivo. Nesse
cenário onde o governo opera de modo a refrear o crescimento,
o poder normativo da Justiça do Trabalho vai restringindo
o poder patronal de reduzir os direitos dos trabalhadores
e continua a bater-se pela manutenção do valor
real dos salários determinando sistematicamente a reposição
das perdas inflacionárias.
Impõe-se,
portanto, a eliminação deste obstáculo
atípico que intervém de forma autônoma
nas relações coletivas, articulando uma linha
auxiliar de defesa da massa de salários. Para cumprir
com tal tarefa, o governo organizou-se mediante a cooptação
do topo do Judiciário do Trabalho.
A
partir do Tribunal Superior do Trabalho, começou a
tentar obrigar os Tribunais Regionais a não mais conceder
qualquer reajuste salarial ou condição de trabalho,
cessando com esta atividade legislativa atípica. Frustrado
esse esforço pela insistência dos Regionais em
cumprir com este papel, o sistema aperfeiçoou o poder
do Presidente do Tribunal Superior do Trabalho para cassar
de imediato tais concessões, tornando inócuo
e emasculado este foco de resistência. No mesmo passo,
faz caminhar no Congresso reforma constitucional que elimina
da Ordem Jurídica esta forma de poder atribuída
aos tribunais.
A
Justiça do Trabalho como instrumento para realização
forçada do Direito do Trabalho
Como
vimos, ao longo deste período, o lado gendarme da Justiça
do Trabalho organizado pela ditadura militar foi sofrendo
transformações substanciais. Enquanto isto ocorria,
tal agência enfrentava problemas ainda mais complicados
no campo da implementação dos direitos individuais.
Talvez
a pista para o entendimento da evolução dos
acontecimentos se encontre na seguinte observação
do professor Márcio Pochmann [1] :Entre as décadas
de 40 e 70, o mercado de trabalho apresentou fortes sinais
de estruturação em torno do emprego assalariado
regular e dos segmentos organizados da ocupação.
Em outras palavras, a presença de taxas elevadas de
expansão dos empregos assalariados com registro formal
em segmentos organizados e a redução da participação
relativa das ocupações sem registro, sem remuneração
e por conta própria, e ainda do desemprego, possibilitaram
a incorporação crescente de parcelas da população
economicamente ativa ao estatuto do trabalho brasileiro.
E mais adiante [2]: de cada cem empregos assalariados
gerados entre 1980 e 1991, cerca de 99 foram sem registro
e apenas um tinha registro ... em 1989, o total
de assalariados representava 64% da PEA e em 1995 havia passado
para 58,2%.
A
pesquisa realizada pelo DIEESE em conjunto com a SEADE, em
2000, divulga que [3]: apenas cerca de metade dos trabalhadores
é contratada segundo as regras vigentes, tendo acesso
às garantias oferecidas pela legislação
do trabalho. No entanto, a grande maioria está submetida
a alta rotatividade, baixos salários e jornadas de
trabalho extensas; o assalariamento sem carteira de trabalho
assinada e o trabalho autônomo constituem parte expressiva
do conjunto de ocupados, cuja precariedade de inserção
decorre da falta de acesso ao contrato de trabalho padrão,
da descontinuidade da relação de trabalho e
da instabilidade de rendimentos.
Naturalmente, este processo de desconstrução
do segmento do trabalho organizado, fazendo com que metade
das pessoas ocupadas esteja com acesso ao contrato de trabalho
imposto pela lei e a outra esteja alijada de tal direito,
gera um estado de altíssima tensão entre o mundo
dos fatos e o mundo das normas. Para a Ordem Jurídica,
todos estes milhões de trabalhadores assalariados sem
registro estão sendo vítimas de infração
à lei.
Não bastasse este tipo de infração à
lei, outras formas ainda mais poderosas de desconstrução
do direito do trabalho vicejam dentro mesmo do território
do trabalho organizado.
Os arautos da terceira revolução capitalista
hoje em curso proclamam como uma de suas virtudes a circunstância
de que a destruição de postos de trabalho por
ela provocada é gerada pela evolução
de um modelo fordista para o modelo toyotista. Assim,
a polivalência do obreiro na indústria, a política
do teamwork, redução de estoques,
teletrabalho, inovação tecnológica etc,
é que estariam gerando este fenômeno.
A verdade, contudo, é que a maior devastação
é produzida por outro fenômeno: a desconstrução
do átomo básico do Direito do Trabalho, que
é a relação de emprego protegida juridicamente,
entre o prestador e o tomador dos serviços. Tal processo
iniciou-se por aqui através da explosão do sistema
chamado de marchandage, onde se criam empresas
de fornecimento de mão-de-obra, alcunhado genericamente
de terceirização.
O empregado deixa de ser registrado pelo tomador de serviços
e é admitido pelo fornecedor, de modo a perder ou a
deixar de obter as vantagens que a lei ou a contratação
coletiva havia incorporado ao patrimônio jurídico
dos empregados do tomador. Na França, por exemplo,
tal procedimento é proibido desde 1982 no artigo L-125-1
do Code du Travail [4] : Toute opération à
but lucratif de fourniture de main-d"oeuvre qui a pour
effet de causer un préjudice au salarié qu'elle
concerne ou d'éluder l'application des dispositions
de la loi, de règlement ou de convention ou accord
collectif de travail, ou "marchandage", est interdite.
E a lei permite até que o sindicato respectivo aja
contra isto sem procuração dos empregados [5]:Les
organisations syndicales représentatives peuvent exercer
en justice toutes actions en application du présent
chapitre en faveur d'un salarié sans avoir à
justifier d'un mandat de l'intéressé....
Por aqui, contudo, a Justiça do Trabalho, que no início
via tal fenômeno com escândalo, com o tempo foi
alargando enormemente o âmbito de sua legalização,
já que até hoje inexiste legislação
de contenção a tal mecanismo brutal.
A utilização massiva deste expediente rústico
para livrar-se dos custos do Direito do Trabalho foi primeiro
alocada pelos bancos, antes de que a componente tecnológica
ganhasse o ímpeto de furacão mais recentemente
exibido. Na seqüência foi o poder público
que em todas as suas órbitas passou a utilizar de tal
mecanismo de forma agressiva.
Tal fenômeno expandiu-se para diversas formas de exteriorização
do trabalho. Desde a criação de cooperativas
de peões, engenheiros etc, até a partilha empresarial
do processo produtivo. Este último sistema, quebrando
a cadeia produtiva dentro da empresa e compartilhando o processo
de geração do produto com um enorme conjunto
de indústrias fabricantes de componentes, pulveriza
a relação de emprego, alijando os trabalhadores
da relação com a empresa principal. Tal modalidade
tem tido como grande alavanca o expediente das ISO 9000 que
garante a qualidade dos serviços prestados pelas empresas
associadas.
Desta breve exposição, evidencia-se que o país
enfrenta uma dicotomia profunda entre a Ordem Jurídica
e a realidade do mundo do trabalho. Praticamente a metade
dos trabalhadores que para o mundo das normas é tido
como empregado, na prática não desfruta de tal
direito. Dentre aqueles que são formalmente registrados,
um imenso contingente é excluído de uma série
de direitos legais através das diversas modalidades
de terceirização, tudo em fraude e confronto
com a lei.
A
Revolução dos Contratos
A
grande mística dos tempos recentes, orquestrada sob
o bombástico título de globalização,
gira em torno de que há um processo de destruição
de postos de trabalho gerada pela introdução
de novas tecnologias de produção e de organização
do trabalho. Estas duas componentes de modernização
estariam a gerar a eliminação de empregos
podres e sua substituição por empregos
sadios. Em tal cenário meio bucólico,
meio futurista, a lei da selva ressurgiria numa versão
high-tech, onde a chance no mercado de trabalho
estaria ao lado do mais apto. No caso, tal figura seria o
produtor com instrução aperfeiçoada,
afeito às novas tecnologias, línguas estrangeiras,
informática, polivalência etc..
Tal
novela, todavia, não se mostra real nem aqui e nem
no centro do capitalismo. Aqui e acolá, a verdadeira
revolução capitalista consiste na desmontagem
da relação fordista entre empregado
e empregador, através da redução da ligação
contratual entre um e outro.
Este
fenômeno dá-se através da massiva transferência
da relação contratual com a mão-de-obra
para os ombros de outra empresa que não aquela tomadora
principal dos serviços. A terceirização
do trabalho, utilizando empresas fornecedoras de força
de trabalho que servem de biombo na relação
entre o tomador e o prestador dos serviços. A exteriorização
do trabalho, utilizando empresas dependentes que produzem
os componentes dos produtos gerados. A precarização
do trabalho, repassando a mão-de-obra para relações
contratuais não trabalhistas, como a condição
de autônomo, cooperativado, ou até mesmo o puro
e simples trabalho sem registro.
A
introdução desta revolução contratual,
somada aos efeitos da recessão e seu parceiro perverso
o desemprego tiveram resultados significativos
nas relações de classe dentro do país,
exprimidas na composição dos rendimentos.
Já
vimos que o produto interno bruto brasileiro alcançava
quase 211 bilhões de dólares em l985 e chega
a 555 bilhões em 1999. A folha de pagamento real na
indústria brasileira, contudo, em fevereiro de 2000,
segundo o IBGE, correspondia a 78.97% daquela paga em média
em 1985:
Folha
de pagamento real (Número índice)
Brasil
Classes de indústrias = Indústria geral
Tipo de índice = Índice base fixa (Base:
média de 1985 = 100) |
Mês
|
fevereiro
2000
|
janeiro
2000
|
dezembro
1999
|
novembro
1999
|
outubro
1999
|
setembro
1999
|
agosto
1999
|
julho
1999
|
junho
1999
|
Maio
1999
|
abril
1999
|
março
1999
|
78,97
|
80,45
|
105,34
|
85,59
|
75,83
|
75,19
|
75,43
|
76,49
|
76,65
|
76,91
|
75,79
|
77,14
|
Fonte:
IBGE - Pesquisa Industrial Mensal - Dados Gerais
Nestes
15 anos, portanto, enquanto a massa de salários reduziu-se
em 20%, o PIB mais do que dobrou de volume. A Revolução
dos Contratos demonstra, assim, o poder avassalador de sua
dinâmica central: a capacidade de devorar custos salariais.
Podemos assistir na Argentina [6] o desenrolar dos fatos altamente
similar: A partir de 1991 se recurrió a la implementación
de modalidades de contratación laboral precarias con
el fin de alentar la mejora de empleo. El fracaso de este
intento lleva en 1995 a generalizar tal tipo de contrataciones
mediante la ley 24.465 y a configurar una categoría
especial de trabajadores de segunda (dependientes de PYMES
según ley 24.467) sin que lograra reducirse el empleo.
... Este cuadro de reformas legislativas argentinas del período
1991 a 1996 constituye una simple exteriorización de
la política social vigente en nuestro país cuya
principal característica fue tener por efecto una concentración
de riqueza. En este sentido, la página de internet
del Banco Interamericano de Desarrollo dentro del capítulo
"Situación Económica Reciente" para
la Argentina durante 1997, daba cuenta de lo siguiente: "Una
medición realizada en 1996 por el SIEMPRO (Sistema
de Información Monitoreo y Evaluación de Programas
Sociales, de la Secretaría de Desarrollo Social), revela
que entre 1991 y 1996 se produjo un proceso de concentración
social del ingreso. En octubre de 1996 el 20 % más
pobre de la población disfrutó del 7,1 % del
ingreso total, mientras que en mayo de 1991 obtenía
7,4 %; los 20 % más ricos recibieron el 43,9 % del
ingreso en 1991, y el 45,4 % en 1996. El SIEMPRO reconoce
que estos datos subestiman la participación de los
más ricos, pues ellos tienden a omitir parte de sus
ingresos. En el Gran Buenos Aires, el número de personas
clasificadas como pobre pasó de 16,9 %, en octubre
de 1993, a 26,6 % en mayo de 1996. La proporción de
indigentes era 4,4 %, en octubre de 1993, y 7,1 % en mayo
de 1996". Y en 1998 continuó la reforma laboral.
Por ley 25.013 fueron eliminadas la mayoría de las
modalidades precarias de contratación laboral. La misma
ley elimina el instituto de la integración del mes
del despido, disminuye las indemnizaciones por despido, fomenta
la atomización de la negociación colectiva,
recorta la ultractividad de los convenios colectivos de trabajo
y restringe los alcances de la responsabilidad laboral solidaria
en casos de concesiones o subcontrataciones
Enquanto no centro do capitalismo, o olho do furacão
está na empresa moderna que exterioriza o trabalho
organizando-o em empresas dependentes (sous-traitance),
na periferia tal modalidade restringe-se à fatia da
atividade industrial ocupada pelo grande capital. O epicentro
das mudanças por aqui gira em torno do que no centro
é tido até como delito, vale dizer, o simples
fornecimento de mão-de-obra (trafic de main-doeuvre)
através de empresas interpostas, ou famigeradas falsas
cooperativas.
Anote-se finalmente que, por aqui, o principal agente introdutor
desta revolução contratual é o próprio
Estado. Propalando aos quatro ventos haver substituído
o servidor estatutário por servidores estatutários,
o poder público vem utilizando com extrema selvageria
todas as formas de terceirização aqui mencionadas.
Em tal território, o efeito é o mesmo. Veja-se
que a participação da despesa com o pessoal
ativo na despesa geral da União [7] era de 63,6% em
l987 e está em 51,4% no ano 2000. Em 1990, em valores
reais, a União dispendeu R$ 34,4 bilhões com
pessoal e R$ 45,7 bilhões em 1999. No entanto, a despesa
com o pessoal ativo foi praticamente a mesma em 1990 e 1999
(de R$ 23.042 bilhões para R$ 23.842 bilhões
em 1999). Em 1988, o quantitativo dos servidores civis somados
aos empregados das estatais, no âmbito da União,
estava em 1 488 608 trabalhadores e, em 1999, havia se reduzido
para 871.918.
Os
reflexos do desmonte do trabalho organizado no Judiciário
A verdade é que esta situação de tensão
entre os fatos e as normas só poderia resultar numa
explosão do acesso dos trabalhadores ao órgão
de poder que tem como incumbência fazer valer aqueles
seus direitos violados desta forma numa escala antes nunca
vista. A reorganização das relações
de trabalho não fere o direito ao acesso aos direitos
atribuídos na lei, principalmente, pela inovação
tecnológica e as mudanças no processo produtivo.
A clivagem localiza-se fundamentalmente nestas novas técnicas
contratuais e na exclusão intensiva dos trabalhadores
em relação ao território da carteira
assinada.
Não se cuida de uma contradição entre
a lei vetusta e as novas formas de produção.
A contradição tem, de um lado, o direito do
trabalhador a uma relação de emprego juridicamente
protegida e, de outro, a avalanche das práticas empresariais
de exclusão do obreiro quanto a este direito, seja
pelo trabalho sem registro, seja pelas novas formas de contratação.
O resultado é a necessidade cada vez maior do obreiro
ter de recorrer ao judiciário para fazer valer os seus
direitos.
Vejamos a evolução da quantidade de processos
trabalhistas instaurados no Brasil nos últimos 30 anos.
Na primeira coluna temos o referencial do ano, na segunda
a quantidade de processos instaurados e na terceira, a de
processos resolvidos[8] .
1971-1975
|
2.042.441
|
1.945.653
|
1976-1980
|
3.037.948
|
2.762.994
|
1981-1985
|
4.232.785
|
3.913.091
|
1986-1990
|
5.582.119
|
4.967.282
|
1991-1995
|
9.744.846
|
8.981.483
|
1996-1999
|
9.511.335
|
9.430.616
|
O
esforço estatístico dos tribunais vai até
estes limites, de sorte a demonstrar que recebe mais processos
do que consegue julgar. A acumulação destes
processos pendentes de julgamento somados aos que se arrastam
nas execuções fornecem indicativos de que milhões
de processos encontram-se em andamento, mas não existem
dados disponíveis a este respeito.
É
preciso compreender que, basicamente, desdobram-se dois fenômenos
paralelos que refletem dialeticamente uns nos outros, mas
que tem cada qual uma dinâmica própria: desemprego
e desconstrução do trabalho organizado. Obviamente,
são interativos, recebendo alimento um do outro, mas
não nascem um do outro.
O desemprego é apanágio da recessão que
se mantém em função do tipo de política
econômica em vigor que privilegia as altas taxas de
juros, libera o fluxo de capital predatório internacional,
sucateia o parque industrial nacional e tenta a todo o custo
impedir as bolhas de consumo que, se alimentam
a produção (e, conseqüentemente, o emprego),
teoricamente, haveriam de estimular a inflação.
A recessão atingindo em cheio a grande empresa reduz
o crescimento do chamado emprego formal. É neste setor
que a chamada carteira assinada tem seu território
privilegiado. Dali para os andares de baixo, sempre houve
a tendência ao emprego sem registro, tendência
esta que se agudiza neste ciclo de baixa do crescimento econômico.
Daí porque o desemprego não atinge a Justiça
do Trabalho diretamente. A falta de emprego dá mais
fôlego a que os postos de trabalho na economia sejam
cada vez mais: a) informais; b) através do marchandage;
c) através da exteriorização da atividade.
Este crescimento do emprego contra-legem é
que se mostra o grande produtor de demandas trabalhistas.
Não se pode minimizar, outrossim, o papel do poder
público na formação deste incremento
da clientela do judiciário trabalhista. Veja-se que
a Assembléia Nacional Constituinte passou para a Justiça
do Trabalho a competência para conhecer dos litígios
trabalhistas contra o Estado. Desde essa época, o governo
federal desincorporou cerca de 600 mil trabalhadores, entre
servidores civis e empregados das estatais.
A partir deste cenário, bem se vê que a crise
da Justiça do Trabalho no Brasil não é
uma crise interna, própria do instrumento e que seja
solúvel a partir da reforma do judiciário. É
uma crise externa, própria do alargamento progressivo
do abismo entre fatos e normas.
As
reformas implementadas para enfrentar a crise da Justiça
do Trabalho
Estabelecido que o problema da Justiça do Trabalho
reside neste crescimento desmedido da proliferação
do ilícito, delineia-se em que ponta é preciso
operar para solucionar o impasse. As classes dominantes e
aqueles que as servem exibem a este respeito uma consciência
bem mais clara do problema do que aquela demonstrada pelos
grupos fora do poder. Daí porque elaboraram uma agenda
de reformas extremamente compatível com este pressuposto:
o ataque ao problema externo.
Nesse projeto, a redução dos litígios
teria como alavanca fundamental a eliminação
desta contradição entre fatos e normas, através
da desconstrução das normas, liberando o Capital
para aprofundar a reforma contratual que está sendo
promovida na prática das relações de
trabalho. A Justiça do Trabalho será aliviada
de sua crise à medida que o Direito do Trabalho vier
a ser destituído de suas funções de agente
interventor nas relações de produção.
Podemos sintetizar esta agenda na seguinte conformidade:
Eliminação da intervenção do Direito
do Trabalho nos conflitos coletivos de trabalho, retirando
o suporte da atividade jurisdicional, através da extinção
do poder normativo da justiça do trabalho.
Eliminação da intervenção do Direito
do Trabalho na garantia da rigidez dos contratos, através
da introdução da renunciabilidade individual
dos direitos, por meio da instituição de um
terreno onde possa dar-se legalmente a transação,
ao longo e no fim dos contratos.
Eliminação da intervenção do Direito
do Trabalho como garantia das grandes massas, através
da introdução da renunciabilidade coletiva dos
direitos, mediante a introdução da disponibilidade
dos direitos sociais constitucionalmente atribuídos
pela via da negociação coletiva (projeto de
reforma do artigo 618 da CLT).
Eliminação da intervenção do Direito
do Trabalho como elemento de suporte à ação
sindical, através do desmonte da estrutura sindical
autárquica, contando em que uma outra mais democrática
e eficaz não seja construída a curto prazo pelos
trabalhadores por causa: a) do momento do refluxo da luta
de classes; b) da inexistência de legislações
de sustento e fomento à negociação coletiva.
Para o IBGE [9], o desemprego em janeiro de 2002 é
de 7,88% e a renda dos trabalhadores diminuiu, em média
9,7% nos três anos do segundo mandato de FHC. Para o
DIEESE, a taxa de desemprego em janeiro de 2002 é de
17,8%[10]. O Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH)
de 2001, divulgado pela Organização das Nações
Unidas (ONU), mostrou que, em comparação com
o ano 2000, o percentual de pessoas que vivem com até
US$ 1 por dia, no Brasil, subiu de 5,1% para 9%. As pessoas
que ganham até US$ 2 por dia passaram de 17,4% para
22%.
Estes são os frutos da reforma: a redução
da renda e do emprego, o incremento da exclusão. O
Direito do Trabalho que está sendo construído
por esta reforma está na contramão da história.
As empresas lutam para ficar mais competitivas, eliminando
postos de trabalho e reduzindo a massa salarial. Para as empresas
isto é ótimo, mas para o país e o seu
povo, é cataclísmico. Assim, o Direito deveria
servir a desacelerar este processo e reduzir as mazelas sociais
dele decorrentes. Ao contrário, o que se está
fazendo é desobstruir o caminho para esta vertiginosa
corrida pela competitividade. A sociedade, como um todo, entretanto,
não ficará indene a estas macerações
e todo o ganho de renda das classes dominantes irá
retornar como um boomerang, sob a forma de criminalidade e
convulsão social.
A reflexão sobre tais pressupostos aponta para certas
hipóteses levantadas por Renato Janine Ribeiro[11]
: ...está ruindo a aceitação de
uma condição subalterna pelos pobres, mas não
rui por meio de uma reivindicação social bonita,
segundo um Habermas ou uma Hannah Arendt. Está ruindo
de maneira áspera, dura, agressiva. Manifesta-se, por
exemplo, em conflitos na rua entre pessoas, não entre
grupos... As mudanças sociais não
ocorrem necessariamente de maneira bonita. E, como o enfrentamento
social se traduz na crônica policial, não é
fácil decifra-lo como conflito social....
A derrota no conflito de classes, com a submissão dos
assalariados a esta condição subalterna, em
cujo cenário jurídico não se encontra
saídas para a sobrevivência dentro da legalidade,
está transferindo o conflito social para o território
da criminalidade. Derrotado o conflito no campo da luta política,
esta batalha transferiu-se para o campo da barbárie.
Neste outro território, os agressores do sistema não
buscam a liberdade e o igualitarismo, mas tornarem-se, também,
opressores, reproduzindo a ética do sistema que lhes
impõe a submissão. Esta é a marca da
maldição que o destino trouxe aos vitoriosos:
o anoitecer não lhes trará a paz e o alvorecer
não lhes dará segurança. O vulto sombrio
dos derrotados permanece à espreita, não mais
sob a forma de sindicatos e grevistas, mas encarnado na explosão
do banditismo.
João
Jose Sady, doutor em Direito do Trabalho, Coordenador da Comissão
de Direitos Humanos da Seccional Paulista da Ordem dos Advogados
do Brasil.
-----------------------------------------------------------------------
[1]
POCHMANN, Márcio O Trabalho sob fogo cruzado,
Editora Contexto, 1999 pag. 67
[2]
POCHMANN, Márcio idem, pgs. .72 e 75
[3]vide
site do DIEESE in http://www.seade.gov.br/cgi-bin/pedmv98/ped.ksh
[4]
vide site LEGIFRANCE in http://www.legifrance.gouv.fr/html/frame_codes_lois_reglt.htm
[5]
vide site LEGIFRANCE idem, ibidem
[6]
Mansuetti, Hugo Roberto in Armonización legislativa
del trabajo en la integración MERCOSUR
[7]
dados obtidos no site do MARE in http://www.servidor.gov.br/Publicacoes/Boletim/bol46_fev00.pdf
[8]
fonte: Tribunal Superior do Trabalho no site http://www.tst.gov.br/ASCS/JT-Brasil-Rec_Sol.htm
[9]
Folha de São Paulo, 27/02/2002
[10]
http://www.seade.gov.br/cgi-bin/pedmv98/ped_01.ksh
[11]
RIBEIRO, Renato Janine in Justiça e Lei,
na obra Reflexões sobre Justiça e Violência,
Educ, 2002, pag. 63
Voltar
|