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Relatórios


Para o IBGE, o desemprego em janeiro de 2002 era de 7,88% e a renda dos trabalhadores diminuiu, em média 9,7% nos três anos do segundo mandato de FHC. Para o DIEESE, a taxa de desemprego em janeiro de 2002 é de 17,8%. O Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) de 2001, divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU), mostrou que, em comparação com o ano 2000, o percentual de pessoas que vivem com até US$ 1 por dia, no Brasil, subiu de 5,1% para 9%. As pessoas que ganham até US$ 2 por dia passaram de 17,4% para 22%.

Reflexões sobre a crise do Direito do Trabalho no Brasil

João José Sady         

O Direito do Trabalho como traço da cidadania operária

A história da Humanidade passou por percalços drásticos nas sucessivas reviravoltas no modo em que as pessoas se relacionavam para obter os bens necessários à sua subsistência. Enfrentamos períodos em que os homens eram coisas (escravismo) ou quase-coisas (feudalismo) submetidas à propriedade de seus senhores. Nessa ponta da estrada, desembarcamos neste cenário em que os homens são coisas que podem vender a si mesmas (capitalismo).

A esta altura, o nosso leitor indignado haveria de reclamar: homens não são coisas ! É verdade. E este é justamente o problema de todos estes sistemas. No modo de produção capitalista, o homem adquire a liberdade econômica, ou seja, a propriedade de si mesmo. A liberdade para vender sua força de trabalho no mercado, ou seja, para vender a si mesmo.

Ao inaugurar este amanhecer sangrento, o Capital trouxe para o mundo, um novo personagem que é a sua grande alavanca em direção ao poder e, ao mesmo tempo, o sombrio duplo negativo, permanentemente a colocar em xeque a estabilidade do sistema. Tal personagem ambivalente é a grande massa operária que vem para as cidades como um exército de despossuídos. Um Trabalhador Coletivo que serve ao capital e produz a sua riqueza, no mesmo passo em que, a ele resiste e contra ele conspira pela sua destruição.

Ao longo dos séculos seguintes, um longo processo de lutas prossegue de forma lenta, desigual e contraditória, construindo a transformação desta coisa que vende a si mesma em algo que só tem face concreta após as duas grandes guerras mundiais: o cidadão. O trabalhador que, no começo, limitara-se a trocar de senhor, deixando de ser o servo da gleba para tornar-se o servo da fábrica, vai se transformando numa pessoa com direitos.

De um lado, obtém direitos políticos que o tornam um partícipe, ao menos teoricamente, do poder político. De outro, adquire direitos sociais que modificam juridicamente o seu papel nesta teia de relações. Aquele instrumento de trabalho ambulante tinha como função na vida, meramente, a atribuição de interagir com as máquinas para produzir mercadorias. O avanço da civilização, ou a luta de classes, conduzem-no a outro patamar.

No novo cenário, aquela prestação de serviços desgostosa, pavorosa e submetida torna-se o centro da instituição democrática. Na Constituição brasileira encontramos que um dos fundamentos da nossa república é o valor social do trabalho. A transmutação desta agonia em valor social fundante do Estado de Direito passa pela intervenção da Ordem Jurídica no interior da teia de relações de produção. O braço jurídico do Estado penetra nesse cadinho produtivo para estabelecer que aquela prestação de serviços é um componente essencial da vida humana.

O prestador de serviços é um homem livre, cuja inserção na atividade produtiva funciona como um contrato de adesão. A lei agrega um conjunto de condições que se tornam as regras mínimas do relacionamento entre empregado e empregador, postas como vontade do Estado. Revestidas deste interesse de ordem pública, tais cláusulas são ordens do Estado e não podem ser renunciadas pelos trabalhadores.

Esta intervenção do Estado denomina-se de Direito do Trabalho, ou seja, um conjunto de regras coativas postas pela Ordem Jurídica para regular as relações entre os homens no interior da atividade produtiva. Através de tal mecanismo, completa-se o Estado de Direito onde os homens terão cidadania política e cidadania econômica.

O Poder Normativo e os governos civis

Os governo civis subseqüentes à ditadura militar ingressam num longo período de Planos Econômicos que intentavam debelar a inflação. O chamado Plano Cruzado em l986 tenta a fórmula simplista de segurar a espiral inflacionária por decreto. No fracasso, intenta o Plano Bresser, que opera com um mecanismo de inflação prefixada. Novo governo, apela para solução ainda mais radical, congelando os depósitos bancários. Nada vai funcionando e o Poder Normativo vai dançando conforme a música, apoiando os planos em seu começo e concedendo a reposição inflacionária plena conforme o plano começa a fazer água.

Neste período atribulado que chega ao auge em l993 com a inflação anual de 2708,6%, o papel desempenhado pelo poder normativo vai se transformando de modo substancial. Encarregados da repressão aos conflitos coletivos com o objetivo de impedir o crescimento da massa de salários, os Tribunais, por seu lado, vão se encontrando com a restauração democrática e o jogo de forças de uma nova sociedade. Enquanto que no período da ditadura militar, os Tribunais avocavam as greves para obrigar a volta ao trabalho sem qualquer concessão, nesta nova realidade, os trabalhadores é que começam a recorrer, sistematicamente, ao Judiciário para obter através de sentenças aquilo que não se podia obter mediante a autotutela.

Tudo não passava, contudo, de uma ilusão. Entre 1989 e 1992, o rendimento médio dos ocupados apresentou notável declínio, passando a equivaler, nesse último ano, a 66,1% do seu valor real registrado em 1989.

Esse rendilhado relacionamento chega a uma etapa diferente com o advento do Plano Real que coloca o problema da inflação em outro patamar e reorganiza as relações de trabalho vigentes no país. O modelo econômico brasileiro encontra-se com o modelo globalizado de inserção na ordem econômica mundial, com reflexos profundos no mundo do trabalho e, conseqüentemente, na esfera do poder normativo.

Encontrando seu lugar no concerto dos países aderentes à reorganização promovida pelo imperialismo a nível mundial, o Brasil incorpora uma nova realidade econômica que, numa síntese apertada, utiliza como mecanismos principais de estabilização a política cambial de supervalorização da moeda e a política monetária de elevadas taxas de juros. Talvez o resultado mais expressivo de tal política possa ser entrevisto se observarmos que o PIB estimado para 1999 (555 bilhões de dólares) é praticamente o mesmo de 1994 (543 bilhões de dólares).

Após uma lua de mel inicial em que o Plano Real gerou efetivamente o aumento médio dos rendimentos, a falência generalizada deste modelo de inserção globalizada com as sucessivas crises do México, Rússia, “tigres asiáticos” etc, levaram à involução deste ciclo e a uma queda acentuada da economia e dos rendimentos dos trabalhadores. Aquela agência de intervenção judicial nas relações coletivas não atrapalhou o projeto FHC na fase de aquecimento inicial. No entanto, quando esta nave avariada começa uma fase de aterrissagem difícil, o poder normativo vai se tornando uma pedra no sapato dos formuladores da política econômica.

Alguns fatores foram decisivos para que a massa de salários fosse colocada sob rigorosa contenção, fazendo diminuir o poder de compra e reduzindo-se o rendimento médio dos assalariados: recessão, as altas taxas de desemprego, a reorganização do processo produtivo. Nesse cenário onde o governo opera de modo a refrear o crescimento, o poder normativo da Justiça do Trabalho vai restringindo o poder patronal de reduzir os direitos dos trabalhadores e continua a bater-se pela manutenção do valor real dos salários determinando sistematicamente a reposição das perdas inflacionárias.

Impõe-se, portanto, a eliminação deste obstáculo atípico que intervém de forma autônoma nas relações coletivas, articulando uma linha auxiliar de defesa da massa de salários. Para cumprir com tal tarefa, o governo organizou-se mediante a cooptação do topo do Judiciário do Trabalho.

A partir do Tribunal Superior do Trabalho, começou a tentar obrigar os Tribunais Regionais a não mais conceder qualquer reajuste salarial ou condição de trabalho, cessando com esta atividade legislativa atípica. Frustrado esse esforço pela insistência dos Regionais em cumprir com este papel, o sistema aperfeiçoou o poder do Presidente do Tribunal Superior do Trabalho para cassar de imediato tais concessões, tornando inócuo e emasculado este foco de resistência. No mesmo passo, faz caminhar no Congresso reforma constitucional que elimina da Ordem Jurídica esta forma de poder atribuída aos tribunais.

A Justiça do Trabalho como instrumento para realização forçada do Direito do Trabalho

Como vimos, ao longo deste período, o lado gendarme da Justiça do Trabalho organizado pela ditadura militar foi sofrendo transformações substanciais. Enquanto isto ocorria, tal agência enfrentava problemas ainda mais complicados no campo da implementação dos direitos individuais.

Talvez a pista para o entendimento da evolução dos acontecimentos se encontre na seguinte observação do professor Márcio Pochmann [1] :”Entre as décadas de 40 e 70, o mercado de trabalho apresentou fortes sinais de estruturação em torno do emprego assalariado regular e dos segmentos organizados da ocupação. Em outras palavras, a presença de taxas elevadas de expansão dos empregos assalariados com registro formal em segmentos organizados e a redução da participação relativa das ocupações sem registro, sem remuneração e por conta própria, e ainda do desemprego, possibilitaram a incorporação crescente de parcelas da população economicamente ativa ao estatuto do trabalho brasileiro”. E mais adiante [2]: “de cada cem empregos assalariados gerados entre 1980 e 1991, cerca de 99 foram sem registro e apenas um tinha registro” ... “em 1989, o total de assalariados representava 64% da PEA e em 1995 havia passado para 58,2%”.

A pesquisa realizada pelo DIEESE em conjunto com a SEADE, em 2000, divulga que [3]: “apenas cerca de metade dos trabalhadores é contratada segundo as regras vigentes, tendo acesso às garantias oferecidas pela legislação do trabalho. No entanto, a grande maioria está submetida a alta rotatividade, baixos salários e jornadas de trabalho extensas; o assalariamento sem carteira de trabalho assinada e o trabalho autônomo constituem parte expressiva do conjunto de ocupados, cuja precariedade de inserção decorre da falta de acesso ao contrato de trabalho padrão, da descontinuidade da relação de trabalho e da instabilidade de rendimentos”.

Naturalmente, este processo de desconstrução do segmento do trabalho organizado, fazendo com que metade das pessoas ocupadas esteja com acesso ao contrato de trabalho imposto pela lei e a outra esteja alijada de tal direito, gera um estado de altíssima tensão entre o mundo dos fatos e o mundo das normas. Para a Ordem Jurídica, todos estes milhões de trabalhadores assalariados sem registro estão sendo vítimas de infração à lei.

Não bastasse este tipo de infração à lei, outras formas ainda mais poderosas de desconstrução do direito do trabalho vicejam dentro mesmo do território do trabalho organizado.

Os arautos da terceira revolução capitalista hoje em curso proclamam como uma de suas virtudes a circunstância de que a destruição de postos de trabalho por ela provocada é gerada pela “evolução de um modelo fordista para o modelo toyotista”. Assim, a polivalência do obreiro na indústria, a política do “teamwork”, redução de estoques, teletrabalho, inovação tecnológica etc, é que estariam gerando este fenômeno.

A verdade, contudo, é que a maior devastação é produzida por outro fenômeno: a desconstrução do átomo básico do Direito do Trabalho, que é a relação de emprego protegida juridicamente, entre o prestador e o tomador dos serviços. Tal processo iniciou-se por aqui através da explosão do sistema chamado de “marchandage”, onde se criam empresas de fornecimento de mão-de-obra, alcunhado genericamente de “terceirização”.

O empregado deixa de ser registrado pelo tomador de serviços e é admitido pelo fornecedor, de modo a perder ou a deixar de obter as vantagens que a lei ou a contratação coletiva havia incorporado ao patrimônio jurídico dos empregados do tomador. Na França, por exemplo, tal procedimento é proibido desde 1982 no artigo L-125-1 do Code du Travail [4] : “Toute opération à but lucratif de fourniture de main-d"oeuvre qui a pour effet de causer un préjudice au salarié qu'elle concerne ou d'éluder l'application des dispositions de la loi, de règlement ou de convention ou accord collectif de travail, ou "marchandage", est interdite.” E a lei permite até que o sindicato respectivo aja contra isto sem procuração dos empregados [5]:“Les organisations syndicales représentatives peuvent exercer en justice toutes actions en application du présent chapitre en faveur d'un salarié sans avoir à justifier d'un mandat de l'intéressé...”.

Por aqui, contudo, a Justiça do Trabalho, que no início via tal fenômeno com escândalo, com o tempo foi alargando enormemente o âmbito de sua legalização, já que até hoje inexiste legislação de contenção a tal mecanismo brutal.

A utilização massiva deste expediente rústico para livrar-se dos custos do Direito do Trabalho foi primeiro alocada pelos bancos, antes de que a componente tecnológica ganhasse o ímpeto de furacão mais recentemente exibido. Na seqüência foi o poder público que em todas as suas órbitas passou a utilizar de tal mecanismo de forma agressiva.

Tal fenômeno expandiu-se para diversas formas de exteriorização do trabalho. Desde a criação de cooperativas de peões, engenheiros etc, até a partilha empresarial do processo produtivo. Este último sistema, quebrando a cadeia produtiva dentro da empresa e compartilhando o processo de geração do produto com um enorme conjunto de indústrias fabricantes de componentes, pulveriza a relação de emprego, alijando os trabalhadores da relação com a empresa principal. Tal modalidade tem tido como grande alavanca o expediente das ISO 9000 que garante a qualidade dos serviços prestados pelas empresas associadas.

Desta breve exposição, evidencia-se que o país enfrenta uma dicotomia profunda entre a Ordem Jurídica e a realidade do mundo do trabalho. Praticamente a metade dos trabalhadores que para o mundo das normas é tido como empregado, na prática não desfruta de tal direito. Dentre aqueles que são formalmente registrados, um imenso contingente é excluído de uma série de direitos legais através das diversas modalidades de terceirização, tudo em fraude e confronto com a lei.

A Revolução dos Contratos

A grande mística dos tempos recentes, orquestrada sob o bombástico título de globalização, gira em torno de que há um processo de destruição de postos de trabalho gerada pela introdução de novas tecnologias de produção e de organização do trabalho. Estas duas componentes de modernização estariam a gerar a eliminação de “empregos podres” e sua substituição por “empregos sadios”. Em tal cenário meio bucólico, meio futurista, a lei da selva ressurgiria numa versão “high-tech”, onde a chance no mercado de trabalho estaria ao lado do mais apto. No caso, tal figura seria o produtor com instrução aperfeiçoada, afeito às novas tecnologias, línguas estrangeiras, informática, polivalência etc..

Tal novela, todavia, não se mostra real nem aqui e nem no centro do capitalismo. Aqui e acolá, a verdadeira revolução capitalista consiste na desmontagem da relação “fordista” entre empregado e empregador, através da redução da ligação contratual entre um e outro.

Este fenômeno dá-se através da massiva transferência da relação contratual com a mão-de-obra para os ombros de outra empresa que não aquela tomadora principal dos serviços. A terceirização do trabalho, utilizando empresas fornecedoras de força de trabalho que servem de biombo na relação entre o tomador e o prestador dos serviços. A exteriorização do trabalho, utilizando empresas dependentes que produzem os componentes dos produtos gerados. A precarização do trabalho, repassando a mão-de-obra para relações contratuais não trabalhistas, como a condição de autônomo, cooperativado, ou até mesmo o puro e simples trabalho sem registro.

A introdução desta revolução contratual, somada aos efeitos da recessão e seu parceiro perverso – o desemprego – tiveram resultados significativos nas relações de classe dentro do país, exprimidas na composição dos rendimentos.

Já vimos que o produto interno bruto brasileiro alcançava quase 211 bilhões de dólares em l985 e chega a 555 bilhões em 1999. A folha de pagamento real na indústria brasileira, contudo, em fevereiro de 2000, segundo o IBGE, correspondia a 78.97% daquela paga em média em 1985:

Folha de pagamento real (Número índice)
Brasil
Classes de indústrias = Indústria geral
Tipo de índice = Índice base fixa (Base: média de 1985 = 100)
Mês
fevereiro
2000
janeiro 2000
dezembro 1999
novembro 1999
outubro
1999
setembro 1999
agosto 1999
julho 1999
junho
1999
Maio
1999
abril
1999
março
1999
78,97
80,45
105,34
85,59
75,83
75,19
75,43
76,49
76,65
76,91
75,79
77,14

Fonte: IBGE - Pesquisa Industrial Mensal - Dados Gerais

Nestes 15 anos, portanto, enquanto a massa de salários reduziu-se em 20%, o PIB mais do que dobrou de volume. A Revolução dos Contratos demonstra, assim, o poder avassalador de sua dinâmica central: a capacidade de devorar custos salariais.

Podemos assistir na Argentina [6] o desenrolar dos fatos altamente similar: A partir de 1991 se recurrió a la implementación de modalidades de contratación laboral precarias con el fin de alentar la mejora de empleo. El fracaso de este intento lleva en 1995 a generalizar tal tipo de contrataciones mediante la ley 24.465 y a configurar una categoría especial de trabajadores de segunda (dependientes de PYMES según ley 24.467) sin que lograra reducirse el empleo. ... Este cuadro de reformas legislativas argentinas del período 1991 a 1996 constituye una simple exteriorización de la política social vigente en nuestro país cuya principal característica fue tener por efecto una concentración de riqueza. En este sentido, la página de internet del Banco Interamericano de Desarrollo dentro del capítulo "Situación Económica Reciente" para la Argentina durante 1997, daba cuenta de lo siguiente: "Una medición realizada en 1996 por el SIEMPRO (Sistema de Información Monitoreo y Evaluación de Programas Sociales, de la Secretaría de Desarrollo Social), revela que entre 1991 y 1996 se produjo un proceso de concentración social del ingreso. En octubre de 1996 el 20 % más pobre de la población disfrutó del 7,1 % del ingreso total, mientras que en mayo de 1991 obtenía 7,4 %; los 20 % más ricos recibieron el 43,9 % del ingreso en 1991, y el 45,4 % en 1996. El SIEMPRO reconoce que estos datos subestiman la participación de los más ricos, pues ellos tienden a omitir parte de sus ingresos. En el Gran Buenos Aires, el número de personas clasificadas como pobre pasó de 16,9 %, en octubre de 1993, a 26,6 % en mayo de 1996. La proporción de indigentes era 4,4 %, en octubre de 1993, y 7,1 % en mayo de 1996". Y en 1998 continuó la reforma laboral. Por ley 25.013 fueron eliminadas la mayoría de las modalidades precarias de contratación laboral. La misma ley elimina el instituto de la integración del mes del despido, disminuye las indemnizaciones por despido, fomenta la atomización de la negociación colectiva, recorta la ultractividad de los convenios colectivos de trabajo y restringe los alcances de la responsabilidad laboral solidaria en casos de concesiones o subcontrataciones”

Enquanto no centro do capitalismo, o olho do furacão está na empresa moderna que exterioriza o trabalho organizando-o em empresas dependentes (“sous-traitance”), na periferia tal modalidade restringe-se à fatia da atividade industrial ocupada pelo grande capital. O epicentro das mudanças por aqui gira em torno do que no centro é tido até como delito, vale dizer, o simples fornecimento de mão-de-obra (“trafic de main-d’oeuvre”) através de empresas interpostas, ou famigeradas falsas cooperativas.

Anote-se finalmente que, por aqui, o principal agente introdutor desta revolução contratual é o próprio Estado. Propalando aos quatro ventos haver substituído o servidor estatutário por servidores estatutários, o poder público vem utilizando com extrema selvageria todas as formas de terceirização aqui mencionadas.

Em tal território, o efeito é o mesmo. Veja-se que a participação da despesa com o pessoal ativo na despesa geral da União [7] era de 63,6% em l987 e está em 51,4% no ano 2000. Em 1990, em valores reais, a União dispendeu R$ 34,4 bilhões com pessoal e R$ 45,7 bilhões em 1999. No entanto, a despesa com o pessoal ativo foi praticamente a mesma em 1990 e 1999 (de R$ 23.042 bilhões para R$ 23.842 bilhões em 1999). Em 1988, o quantitativo dos servidores civis somados aos empregados das estatais, no âmbito da União, estava em 1 488 608 trabalhadores e, em 1999, havia se reduzido para 871.918.

Os reflexos do desmonte do trabalho organizado no Judiciário

A verdade é que esta situação de tensão entre os fatos e as normas só poderia resultar numa explosão do acesso dos trabalhadores ao órgão de poder que tem como incumbência fazer valer aqueles seus direitos violados desta forma numa escala antes nunca vista. A reorganização das relações de trabalho não fere o direito ao acesso aos direitos atribuídos na lei, principalmente, pela inovação tecnológica e as mudanças no processo produtivo. A clivagem localiza-se fundamentalmente nestas novas técnicas contratuais e na exclusão intensiva dos trabalhadores em relação ao território da carteira assinada.

Não se cuida de uma contradição entre a lei vetusta e as novas formas de produção. A contradição tem, de um lado, o direito do trabalhador a uma relação de emprego juridicamente protegida e, de outro, a avalanche das práticas empresariais de exclusão do obreiro quanto a este direito, seja pelo trabalho sem registro, seja pelas novas formas de contratação. O resultado é a necessidade cada vez maior do obreiro ter de recorrer ao judiciário para fazer valer os seus direitos.

Vejamos a evolução da quantidade de processos trabalhistas instaurados no Brasil nos últimos 30 anos. Na primeira coluna temos o referencial do ano, na segunda a quantidade de processos instaurados e na terceira, a de processos resolvidos[8] .

1971-1975

2.042.441
1.945.653
1976-1980
3.037.948
2.762.994
1981-1985
4.232.785
3.913.091
1986-1990
5.582.119
4.967.282
1991-1995
9.744.846
8.981.483
1996-1999
9.511.335
9.430.616

O esforço estatístico dos tribunais vai até estes limites, de sorte a demonstrar que recebe mais processos do que consegue julgar. A acumulação destes processos pendentes de julgamento somados aos que se arrastam nas execuções fornecem indicativos de que milhões de processos encontram-se em andamento, mas não existem dados disponíveis a este respeito.

É preciso compreender que, basicamente, desdobram-se dois fenômenos paralelos que refletem dialeticamente uns nos outros, mas que tem cada qual uma dinâmica própria: desemprego e desconstrução do trabalho organizado. Obviamente, são interativos, recebendo alimento um do outro, mas não nascem um do outro.

O desemprego é apanágio da recessão que se mantém em função do tipo de política econômica em vigor que privilegia as altas taxas de juros, libera o fluxo de capital predatório internacional, sucateia o parque industrial nacional e tenta a todo o custo impedir as “bolhas de consumo” que, se alimentam a produção (e, conseqüentemente, o emprego), teoricamente, haveriam de estimular a inflação.

A recessão atingindo em cheio a grande empresa reduz o crescimento do chamado emprego formal. É neste setor que a chamada “carteira assinada” tem seu território privilegiado. Dali para os andares de baixo, sempre houve a tendência ao emprego sem registro, tendência esta que se agudiza neste ciclo de baixa do crescimento econômico.

Daí porque o desemprego não atinge a Justiça do Trabalho diretamente. A falta de emprego dá mais fôlego a que os postos de trabalho na economia sejam cada vez mais: a) informais; b) através do marchandage; c) através da exteriorização da atividade. Este crescimento do emprego “contra-legem” é que se mostra o grande produtor de demandas trabalhistas.

Não se pode minimizar, outrossim, o papel do poder público na formação deste incremento da clientela do judiciário trabalhista. Veja-se que a Assembléia Nacional Constituinte passou para a Justiça do Trabalho a competência para conhecer dos litígios trabalhistas contra o Estado. Desde essa época, o governo federal desincorporou cerca de 600 mil trabalhadores, entre servidores civis e empregados das estatais.

A partir deste cenário, bem se vê que a crise da Justiça do Trabalho no Brasil não é uma crise interna, própria do instrumento e que seja solúvel a partir da reforma do judiciário. É uma crise externa, própria do alargamento progressivo do abismo entre fatos e normas.

As reformas implementadas para enfrentar a crise da Justiça do Trabalho

Estabelecido que o problema da Justiça do Trabalho reside neste crescimento desmedido da proliferação do ilícito, delineia-se em que ponta é preciso operar para solucionar o impasse. As classes dominantes e aqueles que as servem exibem a este respeito uma consciência bem mais clara do problema do que aquela demonstrada pelos grupos fora do poder. Daí porque elaboraram uma agenda de reformas extremamente compatível com este pressuposto: o ataque ao problema externo.

Nesse projeto, a redução dos litígios teria como alavanca fundamental a eliminação desta contradição entre fatos e normas, através da desconstrução das normas, liberando o Capital para aprofundar a reforma contratual que está sendo promovida na prática das relações de trabalho. A Justiça do Trabalho será aliviada de sua crise à medida que o Direito do Trabalho vier a ser destituído de suas funções de agente interventor nas relações de produção. Podemos sintetizar esta agenda na seguinte conformidade:

Eliminação da intervenção do Direito do Trabalho nos conflitos coletivos de trabalho, retirando o suporte da atividade jurisdicional, através da extinção do poder normativo da justiça do trabalho.

Eliminação da intervenção do Direito do Trabalho na garantia da rigidez dos contratos, através da introdução da renunciabilidade individual dos direitos, por meio da instituição de um terreno onde possa dar-se legalmente a transação, ao longo e no fim dos contratos.

Eliminação da intervenção do Direito do Trabalho como garantia das grandes massas, através da introdução da renunciabilidade coletiva dos direitos, mediante a introdução da disponibilidade dos direitos sociais constitucionalmente atribuídos pela via da negociação coletiva (projeto de reforma do artigo 618 da CLT).

Eliminação da intervenção do Direito do Trabalho como elemento de suporte à ação sindical, através do desmonte da estrutura sindical autárquica, contando em que uma outra mais democrática e eficaz não seja construída a curto prazo pelos trabalhadores por causa: a) do momento do refluxo da luta de classes; b) da inexistência de legislações de sustento e fomento à negociação coletiva.

Para o IBGE [9], o desemprego em janeiro de 2002 é de 7,88% e a renda dos trabalhadores diminuiu, em média 9,7% nos três anos do segundo mandato de FHC. Para o DIEESE, a taxa de desemprego em janeiro de 2002 é de 17,8%[10]. O Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) de 2001, divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU), mostrou que, em comparação com o ano 2000, o percentual de pessoas que vivem com até US$ 1 por dia, no Brasil, subiu de 5,1% para 9%. As pessoas que ganham até US$ 2 por dia passaram de 17,4% para 22%.

Estes são os frutos da reforma: a redução da renda e do emprego, o incremento da exclusão. O Direito do Trabalho que está sendo construído por esta reforma está na contramão da história. As empresas lutam para ficar mais competitivas, eliminando postos de trabalho e reduzindo a massa salarial. Para as empresas isto é ótimo, mas para o país e o seu povo, é cataclísmico. Assim, o Direito deveria servir a desacelerar este processo e reduzir as mazelas sociais dele decorrentes. Ao contrário, o que se está fazendo é desobstruir o caminho para esta vertiginosa corrida pela competitividade. A sociedade, como um todo, entretanto, não ficará indene a estas macerações e todo o ganho de renda das classes dominantes irá retornar como um boomerang, sob a forma de criminalidade e convulsão social.

A reflexão sobre tais pressupostos aponta para certas hipóteses levantadas por Renato Janine Ribeiro[11] : “...está ruindo a aceitação de uma condição subalterna pelos pobres, mas não rui por meio de uma reivindicação social bonita, segundo um Habermas ou uma Hannah Arendt. Está ruindo de maneira áspera, dura, agressiva. Manifesta-se, por exemplo, em conflitos na rua entre pessoas, não entre grupos”... “As mudanças sociais não ocorrem necessariamente de maneira bonita. E, como o enfrentamento social se traduz na crônica policial, não é fácil decifra-lo como conflito social...”.

A derrota no conflito de classes, com a submissão dos assalariados a esta condição subalterna, em cujo cenário jurídico não se encontra saídas para a sobrevivência dentro da legalidade, está transferindo o conflito social para o território da criminalidade. Derrotado o conflito no campo da luta política, esta batalha transferiu-se para o campo da barbárie. Neste outro território, os agressores do sistema não buscam a liberdade e o igualitarismo, mas tornarem-se, também, opressores, reproduzindo a ética do sistema que lhes impõe a submissão. Esta é a marca da maldição que o destino trouxe aos vitoriosos: o anoitecer não lhes trará a paz e o alvorecer não lhes dará segurança. O vulto sombrio dos derrotados permanece à espreita, não mais sob a forma de sindicatos e grevistas, mas encarnado na explosão do banditismo.

João Jose Sady, doutor em Direito do Trabalho, Coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Seccional Paulista da Ordem dos Advogados do Brasil.

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[1] POCHMANN, Márcio “O Trabalho sob fogo cruzado”, Editora Contexto, 1999 pag. 67

[2] POCHMANN, Márcio idem, pgs. .72 e 75

[3]vide site do DIEESE in http://www.seade.gov.br/cgi-bin/pedmv98/ped.ksh

[4] vide site LEGIFRANCE in http://www.legifrance.gouv.fr/html/frame_codes_lois_reglt.htm

[5] vide site LEGIFRANCE idem, ibidem

[6] Mansuetti, Hugo Roberto in “Armonización legislativa del trabajo en la integración MERCOSUR”

[7] dados obtidos no site do MARE in http://www.servidor.gov.br/Publicacoes/Boletim/bol46_fev00.pdf

[8] fonte: Tribunal Superior do Trabalho no site http://www.tst.gov.br/ASCS/JT-Brasil-Rec_Sol.htm

[9] Folha de São Paulo, 27/02/2002

[10] http://www.seade.gov.br/cgi-bin/pedmv98/ped_01.ksh

[11] RIBEIRO, Renato Janine in “Justiça e Lei”, na obra “Reflexões sobre Justiça e Violência”, Educ, 2002, pag. 63

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