Em uma década, tivemos um crescimento de 9 milhões
de desempregados. Somente na Grande São Paulo, 20%
da população economicamente ativa está
desempregada. Significa que a cada 5 trabalhadores, 1 está
sem emprego.
O
trabalho na era FHC
O
trabalho humano é uma chave, provavelmente a chave
essencial de toda a questão social (Laborem exercens
Sobre o trabalho humano, 1981) João Paulo
II
Paulo
Cesar Pedrini
O
Plano Real
Quando pensamos no governo Fernando Henrique Cardoso, temos
que lembrar que ele se constitui em dois mandatos consecutivos.
O primeiro de 1995 a 1998 e o segundo de 1999 a 2002. Além
disso, é importante ressaltar um elemento indispensável
para compreendermos o período que foi o plano real.
Os efeitos do Plano Real (o grande responsável pela
primeira eleição de FHC) significou a ruptura
da trajetória da hiperinflação baseada
numa política de estabilização monetária.
Porém, isso gerou um risco, já que a expansão
do consumo não era compatível com essa estabilidade
do real, sendo assim, a melhoria do poder aquisitivo das classes
populares deveria estar sob controle.
A política econômica adotada nesse período
trouxe subprodutos inevitáveis, a dívida pública
aumentou de maneira significativa, apenas o serviço
da dívida externa atingiu os 236 bilhões de
dólares em 2000, a dívida mobiliária
(dívida em títulos) do governo em 1994 era de
cerca de R$ 59 bilhões e passou a ser de R$ 675 bilhões
em 2001. A taxa de juros praticada no Brasil é superior
a 18% ao ano, enquanto na maioria dos países está
abaixo de 3% ao ano, em média.
De certa forma, o Plano Real controlou a inflação,
porém, levou o país a um quadro de estagnação
econômica, o PIB (produto interno bruto) que em 1994
era de 5,9% caiu para 1,5% no primeiro semestre de 2002.
É
inegável que o Real acirrou ainda mais o que temos
de mais desigual, a distribuição de renda. A
desigualdade salarial registrada em 1999 diz que 50% ganham
menos de 13,9% do total da renda proveniente do exercício
do trabalho, enquanto os 50% que ganham mais ficam com 86,1
desse total.
A cesta básica, um dos indicadores do poder de compra
do trabalhador, variou cerca de 96,4%. No período de
julho de 1994 custava R$ 56,07 e passou a custar R$ 110,12
em maio de 2002.
Salário
mínimo
O
salário mínimo, teoricamente, deveria atender
às necessidades básicas do trabalhador para
que ele possa viver com o mínimo de dignidade, graças
a falta de sensibilidade de vários governos consecutivos,
fez com que ele se tornasse incapaz de cumprir o seu preceito
constitucional.
Nesse aspecto o Brasil está atrás de diversos
países, inclusive muitos que têm um nível
de desenvolvimento econômico abaixo do nosso. Além
disso, o salário mínimo também está
vinculado ao pagamento das aposentadorias, e os aposentados
nunca sofreram tanto quanto nesse período. O seu poder
de compra ficou completamente limitado, sofrendo brusca redução
na qualidade de vida. Como se não bastasse, o presidente
da República ainda chamou os aposentados de vagabundos.
O salário mínimo é um importante instrumento
de distribuição de renda, porém, em oito
anos, ele foi reajustado em apenas R$ 50,00; em 1995 o mínimo
era de R$ 150,00 e hoje atinge apenas R$ 200,00.
PLR
Participação nos Lucros e Resultados
A PLR se constitui numa possibilidade de avanço para
o movimento sindical, mas ela oferece riscos de retrocesso
à medida que temos a possibilidade de fortalecimento
do individualismo entre os trabalhadores. É um processo
que pode contribuir para aumentar a influência da classe
trabalhadora em aspectos importantes da reestruturação
produtiva, podendo levar à melhoria da qualificação
dos trabalhadores e das condições de trabalho.
Tudo isso, porém, exigirá uma grande responsabilidade
dos participantes da negociação, sejam eles
do governo, do empresariado, dos sindicatos e dos trabalhadores.
Custo
de vida
Durante o período de 1995 para cá, a inflação
cresceu 80%. No entanto, o custo de vida registra índices
bem mais altos: gás de cozinha, 472%; energia elétrica,
368%; água e esgoto, 420% e transporte urbano, 300%.
Os maiores aumentos foram verificados nos serviços,
sendo que nos dois primeiros anos predominou o aumento de
aluguéis, assistência médica e mensalidades
escolares, e a partir daí foram os serviços
públicos como telefonia, água e esgoto, eletricidade
e transporte coletivo, que apresentam os maiores reajustes.
Os produtos que mais subiram foram os administrados pelo governo,
basicamente os derivados de petróleo.
Vemos que nesses dados não estão registrados
nenhum bem de consumo que pode se optar por ter ou não.
São serviços essenciais que não podem
ficar de fora de nenhum orçamento familiar.
O dólar, que quando da implantação do
Real significava R$ 0,80, hoje está acima de R$ 3,00,
elevando em muito o custo dos produtos importados.
Privatização
e funcionalismo público
Durante o governo FHC, o funcionalismo público federal
amargou o maior arrocho salarial de sua história. O
reajuste salarial concedido pelo governo foi zero.
Além disso, tivemos o processo de privatizações
que contribuiu em muito para o desmantelamento do Estado brasileiro,
serviços essenciais como telefonia, distribuição
de energia elétrica, telecomunicações,
além de setores e empresas importantes, como CSN
Companhia Siderúrgica Nacional, Usiminas, Banespa,
Eletropaulo, Telesp, Vale do Rio Doce, entre outras.
Com as privatizações que causam desemprego
em massa diretamente (sem falar dos indiretos) , tivemos
também uma piora significativa na qualidade dos serviços
prestados, já que profissionais com 10,15 e até
20 anos de experiência no ramo eram substituídos
por pessoas sem experiência e despreparadas, visando
ainda mais lucro.
A privatização gerou ainda mais dependência
econômica externa, sem falar da entrega de setores estratégicos
como telecomunicações e energia elétrica
para o capital internacional. Isso também faz com que
nos sintamos cada vez menos uma nação de fato
livre e soberana.
Jornada
de trabalho
A grande bandeira do movimento sindical internacional é
a redução da jornada como medida efetiva de
combate ao crescente desemprego. É uma luta importantíssima
porque é uma maneira concreta de partilhar a produtividade
alcançada com as novas tecnologias e métodos
organizacionais.
Esse é um dos poucos aspectos sobre o qual as diversas
centrais sindicais concordam. Existe uma proposta da CUT,
Força Sindical e CGT de promover a redução
da jornada de trabalho através de emenda popular à
Constituição Federal; a redução
de 44 para 40 horas geraria cerca de 1,7 milhões de
empregos.
Flexibilização
da legislação trabalhista e precariedade no
mundo do trabalho
A reforma da previdência aumentou em cinco anos o tempo
de trabalho (contribuição) para homens e mulheres,
o tempo de serviço passou a ser tempo de contribuição,
além da imposição de idade mínima
de 54 anos para aposentadoria.
A precarização do mercado de trabalho brasileiro
vem se tornando uma prática comum, a carteira assinada,
que era exibida com orgulho pelo trabalhador, hoje passou
a ser cada vez mais rara. O trabalho informal cresce sensivelmente
e com ele algumas novas profissões, como
perueiros, camelôs etc.
Essa política visa retirar direitos sociais e trabalhistas
conquistados ao longo de décadas pelo movimento operário.
Como se não bastasse, ainda temos a perda da contribuição
para a Previdência Social por parte dos trabalhadores
que estão no mercado informal.
Trabalho
escravo
Segundo dados recentes (Folha de S. Paulo, 06/10/02) cerca
de 10 mil trabalhadores vivem em condição de
escravidão, e a maioria dos casos concentra-se nas
regiões Norte e Nordeste do país. A informação
é da Comissão Especial para o Combate ao Trabalho
Escravo do Ministério da Justiça.
O desemprego elevado somado à impunidade para quem
pratica essa violação aos direitos humanos são
apontados como grandes razões para justificar a presença
de escravos no país.
As principais denúncias da CPT Comissão
Pastoral da Terra e do Ministério Público do
Trabalho descrevem o mapa do trabalho escravo no país.
As regiões de maior incidência de casos e tipos
de atividade são sul e sudeste do Pará (madereiras),
Mato Grosso do Sul (carvoarias), Tocantins (extração
de madeira e mineração), Maranhão (carvoarias
e agricultura), São Paulo (confecção)
e Rio Grande do Sul (colheita de maçã).
As principais formas de coação denunciadas são
ameaças de morte e de espancamento caso tentem fugir
do local de trabalho, agressão física, restrição
do direito de ir e vir por ser de difícil acesso o
local de trabalho, além da obrigação
dos trabalhadores de contraírem dívidas com
transporte e compra de alimentos a preços exorbitantes,
sem que consigam quitá-los.
No que se refere às principais formas de exploração
no trabalho degradante, temos alojamentos inadequados, falta
de água potável, alimentação precária
e contratos de trabalho irregulares.
De 1995 a 2002, 4.900 escravos foram libertos pelos grupos
móveis que integram o Gertraf (Grupo Executivo de Repressão
ao Trabalho Forçado). Destes, 1.468 foram resgatados
este ano.
Trabalho
no campo
Embora fale muito em reforma agrária o governo FHC
pouco fez nesse sentido. O latifúndio continua expulsando
do campo milhões de trabalhadores para as cidades.
Sem contar a perseguição política que
sofre o MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra. Não podemos nos esquecer do massacre de Eldorado
dos Carajás no estado do Pará, onde 19 trabalhadores
rurais foram brutalmente assassinados.
É
importante ressaltar que tomar qualquer medida efetiva para
combater o desemprego sem realizar de fato a reforma agrária
é uma proposta enganosa. Levando em conta que a reforma
agrária não se trata apenas de distribuir terra,
é necessário garantir a infra-estrutura para
que o trabalhador rural possa se manter na terra produzindo.
Desemprego
Se há algo que de fato caracterize a era FHC no mundo
do trabalho é o crescente desemprego. A política
adotada por esse governo pretendia precarizar as relações
trabalhistas, baixar o custo do trabalhador para as empresas,
fazendo com que o desemprego caísse.
Porém, passados oito anos dessa política, o
país enfrenta um grave quadro de estagnação
econômica e baixas taxas de investimento. Pode-se afirmar
que os resultados não foram nada satisfatórios
para os trabalhadores de um modo geral.
Em uma década tivemos o crescimento de 9 milhões
de desempregados. Somente na Grande São Paulo temos
cerca de 20% do PEA (população economicamente
ativa) desempregada, ou seja, de cada 5 trabalhadores, 1 está
desempregado.
Se compararmos o nível de emprego no setor industrial,
tivemos uma queda de 30%, tendo por base o final dos anos
80. E a combinação da reestruturação
produtiva (incluída forte abertura comercial da economia
brasileira, iniciada por Collor e continuada por FHC) com
a falta de crescimento da economia nacional levou a esse quadro.
Fica difícil obter um desenvolvimento sustentável
com geração de emprego, de renda e de oportunidades
para todos os brasileiros, sob uma economia estagnada, porém,
sabemos que não basta fazer a economia crescer. Vale
lembrar que esse discurso já vinha do milagre econômico
do regime militar nos anos 70: Temos que fazer o bolo
crescer para depois reparti-lo. Essa era a fala do ministro
da fazenda do período. Sabemos que o bolo cresceu (e
muito) e a imensa maioria do povo não viu nem a velinha,
quanto mais o bolo. Não é apenas uma questão
de crescimento econômico. Temos que, de fato, redistribuir
renda. Só assim caminharemos para uma sociedade mais
justa.
As alterações ocorridas nas estruturas ocupacionais
e a elevação das taxas de desemprego presentes
em nossa sociedade tendem a reforçar a desproteção
social (legislação trabalhista) de expressiva
parcela dos trabalhadores, além de elevar a índices
nunca vistos não só o desemprego, mas também
o trabalho precário.
A taxa de desemprego na Grande São Paulo, que em 1996
estava na faixa de 15,1%, salta para 20,4% em abril de 2002.
Com a estagnação econômica não
há geração de empregos e com isso temos
o crescimento do trabalho alternativo, os bicos, que se tornam
cada vez mais espassos. Essas pessoas chegam a ficar 4 anos
buscando um emprego. Cerca de 20% da população
está desempregada e o tempo médio de procura
gira em torno de 54 semanas. Isso sem falar a dificuldade
de empregar jovens sem experiência e também pessoas
acima de 40 anos, que têm dificuldades para se reinserir
no mercado de trabalho.
Conclusão
Durante esse governo o Brasil atingiu índices de desemprego
aviltantes, sem contar o aumento indiscriminado do subemprego
e do trabalho informal, além da permanência do
trabalho escravo em pleno século XXI. Assim, o trabalhador
se encontra em um momento muito delicado, pois a qualquer
momento pode ser descartado pelo sistema.
A legislação trabalhista que garante direitos
sociais importantes vem sofrendo alterações
significativas que levam os trabalhadores a uma situação
de total desamparo por parte do Estado.
O movimento sindical, que historicamente cumpre o papel de
representar e lutar pelos interesses dos trabalhadores, vive
um momento muito delicado, já que no lugar de conquistar
novos postos de trabalho, melhores salários e condições
de vida para a classe trabalhadora, limita-se a tentar manter
os empregos já existentes.
A política econômica agravou a exclusão
social. Com isso, tivemos o aumento crescente da violência,
que levou o tema da segurança pública para o
centro do debate nacional. Para o emprego e a renda do trabalhador,
a era FHC pode ser considerada perdida.
PAULO
CESAR PEDRINI Historiador e Coordenador da Pastoral
Operária Metropolitana SP
Bibliografia:
A Situação do Trabalho no Brasil, São
Paulo, DIEESE, 2001.
Anuário do Trabalhadores 2000/2001 DIEESE.
ANOTE Informativos do DIEESE.
A Fraternidade e os Desempregados: Sem Trabalho ... Por Quê?,
CNBB, São Paulo, Ed. Salesiana, 1999.
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