O impacto concreto dessa política para a população
foi o que alguns autores denominam a regressão
do trabalho na era FHC. No mundo do trabalho podemos
identificar quatro efeitos principais (Borges e Pochmann,
2002). Primeiro, uma explosão do desemprego. O governo
FHC produziu um milhão de desempregados a mais em cada
um dos seus oito anos de mandato. Segundo, uma corrosão
do valor dos salários (segundo o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística, a renda real do trabalhador
está em queda continuada desde 1998, tendo acumulado
perda de 10,8%). Terceiro, um crescimento assustador do mercado
informal (isto é, do trabalho precário) que
abrange dois terços da população ocupada.
Finalmente, o desmonte da legislação de proteção
aos trabalhadores.
A
dimensão internacional de um projeto excludente
Gustavo
Codas
O
projeto neoliberal vem sendo implantado desde 1990 através
da ação dos sucesivos governos federais. Esse
processo tem combinado medidas que transformam a estrutura
econômica interna (privatizações, abertura
comercial, desregulamentações) com a assunção
de compromissos internacionais que definem uma maneira subordinada
de inserção do país no mercado mundial
capitalista. Criou-se, assim, um marco econômico e social
no qual é natural o não atendimendo
de direitos básicos aos quais aspira a população.
No atual momento, a principal iniciativa que aponta nesse
sentido é a negociação da Área
de Livre Comercio das Américas (ALCA).
Foi
com o Plano Real (1994) que o governo federal acelerou a implementação
do projeto neoliberal no país. Em inícios da
década de 1990 havia no mundo uma massa de capitais
internacionais à procura de oportunidades de investimentos.
Atrair esses capitais para dentro do país passou a
ser o foco da política econômica brasileira.
O
conjunto de transformações neoliberais da estructura
econômica tinha por objetivo criar oportunidades de
negócios para que esses capitais internacionais se
orientassem ao Brasil já que o país disputava
com outros mercados emergentes a destinação
desses investimentos.
Empresas
públicas foram privatizadas e empresas privadas nacionais
vendidas aos capitais internacionais. Foram promovidas sucessivas
ondas de liberalização comercial que favoreceram
a estratégia mundial das grandes corporações
multinacionais, desobrigando-as de gerar cadeias produtivas
locais. A circulação de capitais foi desregulamentada
de forma a permitir a livre entrada e saída de investidores
e especuladores. E quando as oportunidades de negócios
na esfera da produção e das privatizações
não se mostravam suficientemente atrativas, o Estado
aumentava os juros pagos na espiral do endividamento público
para elevar as taxas de lucro dos investidores e assim atraí-los
para dentro do país.
Ao
mesmo tempo em que a política econômica buscava
atrair capitais internacionais, fazia com que o país
ficasse mais dependente deles. Sem esse ingresso de divisas
as contas externas não fechavam porque
o país tinha que remeter ao exterior um volume crescente
de recursos em conceito de remessa de lucro das multinacionais,
de pagamento da dívida externa, de gastos em serviços
etc. Isto é, a necessidade de atrair capitais internacionais
passou a ser uma necessidade objetiva, não
uma opção.
Esse
processo assumiu um caráter dramático a partir
de 1997, quando a crise dos tigres asiáticos
deflagrou uma seqüência de crises econômicas
e financeiras pelo mundo que tem seu ponto alto na recessão
dos Estados Unidos em 2001, o que restringiu muito a oferta
mundial de capitais para os mercados emergentes.
Nesse contexto, a política econômica nacional
se fez mais servil e as atitudes dos capitais internacionais
mais voraz.
O
impacto concreto dessa política para a população
foi o que alguns autores denominam a regressão
do trabalho na era FHC. No mundo do trabalho podemos
identificar quatro efeitos principais (Borges e Pochmann,
2002). Primeiro, uma explosão do desemprego. O governo
FHC produziu um milhão de desempregados a mais em cada
um dos seus oito anos de mandato. Segundo, uma corrosão
do valor dos salários (segundo o Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística, a renda real do trabalhador
está em queda continuada desde 1998, tendo acumulado
perda de 10,8%). Terceiro, um crescimento assustador do mercado
informal (isto é, do trabalho precário) que
abrange dois terços da população ocupada.
Finalmente, o desmonte da legislação de proteção
aos trabalhadores.
Esse
último ponto é importante porque mostra o caráter
perverso do modelo. A cada passo em que as medidas do governo
provocavam aumento do desemprego e da precarização,
seus porta-vozes exigiam que fossem introduzidas mudanças
na legislação de proteção ao trabalho
que, segundo eles, iriam propiciar o aumento do emprego.
Os
trabalhadores passaram a ser expremidos pela ameaça
crescente do desemprego, por um lado, e pelo discurso de que
para se criar emprego deveriam se reduzir direitos, por outro.
Uma série de projetos de leis, decretos e portarias
ministeriais foram implementados para baratear e facilitar
as demissões, para criar formas de contratação
com direitos trabalhistas reduzidos etc. Para conter o descontentamento
operário, governo e judiciário tiveram uma série
de iniciativas visando a criminalização do direito
de greve (decretando a ilegalidade de movimentos e aplicando
multas monetárias a categorias que paralizavam os trabalhos).
Mais
recentemente o governo fez aprovar um projeto de lei (que
altera o artigo 618 da CLT) na Câmara Federal, permitindo
que as empresas não cumpram direitos estabelecidos
na legislação trabalhista, desde que um acordo
com o sindicato da categoria tenha sido assinado nesse sentido.
Somando-se a extrema fragilização da organização
sindical no contexto do desemprego crescente à existência
de uma maioria de sindicatos de carimbo (isto
é, sem nenhuma atividade sindical real e dominados
por uma burocracia corrupta) pode-se imaginar o impacto brutal
que tal medida teria sobre o cenário dos direitos trabalhistas
no país. Esse projeto está tramitando agora
no Senado Federal.
Se,
por um lado, os trabalhadores vêm sendo empurrados para
fora do emprego e do mercado formal, por outro lado, o Estado
vem se furtando de sua obrigação de prover um
atendimento universal dos direitos básicos da população.
O modelo implantando desde os anos 90 aumentou brutalmente
o endividamento público e para ter garantia de que
o governo federal vai honrar os contratos os capitais
internacionais, através do FMI, pressionam o governo
a produzir superavit primário nas contas
públicas (isto é, a gastar com investimentos
e atendimento à população muito menos
do que arrecada com os impostos, de forma a que haja um farto
excedente para pagar os credores do Estado). Ao contrário
de um Estado preocupado com a implementação
universal dos direitos básicos da população,
com as migalhas que sobram no orçamento público,
apenas é possível desenvolver políticas
sociais compensatórias e focalizadas junto
às populações mais vulneráveis.
É
perceptível o desgaste político que o modelo
neoliberal vem sofrendo nos mais diversos países desde
finais da década de 90. Na América Latina, mobilizações
populares ou manifestações através do
voto (ou ambas as coisas) têm expressado o repúdio
da população à herança que tal
política provocou em muitos países da região.
Lutas indígenas no México, Equador e Bolivia,
mobilizações sindicais e populares contra privatizações
no Peru e na Bolívia, manifestações de
camponeses no Paraguai e Brasil, campanhas contra a militarização
nos países andinos, ações contra a impunidade
no Peru, Argentina, Uruguai e Guatemala, mobilizações
de mulheres contra a pobreza e a violência sexista em
vários países do continente são alguns
dos capítulos das lutas populares dos últimos
anos.
O
ambiente eleitoral no Brasil em 2000 e 2002 exprimiu claramente
a mesma tendência. A adesão e legitimidade que
têm conquistado importantes lutas populares, como as
dos camponeses sem terra, também são um indicador
importante de que está havendo uma alteração
na correlação de forças na sociedade
brasileira.
Nesse
exato momento onde se exprime com força o esgotamento
político do modelo neoliberal, o grande capital internacional
busca impor ao país medidas para dar uma sobrevida
a esse projeto, pretendendo manter suas linhas mestras independentemente
de para onde apontam os humores políticos da população.
Trata-se
do recente acordo assinado com o FMI, que tem por objetivo
garantir o funcionamento do circuito infernal do capital especulativo
através das contas externas e públicas do país.
Mas é o caso sobretudo do que vem sendo negociado no
marco da ALCA (Área de Livre Comércio das Américas).
Tal
projeto reforça e aprofunda, em primeiro lugar, um
traço do projeto neoliberal: a abertura indiscriminada
ao comércio internacional, no caso, com um potencial
devastador por conta das sensíveis vantagens em matéria
de tecnologia e produtividade que a indústria norte-americana
tem sobre a brasileira. Mas, apesar do nome, a ALCA não
se restringe a um acordo comercial.
A
ALCA busca definir regras para todos os países do continente
(excluída apenas Cuba) em todas as principais áreas
sensíveis para um projeto de desenvolvimento nacional.
Tem um capítulo sobre investimentos que reforça
a liberdade de circulação dos capitais assim
como dá garantias aos investidores contra possíveis
medidas que os países queiram adotar em defesa da sua
economia, sua populacão ou seu meio ambiente. Contempla
um conjunto de medidas visando garantir o monopólio
que as grandes corporações norte-americanas
têm sobre conhecimentos tecnológicos. Prioriza
o crescimento do agribusiness em detrimento dos camponeses
e das comunidades indígenas. Pretende que todo e qualquer
serviço (considerando como tal tanto bancos
como a saúde e educação) seja transformado
em terreno de negócios dos capitais internacionais.
Quer tirar dos governos nacionais os instrumentos com que
conta para induzir o desenvolvimento junto a setores excluídos
ou regiões econômica e socialmente mais atrasadas.
Esse
conjunto de medidas em discussão no marco da ALCA,
se aprovadas, seriam a coroação
do processo de implantação do neoliberalismo
no continente o Brasil incluído. A agenda da
ALCA tem e reforça todos os elementos fundamentais
do modelo que provocou exclusão social nos anos 90
e lhes dá um novo status, o de acordo internacional
que deve ser seguido por cada um dos governos sob pena de
ser punido através de mecanismos de resolução
de disputas que o próprio tratado contempla.
A
negociação da ALCA, que vem sendo feita em reuniões
fechadas à participação da sociedade
civil e sem que os governos forneçam uma informação
pública qualificada, não somente está
sendo encaminhada de forma anti-democrática, mas pretende
esvaziar o conteúdo da democracia e da soberania em
nossos países.
Em
resposta a esse processo um amplo leque de organizações
sociais do nosso continente vem se mobilizando. Em abril de
2001, em contraposição ao encontro de presidentes
dos países que estão negociando a ALCA, os movimentos
sociais de todas as nações do continente americano
reuniram-se na IIa Conferência dos Povos em Quebec (Canadá),
convocada pela Aliança Social Continental, e num marco
unitário e massivo aprovaram uma resolução
que diz um claro e continental Não à ALCA!.
Nessa
mesma declaração, chamava-se a um processo de
consulta popular no continente, de forma a que os povos se
manifestassem sobre a posição de seus governos
no marco da ALCA. A campanha continental contra a ALCA foi
inaugurada no Brasil de 1° a 7 de setembro de 2002, quando
milhares de militantes dos diversos movimentos sociais organizaram
uma consulta popular, respondida por mais de 10 milhões
de pessoas que, por amplíssima maioria, manifestaram-se
contrários a que o país assine o acordo e a
que continue participando das negociações.
Foi
o primeiro passo de uma luta nacional e continental contra
um projeto de fôlego que tem o governo dos EUA como
seu principal promotor. O grande desafio é agora combinar
as mobilizações e ações contra
a ALCA com aquela saga de lutas populares contra as mazelas
do projeto neoliberal que vem se desenvolvendo desde finais
da década de 90.
Gustavo
Codas é economista, jornalista e Assessor da Central
Única dos Trabalhadores (CUT)
Bibliografia
Arroyo,
Alberto (org.). Resultados del Tratado de Libre Comercio de
América del Norte en México: Lecciones para
la negociación del ALCA. RMALC, Ciudad de México,
2001.
Borges,
Altamiro e Marcio Pochmann. Era FHC A regressão
do trabalho. Editora Anita Garibaldi, São Paulo, 2002.
Campanha
Nacional contra a ALCA. Para entender a ALCA. Ed. Loyola,
São Paulo, 2002.
Freitas,
Carlos Eduardo.. Precarização e leis do trabalho
nos anos FHC. CUT, São Paulo, 2001.
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