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Relatórios

Introdução

Apesar das expectativas da sociedade que espera mudanças no cenário político, o Brasil continua a apresentar um triste panorama de violações dos direitos fundamentais. Com a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os movimentos populares fortaleceram sua organização para cobrar demandas históricas como reforma agrária, homologação de terras indígenas, acesso 'a educação, moradia, saúde, trabalho e justiça social.

Em 2003, presenciamos o aumento do número de assassinatos de trabalhadores rurais e lideranças indígenas. De janeiro a outubro desse ano, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) registrou 22 casos de indígenas assassinados e um desaparecido. Este foi o maior índice nos últimos dez anos. Em 2002, ocorreram sete assassinatos de indígenas. O movimento indígena espera maior comprometimento do governo e a revogação do Decreto 4.412/2002, que permite a instalação de unidades militares e policiais em suas terras.

O ano de 2003 foi marcado por forte violência contra trabalhadores sem terra. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), de janeiro a novembro ocorreram 61 assassinatos de camponeses, sendo registrados 35 no estado do Pará. Em 2001 ocorreram 29 assassinatos de trabalhadores rurais e em 2002 esse número subiu para 43. Essas comunidades estão sob ameaça permanente de agressão e despejos forçados, seja através da ação da polícia ou de milícias privadas.

A impunidade é uma das principais causas dessa violência. Entre 1985 e 2002, foram registrados 1.280 assassinatos de trabalhadores rurais, advogados, técnicos, lideranças religiosas e sindicais ligados à luta pela terra. Desse total, somente 121 foram levados a julgamento. Entre os mandantes dos crimes, apenas 14 foram julgados, sendo sete condenados.

Outra forma de repressão ao MST ocorre através de prisões sem base legal. Entre agosto de 2002 e novembro de 2003, o juiz Átis de Araújo Oliveira, da Comarca de Teodoro Sampaio no Pontal do Paranapanema, decretou 12 ordens de prisão envolvendo 46 membros do movimento. Todas essas decisões foram anuladas em tribunais superiores.

O Ministro Paulo Medina, da Sexta Turma do STJ, concedeu liberdade para Valmir Rodrigues Chaves e Mário Barreto, integrantes do MST no Pontal, e deixou registrado que estes: "são obreiros rurais integrantes do MST, que lutam e sacrificam-se por mais razoável meio de vida, onde a dignidade social somente pode ser restaurada no momento em que se fizer a verdadeira, necessária e indispensável reforma agrária no País".

Outra preocupação dos trabalhadores rurais é a garantia da soberania alimentar. O possível monopólio de sementes por grandes multinacionais como a Monsanto, através da liberalização de alimentos transgênicos, compromete os agricultores e a população em geral. Segundo Flavia Londres, da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos, o governo Lula deveria se empenhar em combater a "omissão em executar o controle sobre o contrabando de sementes transgênicas, o plantio e comércio ilegais".

Em 2003, as organizações sociais criticaram duramente o governo Lula por ceder aos interesses dos grandes produtores e liberar a safra ilegal de soja transgênica. O governo abandonou seu compromisso de campanha de garantir o chamado "princípio da precaução", que significa exigir a comprovação de que os transgênicos não prejudicam a saúde e o meio ambiente.

O poder dos grandes latifundiários continua forte. A concentração da terra no Brasil é uma das maiores do mundo. Aproximadamente 1% dos proprietários detêm 46% de todas as terras agrícolas. Dos 400 milhões de hectares titulados como propriedade privada, apenas 60 milhões são utilizados como lavoura. Dados do Incra mostram que cerca de 100 milhões de hectares de terras estão ociosos.

Nos centros urbanos, o principal foco da violência também se concentra em
comunidades de baixa renda, que sofrem com a violência policial e com a ação de grupos de extermínio. Segundo Fermino Fechio, ex-ouvidor de polícia de São Paulo, "são antigas as suspeitas de participação de policiais nas execuções de jovens e adolescentes no estado de São Paulo".

De janeiro a maio de 2003, a Polícia Militar de São Paulo matou 435 pessoas-uma média de quase três homicídios por dia. Esses dados revelam um aumento de 51% em relação ao mesmo período no ano passado.

As causas das violações dos direitos civis e políticos estão relacionadas ao não cumprimento dos direitos econômicos, sociais e culturais. "A exclusão social aumentou 11% no país, entre 1980 e 2000. Nessas duas décadas, o número de excluídos passou de 51 milhões (42,6% da população de 120 milhões de habitantes) para 80 milhões (47,3% da população de 170 milhões), afirma Marcio Pochmann, Secretário do Desenvolvimento e Trabalho do Município de São Paulo.

Mais de 42 milhões de brasileiros acima dos 10 anos não podem fazer uso da leitura e da escrita em seu cotidiano, o que representa 31,4% da população dessa faixa etária. Uma pesquisa em 53 favelas no Rio de Janeiro revela que 62% dos jovens não completaram o ensino fundamental e apenas 1% tem 12 anos ou mais de estudo. Dados do IBGE mostram que o analfabetismo atinge 20% da população negra e 8,3% da população branca.

O déficit habitacional no Brasil está acima de seis milhões de domicílios. Na cidade de São Paulo, o número de pessoas vivendo em favelas passou de um milhão e duzentos mil em 1990 para quase dois milhões em 2000. Segundo o Centro de Estudo da Metrópole, a cada oito dias a cidade ganha uma nova favela. De 1991 a 2000, foram erguidas 464 favelas. Em média, isso significa que 74 pessoas se tornaram faveladas por dia.

A população que vive nas ruas de São Paulo é estimada em 15 mil pessoas. Ao mesmo tempo, o Movimento Sem Teto do Centro calcula que existam mais de 400 prédios e terrenos fechados ou subutilizados no centro da cidade.

O desemprego e o emprego informal são algumas das principais preocupações da sociedade, e atingem em especial as mulheres e a população negra. Em agosto de 2003, o DIEESE registrou uma taxa de desemprego de 23,6% para as mulheres e 16,5 para os homens em São Paulo. Desde o início de 2003, a Sempreviva Organização Feminista (SOF) estima que 300 mil mulheres tenham saído do mercado de trabalho. As disparidades salariais ocorrem em todas as áreas. As mulheres com até três anos de estudo recebem o equivalente a 61% do salário dos homens. Aquelas com 11 ou mais anos de estudo recebem 57,1% do rendimento dos homens.

Os dados sobre trabalho escravo em 2003 são alarmantes. Nos primeiros 9,5 meses do ano, a CPT registrou 229 casos envolvendo 7.623 trabalhadores no Pará, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão. Durante o mesmo período em 2002, a CPT documentou 127 casos envolvendo 5.089 trabalhadores. 'Os resgates de 4.256 trabalhadores realizados até o final de setembro representam quase o dobro do total em 2002, embora sejam insuficientes em relação ao número de solicitações", explica Fr. Xavier Plassat, Coordenador da Campanha da CPT contra o Trabalho Escravo. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT) existem cerca de 40 mil trabalhadores escravos no Brasil.

O governo criou programas de apoio aos trabalhadores libertados, que incluem qualificação profissional e pagamento de seguro-desemprego. O Ministério Público do Trabalho tem cumprido um papel importante, através de ações de indenização contra empresas que utilizam mão-de-obra escrava. Uma das principais medidas do governo Lula foi a elaboração de um amplo projeto de erradicação do trabalho escravo, que inclui pontos importantes como a expropriação de propriedades onde existe mão-de-obra escrava, além do aumento do valor das multas e o corte de financiamento público para os infratores. Porém, essas medidas ainda não foram implementadas.

O Brasil ocupa o sexto lugar entre os países com maior grau de desigualdade de renda. Por isso, é insuficiente denunciar violações de direitos civis e políticos. O cumprimento dos tratados internacionais de direitos humanos e da legislação brasileira só será possível com a realização de mudanças estruturais que garantam justiça social e econômica. A defesa dos direitos básicos depende de uma política de combate às desigualdades.