Há muita terra neste país para pouca gente.
Basta dizer que 44% pertencem a apenas 1% dos proprietários
rurais. E há muita gente sem-terra. São cerca
de 15 milhões de pessoas deambulando por estradas e
acampamentos, teimando em sonhar que, entre tanta terra ociosa,
hão de encontrar o pedaço de chão que
os redima da indigência e do risco de favelização
na cidade. Este país nunca conheceu uma reforma agrária.
Terra encharcada de sangue
Frei
Betto*
25
de julho é o Dia do Agricultor. Todos comemos o que
ele planta. Mas nem sempre retribuímos com um bom prato
de sopa de letrinhas, como o fizeram José Lins do Rego,
em Fogo morto; Graciliano Ramos, em Vidas secas, e Deonísio
da Silva, em Os guerreiros do campo. A vida brota de duas
lavras: a da enxada e a das artes, bens materiais e simbólicos.
A primeira dá sustento; a segunda, sentido.
O
Brasil é gordo de terras. São 600 milhões
de hectares agricultáveis. Arguto, Pero Vaz de Caminha
logo atinou que, aqui, "em se plantando, dá".
Muitos ainda não entenderam o recado. Preferem o "em
se cercando, ninguém tasca". Há muita terra
neste país para pouca gente. Basta dizer que 44% pertencem
a apenas 1% dos proprietários rurais. E há muita
gente sem-terra. São cerca de 15 milhões de
pessoas deambulando por estradas e acampamentos, teimando
em sonhar que, entre tanta terra ociosa, hão de encontrar
o pedaço de chão que os redima da indigência
e do risco de favelização na cidade. Este país
nunca conheceu uma reforma agrária.
Não
se pode abusar da paciência dos pobres, enfatiza a doutrina
social da Igreja. Aqui, cansados de esperar, eles se organizam
no Movimento Sem Terra (MST). Por seu trabalho educativo,
o movimento já recebeu o prêmio Unicef-Itaú.
Por sua atuação em favor da reforma agrária,
premiou-o a casa real da Bélgica. Por manter mais de
1.500 assentamentos, além de uma rede de cooperativas,
ganhou também o Nobel alternativo, The right livelihood
Award.
O
MST é o alvo de quem não suporta o clamor dos
pobres e se cala diante de uma estrutura fundiária
injusta. Onde anda a Justiça diante dos 21 que tombaram
sob balas assassinas em Eldorado dos Carajás? A impunidade
escancara as portas à criminalidade. 25 de julho é
dia de tantas mortes anunciadas enquanto não houver
reforma agrária e Justiça que não pise
no direito dos pobres. O Brasil não merece ser uma
terra encharcada de sangue.
*
Frei Betto é escritor, autor do romance Entre todos
os homens (Ática), além de outros livros. Artigo
publicado na Revista Sem Fronteiras.
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