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Relatórios


Centenas de pessoas, entre mandantes, intermediários e pistoleiros, estão envolvidas em casos de assassinatos no Pará. Uma cidade como Xinguara, com 76 assassinatos de trabalhadores rurais nos últimos trinta anos, ainda não teve nenhum crime definitivamente julgado. Isso representa uma taxa de impunidade de 100%. Em São Geraldo do Araguaia, com 49 assassinatos no mesmo período, há idêntica taxa de impunidade. Isso ocorre também em São Félix do Xingu, com 37 assassinatos e em Marabá, com 35 assassinatos. Dentre os 40 municípios que compõem o sul e sudeste do Pará, apenas dois, Rio Maria e Eldorado do Carajás, não possuem taxa de 100% de impunidade em relação aos assassinatos de trabalhadores rurais nos últimos trinta anos.


Violência e Impunidade: Realidade Permanente
no Pará

José Batista Gonçalves Afonso*


Se o padrão de violência nas regiões sul e sudeste do Pará impressiona, a impunidade choca ainda mais. Os conflitos fundiários têm resultado, nos últimos 18 anos, em inúmeras chacinas nas quais é inequívoca a conivência dos poderes públicos com o crime organizado no campo. Mandantes e assassinos não são presos e sequer são levados a julgamento, mandados de prisão não são cumpridos e pistoleiros agem em conjunto com policiais.

Lembramos aqui exemplos de crimes brutais contra trabalhadores rurais e lideranças da região cujos pistoleiros e mandantes nunca foram punidos.

Chacina Dois Irmãos - Xinguara / Junho 1985 / seis trabalhadores mortos
Chacina Ingá - Conceição do Araguaia / Maio 1985 / treze trabalhadores mortos
Chacina Surubim - Xinguara / Junho 1985 / dezessete trabalhadores mortos
Chacina Fazenda Ubá - São João do Araguaia / 13.06.1985/18.06.1985 / oito trabalhadores assassinados
Chacina Fazenda Princesa - Marabá / 28.09.1985 / cinco trabalhadores assassinados
Chacina Paraúnas - São Geraldo do Araguaia / 10.06.1986 / dez trabalhadores assassinados
Chacina Goianésia - Goianésia do Pará / 28.10.1987 / dois trabalhadores assassinados e um menor
Chacina Fazenda Pastorisa - São João do Araguaia / 06.08.1995 / três trabalhadores assassinados
Massacre de Eldorado do Carajás - Eldorado do Carajás / 17.04.1996 / dezenove trabalhadores assassinados
Chacina Fazenda São Francisco - Eldorado do Carajás / 21.08.1996/04.01.1997 / cinco trabalhadores assassinados
Chacina Fazenda Santa Clara - Ourilândia do Norte / 13.01.1997 / três trabalhadores assassinados
Chacina de Morada Nova / 10.07.2001 / dois trabalhadores assassinados e um menos de 15 anos

Citamos também o assassinato de lideranças importantes da região, as quais pautaram sua atuação pela defesa intransigente dos direitos dos trabalhadores rurais: Gabriel Pimenta, advogado (05.06.1982), Irmã Adelaide Molinari, religiosa católica (02.05.1985), João Canuto, dirigente sindical (18.12.1985), Expedito Ribeiro, dirigente sindical (02.02.91), Arnaldo Delcídio Ferreira, dirigente sindical (02.05.1993), Antônio Teles, dirigente sindical e esposa, Alcina Gomes (12.10.1994), Onalício Araújo Barros e Valentim Serra, dirigentes do MST (26.03.1998), Francisco Euclides de Paula, dirigente sindical (20.05.1999), José Dutra da Costa, dirigente sindical (22.11.2000), e José Pinheiro Lima, dirigente sindical (09.07.2001).

Estes crimes e as chacinas mencionadas acima são apenas alguns casos dentre as centenas de assassinatos que aconteceram na região nos últimos trinta anos e que continuam impunes ainda hoje.

Embora se reconheça o valor excepcional da condenação pela morte de Expedito Ribeiro, do fazendeiro Jerônimo Alves do Amorim em 06.06.2000, e pela condenação de Adilson Carvalho Laranjeiras e Vantuir de Paula, pela morte de João Canuto, em 29.05.2003, deve-se afirmar que estes foram os primeiros e únicos mandantes de assassinatos contra trabalhadores rurais a serem responsabilizados judicialmente. Ressalte-se, no entanto, que o fazendeiro Jerônimo Amorim cumpre prisão domiciliar e os outros dois fazendeiros aguardam julgamento de recurso em liberdade. Mesmo condenados por julgamento popular, devido a influências políticas, dificilmente cumprirão a pena atrás das grades.

O Julgamento dos policiais militares que comandaram o massacre de Eldorado do Carajás em 17.04.96 é mais um exemplo claro de como o Estado e o Poder Judiciário constroem a impunidade. O então governador do Estado (Almir Gabriel), o Secretário de Segurança Pública e o Comandante Geral da Polícia Militar, responsáveis pelas ordens de desobstrução da pista da PA 150, "a qualquer custo", foram excluídos do processo. No curso de instrução processual, o Poder Judiciário do Estado teve um comportamento escandaloso, favorecendo claramente os acusados. A primeira sessão de julgamento ocorrida em 16.08.99, em que os oficiais que comandaram a operação foram absolvidos, foi anulada devido à postura tendenciosa do juiz que presidiu o julgamento. No segundo julgamento ocorrido em 21.05.2002, a postura do Poder Judiciário manifestamente em favor dos acusados, fez com que os Movimentos Sociais e os advogados assistentes da acusação se afastassem das sessões sob protesto. Resultado: apenas dois comandantes foram condenados e aguardam julgamento de recurso em liberdade. Todos os demais oficiais e policiais, em número de 142, foram absolvidos. A impunidade venceu.

A impunidade, infelizmente, não tem recebido nenhuma atenção especial por parte do Poder Judiciário do Estado do Pará que, teimosamente, ao manter-se completamente omisso, na prática, demonstra desconhecer a íntima ligação entre a permanência da impunidade e novos assassinatos na região.

Centenas de pessoas, entre mandantes, intermediários e pistoleiros, estão envolvidas em casos de assassinatos no Pará. Porém, somente se registram cinco julgamentos com condenações criminais - (1) Jerônimo Alves de Amorim (mandante), (2) Francisco de Assis Ferreira (intermediário) e José Serafim Sales (pistoleiro), (3) Ubiratan Ubirajara (pistoleiro), (4) dois oficiais militares (Mário Pantoja e José M. Oliveira) que comandaram o Massacre de Eldorado e (5) Adilson Laranjeira e Vantuir Paula (Mandantes).

Os três primeiros mencionados estão envolvidos no assassinato de Expedito Ribeiro de Souza, Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, em 02.02.1991. O quarto mencionado está envolvido no assassinato de José Canuto e Paulo Canuto, diretores do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Maria, em 22.04.1991.

Ubiratan Ubirajara, condenado a 50 anos de reclusão, permaneceu seis meses preso e fugiu da penitenciária, em outubro de 1994. Nunca mais foi capturado. José Serafim Sales, condenado a 25 anos de reclusão, cumpriu oito anos de pena e fugiu da penitenciária, em 14.03.2000. Nunca mais foi capturado.

Francisco de Assis Ferreira, condenado a 21 anos de prisão em 1994, encontra-se em liberdade desde 1998.

Jerônimo Alves de Amorim, mandante do assassinato do Sindicalista Expedito Ribeiro em Rio Maria em fevereiro de 91, encontra-se atualmente em prisão domiciliar em Goiânia. Todos os demais condenados aguardam em liberdade julgamento de recurso contra a sentença de condenação.

Nos últimos anos, em função das fortíssimas provas, a Polícia Civil prendeu, com autorização judicial (mandados de prisão preventiva), alguns fazendeiros mandantes de homicídios, não definitivamente condenados judicialmente. Um desses casos é o do fazendeiro Carlos Antônio da Costa, mandante do assassinato de dois dirigentes do MST - Onalício Araújo Barros ("Fusquinha") e Valentin Serra ("Doutor") - em Parauapebas, em março de 1998. No outro caso, trata-se do fazendeiro Décio José Barroso Nunes, mandante do assassinato de José Dutra da Costa (Dezinho), ex-Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, em novembro de 2000. Carlos Antônio da Costa somente permaneceu preso preventivamente por 22 dias. Décio José Barroso Nunes por somente 13 dias. Ambos foram soltos por decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Pará. Eles são acusados de cometer crimes violentos - homicídios qualificados, classificados legalmente como crimes hediondos.

Dos 1.207 casos de trabalhadores rurais assassinados, no período entre 1985 e março de 2001, ocorreram 85 julgamentos definitivos dos envolvidos, resultando em uma média de 93% do total sem resposta judicial definitiva.

No sul e sudeste do Pará, no mesmo período, 1985 a março de 2001, foram assassinados 340 trabalhadores rurais. Do total destes crimes, apenas dois foram definitivamente julgados, com responsabilização judicial dos envolvidos, resultando em uma média de 99,41% do total de assassinatos sem nenhum tipo de resposta judicial criminal - condenação ou absolvição.

Uma cidade como Xinguara, com 76 assassinatos de trabalhadores rurais nos últimos trinta anos, ainda não teve nenhum crime definitivamente julgado. Isso representa uma taxa de impunidade de 100%. Em São Geraldo do Araguaia, com 49 assassinatos no mesmo período, há idêntica taxa de impunidade. Isso ocorre também em São Félix do Xingu, com 37 assassinatos e em Marabá, com 35 assassinatos.

Dentre os 40 municípios que compõem o sul e sudeste do Pará, apenas dois, Rio Maria e Eldorado do Carajás, não possuem taxa de 100% de impunidade em relação aos assassinatos de trabalhadores rurais nos últimos trinta anos (1972-2002).

José Batista Gonçalves Afonso é advogado e coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT)