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Relatórios


Eldorado dos Carajás não constitui um fato isolado. Integra um contexto de constantes violações aos direitos humanos na incessante luta por um pedaço de terra. É mais um exemplo no qual a lei acaba ficando apenas no papel devido a falta de um braço estatal que lhe assegure o cumprimento. É nesse contexto de um padrão sistemático de violações e de impunidade que deve ser analisado.


Eldorado dos Carajás


CEJIL Brasil*

A luta pelo direito à terra é uma questão histórica no Brasil. Os constantes conflitos no campo entre trabalhadores e latifundiários demonstram que o Estado ainda está longe de oferecer uma justa divisão e utilização da terra, apesar do país garantir em sua Lei Maior a função social da propriedade. Os passos nesse sentido são dados de forma muito lenta, principalmente por se referir a um bem essencial na garantia da sobrevivência e de uma vida digna à população.

A problemática da desigualdade na distribuição de terras no Brasil foi também um dos temas de preocupação da Comissão Interamericana, quando de sua visita in loco ao Brasil, estando registrado em seu Relatório de 1997:

"Existe no Brasil uma situação histórica de grave desigualdade na distribuição de terras e nas oportunidades econômicas nas áreas rurais. Apesar da capacidade constitucional do Estado e de Autoridades para resolver tal situação, esta se mantém. Embora a atual administração tenha iniciado programas para reduzir a gravidade do problema e facilitar o acesso à terra e crédito aos pequenos produtores, o alcance de tais medidas é reduzido e, especialmente o Norte e o Nordeste do país mantêm situações de pobreza e desigualdade generalizadas no gozo dos direitos básicos. Os atritos e as situações de tensão provocados pela desigualdade na distribuição de terras e de crédito, dão origem a confrontos que criam condições para que sejam cometidos excessos na repressão e violações de direitos humanos."

"6. Organizações não-governamentais religiosas assinalam que, em 1995, ocorreram 554 conflitos rurais noticiados, dos quais 440 deveram-se a problemas de terras, 21 a trabalhos forçados e 93 a disputas trabalhistas ligadas ao fenômeno das secas ou à reforma agrária. No total, houve 69 conflitos a mais do que em 1994, envolvendo 3.250.731 pessoas. Em razão desses conflitos, 39 pessoas foram assassinadas ou perderam a vida de forma violenta.2"

Tal situação de desigualdade na distribuição de terras e nas oportunidades econômicas nas áreas rurais, e a omissão do Estado brasileiro em implementar a própria legislação interna com vistas a combater essa realidade, persistem ainda hoje. Ela é o combustível para a persistência de um altíssimo nível de violência no campo brasileiro, cujas vítimas principais são os trabalhadores e trabalhadoras que se organizam para fazer frente a essa situação injusta e àqueles que os apóiam nessa luta por acesso à terra e condições dignas de vida. Os graves crimes cometidos contra essa parcela da população brasileira ficam em sua maioria impunes.

No mês de agosto de 2003, as organizações Centro de Direitos Humanos Evandro Lins e Silva, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Instituto Carioca de Criminologia, e Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, divulgaram um Relatório sobre os Crimes do Latifúndio, no qual foi colocado que:

Entre janeiro e agosto de 2003, a Comissão Pastoral da Terra registrou 44 assassinatos de trabalhadores rurais. Dados da CPT revelam que, de 1985 a 2002, foram registrados 1.280 assassinatos de trabalhadores rurais, advogados, técnicos, lideranças sindicais e religiosas ligados à luta pela terra. Destes 1.280 assassinatos, apenas 121 foram levados a julgamento. Entre os mandantes dos crimes, somente 14 foram julgados, sendo sete condenados. Foram levados a julgamento quatro intermediários, sendo dois condenados. Entre os 96 executores julgados, 58 foram condenados.

Entre 1985 e 2002, 6.330 trabalhadores rurais foram presos em função de suas atividades políticas ligadas à luta pela reforma agrária. Em 2001, ocorreram 254 prisões arbitrárias de trabalhadores rurais e, em 2002, 158 camponeses foram presos. Em 2002, houve 43 assassinatos, 20 tentativas de assassinatos e 73 ameaças de morte contra trabalhadores rurais, além de 44 agredidos fisicamente e 20 torturados. Estes dados revelam que, historicamente, a violência no campo ocorre contra os trabalhadores sem terra3.

Esta situação é mais grave em algumas partes do País, como no Estado do Pará, e em especial as regiões sul e sudeste deste estado, onde há um padrão sistemático de violações contra os direitos humanos de trabalhadores e trabalhadoras sem acesso à terra, que começa com a ausência de uma política efetiva de inclusão social, segue com a falta de mecanismos de resolução pacífica de conflitos e culmina com a impunidade dos autores de violações de direitos humanos contra os trabalhadores e trabalhadoras que se organizam para lutar por seus direitos, bem como contra os demais defensores desses direitos na região.

O Relatório sobre os crimes do Latifúndio, citado acima, dá informações alarmantes sobre a situação de violência rural nesse estado:

Levantamento realizado pela Comissão Pastoral da Terra revela que, somente no primeiro semestre de 2003, foram registrados 22 assassinatos de trabalhadores rurais no Estado. Neste período foram presos 20 trabalhadores rurais durante despejos.

Esta forma de distribuição de terra na região sul do Estado do Pará terminou por produzir o maior índice de concentração fundiária no Brasil. Segundo dados oficiais do Governo Brasileiro (Atlas Fundiário, Incra, 1996), 75% das terras existentes no Estado do Pará são consideradas improdutivas.

A existência desse grande contingente de trabalhadores sem acesso à terra e sem qualquer perspectiva profissional constitui a base para as diversas violações de direitos humanos endêmicas na região. De fato, esses trabalhadores pobres são um alvo fácil de fazendeiros que exploram o trabalho escravo. Por outro lado, aqueles que procuram se organizar e lutar pela terra são vítimas de violência por parte desses próprios fazendeiros e de empresários contrários a qualquer proposta de reforma agrária. Esses problemas são agravados pela completa incapacidade dos organismos policiais e judiciais da região em identificar e punir os responsáveis pelas violações.

Tendo por fim evitar que os milhares de trabalhadores pobres que se encontravam na região reivindicassem ao Governo brasileiro nova distribuição das terras no sul do Estado do Pará, os fazendeiros locais, a partir do início da década de 80, em muitos casos contando com o auxílio das próprias forças policiais, começaram a assassinar sistematicamente os trabalhadores rurais, seus representantes e defensores dos direitos humanos.

Na realidade, a persistência dessa situação no sul e sudeste do Pará demonstra que o Estado brasileiro não vem adotando todas as medidas necessárias para agilizar a reforma agrária nessa região, apesar do que ocorreu em Eldorado dos Carajás e em tantos outros episódios de violência na região relacionados com a luta pela terra.

Segundo o Relatório A Violência contra Trabalhadores Rurais no Estado do Pará, produzido pelo Fórum das Entidades pela Reforma Agrária do Sul e Sudeste do Pará, no corrente ano de 2003:

[...]Para podermos visualizar em termos comparativos a tragédia dos números de assassinatos em conflitos fundiários no Estado do Pará, adotemos o critério "número de assassinatos em conflitos fundiários por grupos de 100.000 habitantes". No período entre os anos 1989 e 1999, em termos de Brasil, a média anual de assassinatos no campo era de 0,02681 assassinatos para cada grupo de 100.000 habitantes. No mesmo período, no Estado do Pará, a média foi de 0,7 assassinatos para cada grupo de 100.000 habitantes, uma média 26 vezes superior à média brasileira. Em algumas microrregiões específicas do Estado do Pará - microrregião Parauapebas (municípios Parauapebas, Eldorado do Carajás, Curionópolis e Água Azul do Norte, no mesmo período 1989-1999, a média de assassinatos em conflitos fundiários foi de 8,7 por cada grupo de 100.000 habitantes, 12 vezes maior que a média do Estado do Pará e 324 vezes maior que a média do Brasil. Na microrregião Marabá (municípios de Marabá, Itupiranga, São João de Araguaia, São Domingos do Araguaia, São Geraldo do Araguaia, Brejo Grande do Araguaia, Nova Ipixuna e Palestina do Pará) a média para o mesmo período (3,2 homicídios para cada grupo de 100.000 habitantes) era 120 vezes maior do que a média do Brasil.

Para um dirigente sindical ou trabalhador rural de Parauapebas ou Eldorado dos Carajás, a probabilidade de ser morto em conflito fundiário, no período entre os anos 1989-1999, era 324 vezes maior do que em relação a um dirigente sindical ou trabalhador rural em qualquer outro Estado brasileiro. Em função destes dados, podemos facilmente entender porque o coletivo dos trabalhadores rurais da região sul e sudeste do Pará tem uma percepção tão clara sobre o caráter extremamente violento dos conflitos fundiários na região4.

Sobre a impunidade em relação a essas violações, o Relatório sobre os Crimes do Latifúndio, já citado, registrou que:

Se o padrão de violência nas regiões sul e sudeste do Pará impressiona, a impunidade choca ainda mais. Os conflitos fundiários têm resultado, nos últimos 18 anos, em inúmeras chacinas nas quais é inequívoca a conivência dos poderes públicos com o crime organizado no campo. Mandantes e assassinos não são presos e sequer são levados a julgamento, mandados de prisão não são cumpridos e pistoleiros agem em conjunto com policiais.

No sul e sudeste do Pará, no período de 1985 a março de 2001, foram assassinados 340 trabalhadores rurais. Do total destes crimes, apenas dois foram definitivamente julgados, com responsabilização judicial dos envolvidos, resultando em uma média de 99,41% do total de assassinatos sem nenhum tipo de resposta judicial criminal - condenação ou absolvição.

Uma cidade como Xinguara, com 76 assassinatos de trabalhadores rurais nos últimos 30 anos, ainda não teve nenhum crime definitivamente julgado. Isso representa uma taxa de impunidade de 100%. Em São Geraldo do Araguaia, com 49 assassinatos no mesmo período, há idêntica taxa de impunidade. Isso ocorre também em São Félix do Xingu, com 37 assassinatos, e em Marabá, com 35 assassinatos.

Dentre os 40 municípios que compõem o sul e sudeste do Pará, apenas dois, Rio Maria e Eldorado do Carajás, não possuem taxa de 100% de impunidade em relação aos assassinatos de trabalhadores rurais nos últimos 30 anos (1972-2002) 5.

O padrão de impunidade demonstrado por esse e outros relatórios deriva de uma condução parcial e ineficiente dos recursos internos na região sul/sudeste do Pará. Na maioria das vezes os crimes não são investigados, as provas materiais e testemunhais não são produzidas, os autores não são levados a julgamento e menos ainda sancionados, os mandados de prisão não são cumpridos e, nas raras vezes em que o são, há facilitação de fugas. Essa é a realidade dos recursos internos na região aqui delimitada.

A persistência dessa realidade na região sul/sudeste do Estado do Pará mostra que, apesar do amplo conhecimento dessa grave problemática, o governo brasileiro não vem empregando todos os esforços necessários de modo a garantir a essa parcela da população brasileira o livre e pleno exercício dos direitos e garantias reconhecidos pela Convenção Americana de Direitos Humanos. Dessa forma, as vítimas deixam de ter acesso a recursos efetivos de prevenção dessas violações, e a recursos efetivos que venham a promover justiça quando seus direitos substantivos são violados, bem como que venham a garantir medidas de reparação para os danos sofridos pelas vítimas e seus familiares.

E isso foi o que aconteceu em abril de 1996, quando duas tropas da Polícia Militar do Estado do Pará, com o pretexto de realizar uma operação de desobstrução da estrada PA-150, ocupada por centenas de famílias de trabalhadores rurais sem-terra que faziam uma marcha de protesto, incluindo muitas mulheres, crianças e idosos, executaram um verdadeiro massacre, tendo utilizado a força de forma desnecessária e desproporcional. Atiraram indiscriminadamente contra os manifestantes e contra moradores das cercanias, e executaram sumariamente - inclusive com armas brancas - diversos trabalhadores já rendidos. O resultado da operação foi a morte de 19 trabalhadores, todos homens, e ferimentos em mais 69 trabalhadores e trabalhadoras, incluindo dois bebês.

Eldorado dos Carajás não constitui um fato isolado. Integra um contexto de constantes violações aos direitos humanos na incessante luta por um pedaço de terra. É mais um exemplo no qual a lei acaba ficando apenas no papel devido a falta de um braço estatal que lhe assegure o cumprimento. É nesse contexto de um padrão sistemático de violações e de impunidade que deve ser analisado.

O reconhecimento da existência desse padrão de violações contra esse setor da população brasileira é de extrema importância para a compreensão das circunstâncias em que foram cometidas as violações neste caso concreto, bem como para entender a resposta inadequada dos recursos internos frente a essas violações

Enquanto a comoção nacional fez pensar que os direitos humanos no Brasil tomariam novos rumos, passados mais de sete anos dos fatos, ainda não há nenhum responsável sancionado pelas graves violações e nenhuma das vítimas foi reparada.

Diante do conjunto de irregularidades nas investigações e em virtude da participação de agentes estatais no massacre de Eldorado dos Carajás, o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o Movimento dos Sem-Terra (MST) denunciaram o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), solicitando a responsabilização do Estado brasileiro pela violação dos artigos 4º (direito à vida), 5º (integridade física), 8º (garantias judiciais) e 25º (proteção judicial) da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em conjunto com o artigo 1.1. da Convenção.

A denúncia pretende apurar a responsabilidade do Brasil como signatário da Convenção, em razão da obrigação assumida de respeitar os direitos e liberdades reconhecidos pela Convenção e garantir seu pleno exercício, sem nenhum tipo de discriminação.

Cenas do massacre de Eldorado dos Carajás, filmado quase em sua totalidade, puderam ser vistas repetidas vezes pela população nacional através da imprensa. O Brasil acompanhou de perto a violência da ação, fato raro em casos de violação aos direitos humanos no campo. As imagens e o exame de corpo delito das vítimas constituíram prova fundamental do uso desnecessário da força pelos policiais.

Segundo os Princípios Básicos das Nações Unidas sobre o Emprego da Força e de Armas de Fogo pelos Funcionários Encarregados de Fazer Cumprir a Lei, os responsáveis pela aplicação das normas devem utilizar meios não violentos antes de recorrer ao uso da força e armas de fogo. Velando para que as ações policiais sejam exercidas de forma lícita e eficaz, o preceito afirma que o uso excessivo da força pelos agentes estatais afeta os princípios em que se baseiam o respeito à dignidade e os direitos da pessoa humana.

Além do emprego arbitrário da força, o caso de Eldorado dos Carajás foi marcado, desde o princípio, por outras irregularidades na ação policial: os agentes retiraram as tarjas de identificação e não assinaram o livro-cautela das armas. Portando metralhadoras e fuzis chegaram, de acordo com as imagens, lançando bombas de gás e atirando.

Infelizmente, a impunidade em relação aos crimes cometidos contra os trabalhadores rurais nos conflitos pela terra tem sido regra, não exceção. Em Eldorado dos Carajás não foi diferente. As investigações criminais e as ações penais contra os responsáveis individuais pelas violações foram conduzidas com negligência. Diversas denúncias, do conhecimento da Polícia Federal e do Ministério da Justiça, nunca foram devidamente investigadas.

A fim de apurar os fatos ocorridos no caso de Eldorado dos Carajás, a Polícia Militar iniciou investigações sobre os eventuais crimes de homicídio e lesão corporal cometidos por policiais militares no exercício de suas funções. A competência para julgar este processo pertenceria à Justiça Militar Estadual. Simultaneamente, a Polícia Civil abriu novo inquérito para investigar os mesmos fatos, cujo julgamento do processo estava atribuído à Justiça Comum Estadual.

Todo o procedimento que deveria assegurar uma completa e imparcial investigação do caso para punição dos responsáveis apresentou falhas graves. Na prática, a investigação principal foi conduzida pela Polícia Militar, que recebeu apenas auxílio da Polícia Civil. O inquérito foi marcado por distorções e vícios no exame das cenas dos fatos, nas perícias dos cadáveres e nos exames de balística.

Levados a julgamento em 2002 perante o foro criminal ordinário, dos 144 policiais militares acusados, 142 foram absolvidos e somente dois oficiais da Polícia Militar foram condenados por homicídio. Entretanto, em virtude do recurso interposto contra a sentença condenatória, eles receberam o direito de aguardar o novo julgamento em liberdade.

Responsabilidade Internacional do Estado Brasileiro

A responsabilidade do Estado brasileiro pelas violações aos direitos humanos ocorridas em Eldorado dos Carajás está fundamentada em três fatores:

- as violações foram cometidas por agentes estatais;
- o aparato policial e judicial não demonstrou condições de garantir às vítimas o acesso a uma investigação e ação judicial efetiva, que identificasse e punisse os autores das violações, além de permitir uma compensação às vítimas pelos danos sofridos;
- ausência de medidas preventivas para evitar ou minimizar a violência contra os trabalhadores rurais que lutam pela terra.

Segundo a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, cabe ao Estado garantir medidas preventivas a fim de evitar que agentes particulares ou estatais cometam violações aos direitos humanos. É pacífico que no entendimento da Corte também está incluído o dever de realizar, com o uso de todos os meios disponíveis, investigações sérias para identificar e punir os responsáveis, assegurando uma reparação adequada para a vítima e/ou seus familiares.

A interpretação da Corte não se limita à existência de uma ordem normativa, mas que esta produza efeitos reais. É necessário que os agentes estatais estejam aptos e assegurem que a lei seja implementada nos casos concretos.

Em fevereiro de 2003, a Comissão declarou sua competência para tomar conhecimento da denúncia - apresentada pelo MST e CEJIL - em relação às supostas violações de direitos humanos protegidos pela Convenção Americana no caso de Eldorado dos Carajás, e que essa atende aos requisitos de admissibilidade. É uma primeira vitória no caso que resume a forma como os direitos humanos têm sido tratados no país, especialmente no campo.

Autonomia, independência e imparcialidade são pressupostos essenciais para que os órgãos nacionais possam responsabilizar os autores das violações. Entretanto, no seu Relatório de admissibilidade, a Comissão considerou faltar à Polícia Militar tais requisitos, pois os principais suspeitos dos crimes são justamente policiais militares. Segundo o relatório de admissibilidade, "a investigação do caso por parte da justiça militar elimina a possibilidade de uma investigação objetiva e independente executada por autoridades judiciais ligadas à hierarquia de comando das forças de segurança".

Apesar do caso ser atribuído à justiça ordinária, a Comissão questionou a eficácia do processo baseado em uma investigação promovida pela Polícia Militar, "provavelmente não foram colhidas as provas necessárias de maneira oportuna e efetiva", acrescentou o relatório.

É importante ressaltar que até 1996 a competência no Brasil para investigar e julgar as violações de direitos humanos praticadas pela Polícia Militar era conferida a órgãos militares. Neste ano a legislação foi modificada. Os crimes dolosos contra a vida de civis passaram a ser julgados pela justiça comum, mas foi mantida a competência da Polícia Militar para investigar os fatos. Conforme o relatório da Comissão, a nova disposição contradiz o artigo 144 da Constituição Federal, que atribui à Polícia Civil a função de polícia judiciária, investigando as infrações penais, exceto as militares. Como os crimes dolosos contra a vida deixaram de ser militares, as investigações deveriam estar a cargo das polícias civis, que determinariam se o crime é ou não doloso e, assim, a competência para julgá-lo.

Por estas razões, a CIDH considerou que "a legislação brasileira não oferece o devido processo judicial para investigar efetivamente as supostas violações dos direitos humanos cometidas pela Polícia Militar. Apesar do julgamento ser confiado a tribunais do foro ordinário, uma investigação prejudicada implica em vício que afeta todo o procedimento".

Eldorado dos Carajás é mais um dos casos emblemáticos de massacres e execuções sumárias denunciados à Comissão. Nele impera a impunidade dos autores individuais das violações. Através das petições encaminhadas à CIDH, espera-se a mudança da grave situação de desrespeito aos direitos humanos e que Eldorado dos Carajás não seja somente mais um exemplo de violação, mas o começo de um novo rumo nas soluções dos conflitos de terra, motivando o Estado a adotar medidas preventivas, de reforma agrária, inclusão social, resolução pacífica dos confrontos e de punição dos responsáveis.

* O presente artigo é produto do trabalho coletivo do Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil). Paula Magalhães - estagiária de comunicação - foi a encarregada da edição final do mesmo.

2. Ver Relatório sobre a situação dos Direitos Humanos no Brasil - 1997. Organização dos Estados Americanos, Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, OEA/Ser.L/V/II.97, Doc. 29. Aprovado pela CIDH em 29 de setembro de 1997 durante o 97º Período Ordinário de Sessões.

3. Ver Relatório sobre os Crimes do Latifúndio, Agosto de 2003, produzido pelo Centro de Direitos Humanos Evandro Lins e Silva, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Instituto Carioca de Criminologia, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.

4. Ver A violência contra Trabalhadores Rurais no Estado do Pará, produzido pelo Fórum das Entidades pela Reforma Agrária do Sul e Sudeste de Pará (Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Pará e Amapá, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Subsecretariado da CPT no Sul do Pará, Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, Sindicato de Trabalhadores Rurais do Sul e Sudeste do Pará. FASE. CEPASP). Marabá, 4 de outubro de 2001.

5. Ver - artigo: Violência e Impunidade: Realidade Permanente no Pará, de José Batista Gonçalves Afonso, advogado e coordenador nacional da CPT, Relatório sobre os Crimes do Latifúndio, agosto de 2003, produzido pelo Centro de Direitos Humanos Evandro Lins e Silva, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Instituto Carioca de Criminologia, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.