O número de denúncias de trabalho escravo nos
estados de Mato Grosso e Maranhão continuou crescendo:
nos primeiros 7,5 meses do ano, as denúncias recebidas
pelas equipes integrantes da Campanha da CPT contra o trabalho
escravo, nos Estados de Pará, Mato Grosso, Tocantins
e Maranhão, já somaram, em 2003, 229 casos (envolvendo
7.623 trabalhadores), contra, em 2002, 127 casos e 5.089 trabalhadores,
para o mesmo período. Os resgates realizados até
o final de setembro (4.256 trabalhadores libertados, sendo
895 pelas DRT e 3.361 pelo Grupo Móvel) representam
quase o dobro do total do ano inteiro de 2002 (2.152 trabalhadores
liberados), embora continuam ainda aquém do necessário,
se comparado ao total de solicitações.
Denúncia
de Trabalho Escravo Resulta em Novas Ameaças Contra
Agentes da CPT, Trabalhadores e Procurador da República
Fr.
Xavier Plassat*
Em março de 2003, o Governo Federal adotou um Plano
nacional de erradicação do trabalho escravo,
lançado pelo presidente da República, à
elaboração do qual a CPT tem contribuído
sobremaneira, a partir da Campanha Nacional de Combate ao
Trabalho Escravo por ela iniciada em 1997, especialmente nos
Estados do Pará, Maranhão, Mato Grosso e Tocantins.
Embora
já concretizado por uma intensificação
das operações de fiscalização
pelo Grupo Móvel e algumas DRT, e por uma inovadora
atuação da Justiça do Trabalho (Varas
itinerantes), do Ministério Público do Trabalho
(Ações de Indenizações por danos
morais, com valor dissuasivo) e do Ministério Público
Federal (vários pedidos de prisão seguidos de
mandados de prisão decretados pelo Justiça Federal,
sendo vários deles concretizados; instrução
de várias ações penais), o lançamento
do Plano ainda está longe de produzir os efeitos esperados.
Em
que pese a insuficiência das informações
referentes aos estados do Mato Grosso e do Maranhão,
o número de denúncias continuou crescendo: nos
primeiros 9,5 meses do ano, as denúncias recebidas
pelas equipes integrantes da Campanha da CPT contra o trabalho
escravo, nos Estados de Pará, Mato Grosso, Tocantins
e Maranhão, já somaram, em 2003, 229 casos (envolvendo
7.623 trabalhadores), contra, em 2002, 127 casos e 5.089 trabalhadores,
para o mesmo período.
Os
resgates realizados até o final de setembro (4.256
trabalhadores libertados, sendo 895 pelas DRT e 3.361 pelo
Grupo Móvel) representam quase que o dobro do total
do ano inteiro de 2002 (2.152 trabalhadores liberados), embora
continuam ainda aquém do necessário, se comparado
ao total de solicitações. Embora muitas vezes
seja tênue a linha divisória, vale observar que
uma proporção mais elevada dos casos registrados
(até 20%) são do tipo super-exploração
(informalidade, precaríssimas condições
de trabalho, não-pagamento), sem evidência, pelo
menos no depoimento dos informantes, das características
adicionais, próprias do trabalho escravo (cerceamento
da liberdade, por violência, pressão ou isolamento),
o que talvez seja o indício de mudanças nas
estratégias patronais.
No
conjunto das denúncias colhidas em 2003, onde o Pará
continua predominando (52% dos casos: 115, 70% dos trabalhadores
envolvidos: 3475), impressiona a elevação do
número de casos ocorridos no Tocantins (já são
20 casos, envolvendo 859 trabalhadores), estado até
então mais conhecido como aliciador do que como explorador
direto de mão-de-obra escrava.
A
intensificação das denúncias, da ação
fiscal e da repressão têm deslanchado um processo
acentuado de reação truculenta por parte dos
fazendeiros visados. A insistente campanha de difamação
iniciada em março de 2003 e dirigida, no sul do Pará,
contra a CPT, especialmente contra a figura do fr. Henri des
Roziers, é um sinal evidente disso. Outro sinal é
o recrudescimento de ameaças registradas no norte do
Tocantins.
Entre
as regiões de maior ocorrência de trabalho escravo,
a região do Iriri, situada entre os rios Iriri e Xingu,
no sul do Pará, se caracteriza pela impressionante
omissão do poder público frente a uma situação
que alguns não hesitam em identificar como Colômbia
brasileira. Em fiscalização recente - sucedendo
a três anos de quase ausência de qualquer operação
- foram investigadas várias fazendas, com base em denúncias
colhidas por agentes da CPT do Pará e do Tocantins.
Em decorrência deste trabalho, surgiram graves ameaças
contra trabalhadores da região de Ananás-TO,
agentes da CPT de Araguaína-TO, bem como o Procurador
da República de Palmas-TO, atuando nestes casos.
Na
origem dessas ameaças estão especialmente as
denúncias envolvendo um fazendeiro, Aldimir Nunes Lima,
apelidado de "Branquinho", em cuja fazenda, no período
de junho e julho de 2002, a CPT recebeu notícia de
cinco mortes suspeitas de trabalhadores aliciados na região
de Ananás-TO (onde o mesmo tem residência, mas
de onde está foragido há mais de dois anos).
Essas denúncias, levadas na época pela CPT perante
a Comissão Especial de Combate ao Trabalho Escravo
(SEDH), resultaram numa operação da PF com expedição
de 10 mandados de prisão, inclusive contra Branquinho
(que continua foragido até hoje).
Desde
dezembro de 2002, três agentes da CPT-Tocantins que
atuam na Campanha Nacional da CPT contra o Trabalho Escravo,
têm sido alvo de ameaças veladas ou abertas (Silvano
Lima Rezende; Edmundo Rodrigues Costa; fr. Xavier Jean Marie
Plassat), ao lado do Procurador da República de Palmas,
Dr Mário Lúcio de Avelar, e do trabalhador rural
Jair Matos de Alencar, de Ananás, como detalhamos abaixo:
Em
dezembro de 2002, soubemos da existência de ameaças
explícitas formuladas contra o Procurador Federal de
Palmas, Dr Mário Lúcio de Avelar, e contra fr.
Xavier Plassat, coordenador da Campanha Nacional da CPT contra
o Trabalho Escravo, além de "todos os demais envolvidos",
então chamados de "peixes pequenos". O fazendeiro
Branquinho teria comentado que "já havia tomado
suas providências para apagar" essas pessoas "que
tanto lhe criaram prejuízo". Em meados de maio
de 2003, o mesmo mandou dizer que já sabia quem o havia
denunciado para a PF. Em meados de junho, alguém mandou
informar ao Silvano e ao Edmundo 1,
agentes da CPT em Araguaína-TO, que tomassem muito
cuidado ao andar pela cidade de Ananás (onde ambos
têm família) pois alguns fazendeiros estariam
tramando algo contra eles, por serem tidos como "os padrecos
que informam o fr. Xavier para ele fazer suas denúncias
contra eles". Entre maio e junho, foram realizadas três
operações de fiscalização em duas
fazendas de Ananás, com mais de 150 trabalhadores resgatados.
Final de junho, Silvano foi informado por pessoas ligadas
a fazendeiros que corria grande perigo de vida.
Em
meio a um ambiente de medo entre os trabalhadores de Ananás,
ameaças correm também contra o trabalhador rural
Jair Matos de Alencar, morador desta pequena cidade. Em meados
de junho, ele foi abordado por Clodoaldo (pistoleiro e informante
de vários fazendeiros, cujo nome está associado
a diversos crimes por encomenda) e por ele avisado que "daqui
a alguns dias vão começar a cair de um por um".
Na ocasião, o mesmo mostrou uma pistola 7.65 e acrescentou
que ainda existiam algumas dúvidas sobre quem havia
feito as denúncias: "do contrário, já
haveriam sido eliminados". No final de junho, Jair, em
uma conversa de bar, escutou alguém dizer: "Lá
em Ananás é gente boa porém tem o Jair,
filho do B., o Silvano, que já foi embora, e o Mário
Lúcio. Esses três estão na mira".
Contra
o Procurador da República, as ameaças já
viraram fatos. Durante três dias, um veículo
Fiat Pálio, de vidros escuros, perseguiu o carro particular
do Dr Mário Lúcio de Avelar, emprestado para
um amigo que o dirigia sozinho. Na semana seguinte, no dia
07 de agosto de 2003, em Palmas-TO, na ARSE 21, às
21h00, dois desconhecidos, circulando numa moto, pararam o
veículo do Procurador (dirigido pelo mesmo amigo),
do lado do motorista. Um deles sacou um revolver enquanto
o outro gritou: "Não, não é ele
não!".
Em
24 de setembro de 2003, enquanto se fechava o cerco policial
ao seu redor, o fazendeiro Aldimir Lima Nunes entregou-se
à Polícia Federal de Marabá, tendo em
seguida prisão preventiva decretada pelo juiz federal
em Marabá, onde, até a presente data, continua
preso.
*Fr. Xavier Plassat é Coordenador da Campanha Nacional
da Comissão Pastoral da Terra contra o Trabalho Escravo
1.
Edmundo Rodrigues Costa também sofre ameaças
especificamente ligadas ao seu trabalho de acompanhamento
de 43 famílias assentadas no PA Remansão, no
município de Nova Olinda, perto de Araguaína,
onde, inconformado com a desapropriação, o proprietário
já conseguiu liminar ilegal de despejo, baixada pelo
juiz local e, apesar de reformada a sentença e claramente
definida a competência da Justiça Federal no
caso, realizaou novo e violento despejo. Na oportunidade,
a CPT conseguiu a intervenção ágil da
Polícia Federal que prendeu vários pistoleiros,
todos considerados como sendo "da pesada". Disso
resultaram novas ameaças e grande tensão. Depois
de 130 dias, os mesmos já foram relaxados, aumentando
ainda o clima de apreensão na região.
|