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Relatórios


No Brasil, os bolsões de miséria, com a mão-de-obra ociosa, faminta e mais suscetível de ser aliciada, se encontram dispersos pelo Nordeste - Maranhão, Piauí e Bahia, por exemplo - e Centro Oeste - Goiás e Tocantins - e atingem outras regiões como o Vale de Jequitinhonha, em Minas Gerais 1. Percebe-se - lembrando o antropólogo francês Claude Meillassoux - que o escravo é, em geral, um estranho ao local onde é utilizado. Estando longe da moradia habitual tem menor capacidade de se defender. No caso da Amazônia, as pessoas, longe de seu local de origem, da rede de parentesco e amizade, são mais vulneráveis aos constrangimentos, sentem medo dos pistoleiros, dos empreiteiros, das doenças, da distância, dos animais e reagem, dentro de um espaço limitado. Alguns fogem, outros além de fugirem, denunciam às autoridades ou à sociedade civil.


O Trabalho Escravo e a Construção da Cidadania

Ricardo Rezende*


Escravo como se fosse mercadoria

Ora, viver uma situação de trabalho escravo por dívida é ter uma experiência oposta à do exercício de cidadania e, mais que um problema trabalhista, a escravidão é uma grave ofensa aos direitos humanos. O escravo é, já definia o filósofo grego Aristóteles, alguém reduzido à coisa, uma mercadoria animada. Ao estudar os novos escravos do mundo contemporâneo, presentes em países ricos e pobres, o professor Kevin Bales da Universidade de Surrey, na Inglaterra, no século XXI, afirmou que eles continuam uma mercadoria mesmo se dissimulada e sem recibo.

De fato, o fenômeno da escravidão por dívida coloca contra a parede a própria noção de desenvolvimento e progresso. Desenvolver o quê e para quê? Com qual custo? Quem usufrui o desenvolvimento e de que forma? Obter produtos a baixíssimo preço através da escravidão é inaceitável. O custo financeiro dos novos escravos se reduz ao transporte destes até o local do trabalho, sua alimentação e aos mecanismos empregados como coerção.

Em 2003, aumentou consideravelmente o número de reportagens e discursos oficiais sobre o problema no país e, por parte do governo, expressões tais como trabalho forçado ou semi-escravo foram substituídas simplesmente por trabalho escravo. O Secretário Nacional dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, em encontro com membros do Movimento Humanos Direitos 3, no Rio de Janeiro, declarou que a erradicação do trabalho escravo era uma prioridade não só de sua secretaria, mas do governo. Reconhecia que a eliminação desse problema era uma condição básica para o estabelecimento de um estado democrático de direito. Em março de 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao lançar o "Plano Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo", reafirmou essa decisão.

Aumenta o número de escravos?

Depois da posse de Lula como presidente, o número de casos conhecidos de escravidão por dívida na área rural se ampliou no Brasil, atingiu, até agosto de 2003, mais de 7 mil pessoas em pelo menos dez estados4, envolvendo especialmente unidades produtivas de pecuária e fruticultura e usinas de açúcar e álcool. O aumento do número conhecido de denúncias de pessoas que sofreram o crime previsto pelo artigo 149 do Código Penal Brasileiro (CPB)5 se explica porque há uma maior consciência nacional do problema e pela eficiência na fiscalização empreendida pelo poder público, revelando, assim, crimes que antes ficavam ocultos, mas também significa em alguns casos um aumento real de número do vítimas envolvidas e de empresas reincidentes no mesmo crime. A razão para esta última ocorrência seria a utilização por parte do Estado de instrumentos ainda insuficientes de repressão, como na região do Iriri, no Pará, e continuaria sendo mais barato, mesmo com os riscos de eventuais multas, manter escravos do que assumir as responsabilidades trabalhistas e os respectivos encargos sociais.

Quem escraviza?

Na área rural, diversas das fazendas denunciadas este ano, por violarem este mesmo artigo da lei, pertencem a grupos empresariais ou pessoas que têm poder econômico6 ou político expressivo. Em 2003, ganhou repercussão a denúncia formulada pela Procuradoria da República junto à Justiça Federal contra o deputado estadual Jorge Picciani, presidente da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, pelo crime cometido em fazenda no Mato Grosso. Como um dos diretores da fazenda era seu filho, o deputado federal Leonardo Picciani, é possível que este também seja denunciado. Ainda este ano houve denúncia similar elaborada pelo Procurador Geral da República junto à Justiça Federal contra o vice-presidente da Câmara Federal, o deputado Inocêncio Oliveira 7. Em fevereiro de 2003, Augusto Faria, outro político conhecido nacionalmente, e sua irmã também foram denunciados. Nos últimos anos, houve ainda políticos menos conhecidos igualmente acusados como o então deputado Vavá Mutran e um ex-prefeito, Elviro Arantes, ambos do Pará, e o deputado estadual do PPS, exercendo o cargo de secretário de Agricultura do Piauí, Francisco Nonato de Araújo, mas com terras no Pará.

Onde se alicia?

No Brasil, os bolsões de miséria, com a mão-de-obra ociosa, faminta e mais suscetível de ser aliciada, se encontram dispersos pelo Nordeste - Maranhão, Piauí e Bahia, por exemplo - e Centro Oeste - Goiás e Tocantins - e atingem outras regiões como o Vale de Jequitinhonha, em Minas Gerais 8. Percebe-se, lembrando o antropólogo francês Claude Meillassoux, que o escravo é, em geral, um estranho ao local onde é utilizado. Estando longe da moradia habitual, tem menor capacidade de se defender. No caso da Amazônia, as pessoas, longe de seu local de origem, da rede de parentesco e amizade, são mais vulneráveis aos constrangimentos, sentem medo dos pistoleiros, dos empreiteiros, das doenças, da distância, dos animais e reagem dentro de um espaço limitado. Alguns fogem. Outros, além de fugirem, denunciam às autoridades ou à sociedade civil.

Os problemas pendentes
Entre a denúncia e a sua apuração

Persiste a demora, como em anos anteriores, entre a denúncia formulada e a fiscalização concluída, além de diversas fazendas denunciadas sequer serem fiscalizadas, o que compromete a eficiência do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GM) e dos demais funcionários do Ministério do Trabalho (MTE). No final de setembro deste ano, de 204 fazendas denunciadas no país, apenas 110 haviam sido fiscalizadas (Jornal do Brasil, 28.09.2003). Ora, em documento de 4 de setembro de 2002, assinado por frei Xavier Plassat, coordenador da Campanha da CPT contra o Trabalho Escravo, já havia reclamação parecida: naquele ano, de 67 fazendas denunciadas, apenas 35 tinham sido fiscalizadas 9. Em 26 de janeiro de 2003, Frei Henri Burin des Rozierz apresentou no III Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, uma constatação que confirmava o documento de Xavier: "As equipes do Grupo Móvel, por falta de meios humanos e materiais, apesar de sua exemplar dedicação, não conseguem fiscalizar todas as fazendas. Em 2002, o Grupo fiscalizou no Pará só 38% das fazendas denunciadas (42 de 111) e liberou só 31% dos trabalhadores (1.346 sobre 4333)".

Escassez de recursos e de vontade

A Polícia Federal continua sem recursos para acompanhar as fiscalizações, mas, principalmente, não tem uma equipe móvel com a mesma disposição daquela existente no MTE.

Competência

Um juiz federal em Marabá, surpreendentemente na contramão da posição assumida pela Associação Nacional dos Juízes Federais, pela CPT e por outras organizações, declinou competência, transferindo para a esfera estadual uma ação que lhe chegara às mãos. Muitas pessoas e organizações acham necessário definir com maior clareza a competência legal da justiça federal. Caso contrário, outros juízes poderão declinar competência e, na esfera estadual, este tipo de ação tem menos chance de sucesso. A autonomia do juiz local, pelas pressões, é menor. O presidente do Tribunal da Justiça do Trabalho (TST), Francisco Fausto, em contrapartida, defende que estas ações também entrem na esfera de sua competência.

Lentidão em implementar projetos


Há lentidão excessiva na implementação dos projetos, como se pode constatar nos exemplos enumerados a seguir.
- Em 1996, o deputado federal Eduardo Jorge apresentou um Projeto de Lei (02022/96) dispondo que os órgãos públicos não manteriam contratos com órgãos e entidades e não permitiriam sua participação em licitações se estas utilizassem, direta ou indiretamente, trabalho escravo.
- Jaques Wagner, deputado federal, três anos depois, apresentou um Projeto de Lei (429/99) prevendo que seria proibido "contratos entre entidades ou empresas brasileiras ou sediadas em território nacional e empresas que exploram trabalho degradante em outros países".
- Em fevereiro de 2003, já empossado como ministro do trabalho, Jaques Wagner propôs ao governo a criação de um Cadastro de Inadimplência Social, uma espécie de Cadim do Trabalho Escravo, por considerar inadmissível que alguém submetesse trabalhadores a tal situação e ainda obtivesse crédito em bancos oficiais e defendeu a expropriação da terra de quem incorresse no crime. Ruth Vilela, da Secretaria de Fiscalização do MTE, nesta ocasião, defendeu, como o ministro Wagner, a não concessão de empréstimo ou benefícios a pessoas físicas ou jurídicas que, comprovadamente, utilizassem trabalho escravo. De acordo com ela, o Estatuto da Terra previa a possibilidade de suspensão dos financiamentos aos proprietários que não cumprissem a função social da terra, garantindo o bem-estar dos trabalhadores e sua proteção do ponto de vista da segurança e saúde.
- Contudo, no final de outubro de 2003, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) ainda reclamava que empresas que exploravam mão-de-obra escrava continuavam sendo beneficiadas por recursos públicos através de bancos oficiais e de órgãos públicos. Em resposta, o Ministério de Integração Nacional informava que para as empresas processadas e condenadas por este crime seriam suspensos os benefícios fiscais de órgãos como a Sudene e a Sudam e poderiam ter o acesso aos fundos constitucionais de financiamento bloqueados. Na mesma oportunidade, Patrícia Audi, da OIT, afirmou que o MTE estava elaborando uma lista de 100 empresas envolvidas com trabalho escravo para que não mais recebessem dinheiro público. Segundo Nilmário Miranda, Secretário Nacional dos Diretos Humanos, a lista seria "um golpe mortal no trabalho escravo" (O Globo, 29.10.2003: Economia 21).

Outro exemplo de lentidão se manifesta na esfera do legislativo federal onde, desde 1995, quando o deputado Paulo Rocha apresentou o Projeto de Emenda Constitucional (PEC 232), se tenta alterar o artigo 243 da Constituição Federal, incluindo como motivo de expropriação de terra o crime previsto no artigo 149 do Código Penal Brasileiro (CPB). Apensado ao PEC 438/2001 do senador Ademir Andrade, a proposta foi aprovada pelo Senado, mas até outubro de 2003 não foi votada pela Câmara dos Deputados, apesar das pressões da sociedade civil e de alguns membros dos demais poderes da república.

Conivência

Além da lentidão, surgem obstáculos, por interesses em manter alianças políticas, que dificultam apurações de responsabilidades em crimes. Diversas organizações civis - Movimento Humanos Direitos 10, Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, Grupos Rio Maria e Expedito, Tortura Nunca Mais, entre outros - estiveram na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro solicitando que as comissões dos Direitos Humanos e do Trabalho convocassem uma audiência pública para tratar das denúncias surgidas em 2003 de trabalho escravo no Rio de Janeiro e em fazenda mato-grossense dos deputados Jorge e Leonardo Picciani. Contudo, não obtiveram sucesso. O presidente da Comissão dos Direitos Humanos, Alessandro Molon, foi o único voto favorável à instalação da audiência solicitada.

Difamação e ameaças

Está em curso, no sul do Pará, uma campanha de difamação contra membros da CPT e contra autoridades que lutam pela erradicação do trabalho escravo na região. Foram ainda ameaçados de morte no Tocantins dois trabalhadores de Ananás, dois agentes da CPT de Araguaína - frei Xavier Plassat e Silvano Rezende - e o Procurador da República, Mário Lúcio de Avelar de Palmas. No Pará, também recebeu ameaça de morte o juiz trabalhista de Parauapebas, Jorge Vieira. O juiz solicitou em vão segurança física à Polícia Federal e, por isso, se retirou da comarca.

Aspectos positivos
O Poder Executivo

Na ação pela erradicação do trabalho escravo, tem sobressaído positivamente o discurso do poder executivo federal contra a escravidão. Ele manifesta o desejo de enfrentar o problema de forma curativa e preventiva. Em fevereiro de 2003, o presidente Lula prometeu que não haveria cortes nos recursos destinados ao programa de erradicação do trabalho escravo. Para evitar que os trabalhadores se tornassem reincidentes, o governo federal criou programas de apoio ao trabalhador libertado: o pagamento de seguro-desemprego em três parcelas, aliado à qualificação profissional do trabalhador ou de membros da família, além do financiamento de projetos por meio de bancos oficiais. Diversos municípios detectados como locais rotineiros de aliciamento para o trabalho escravo foram incluídos no programa de combate à fome, do governo federal. Além das promessas, foi simbolicamente importante quando, em setembro, o estado brasileiro finalmente reconheceu sua responsabilidade no caso José Pereira, assinou uma solução amistosa para o caso e efetuou o pagamento de R$ 52 mil ao jovem sobrevivente do trabalho escravo na fazenda Espírito Santo. Era, finalmente, o desfecho de uma petição que tramitava na OEA desde 1992, impetrada pela CPT, Cejil e Human Rigths Watch.

Ministério Público do Trabalho e Justiça do Trabalho

Têm sido positivas ações do Ministério Público do Trabalho e da Justiça do Trabalho em diversos casos. Por exemplo, provocada pelo Ministério Público do Trabalho, a Justiça do Trabalho determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Eleuza Farias, irmã do falecido Paulo César Farias, e da fazenda da família, a Santa Ana Agropecuária Industrial S/A, no município Cumaru do Norte, Pará. A Justiça também determinou o bloqueio da conta bancária, a indisponibilidade dos bens de Eleuza (Terra Notícias, 24.02.2003). Tem também chamado atenção o fato de o presidente do TST se manifestar com freqüência a favor da erradicação do trabalho escravo. Ele tem defendido a implementação de varas itinerantes da Justiça do Trabalho e de maior presteza na solução dos problemas 11.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) tem ajuizado ações de indenização por dano moral coletivo decorrente de ação civil pública contra empresas que utilizam mão-de-obra escrava desde os últimos meses de 2002. O sucesso destas ações pode contribuir como mecanismo de dissuasão aos que são beneficiados pelo crime. Vejamos três casos de ações:
1. O MPT do Pará ajuizou, em 20 de fevereiro de 2003, em Redenção, ações para bloqueio e rastreamento de contas dos fazendeiros que mantinham 361 trabalhadores em regime análogo ao trabalho escravo. Os trabalhadores foram libertados nas fazendas Vale do Rio Fresco e Santana naquela semana por uma força tarefa composta pelo GM, Polícia Federal e MPT (Jornal do Tocantins 21/02/2003).
2. O primeiro depósito ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) se deu em agosto de 2003, conforme o juiz titular da Vara do Trabalho de Parauapebas, Jorge Vieira. Os pecuaristas Ézio Gonçalves Montes e Romar Divino Montes, proprietários da Fazenda Vale Paraíso II, situada em Curionópolis, recolheram "espontaneamente" ao FAT R$ 40 mil de um total de R$ 300 mil bloqueados pela Justiça do Trabalho por meio do sistema Penhora On-Line (Notícias do TST, 11/09/2003).
3. A Procuradoria de Trabalho do Pará ingressou, em 22 de outubro de 2003, com uma ação civil pública contra Lima Araújo Agropecuária, no valor de R$ 22 milhões, por reincidência em violação do artigo 149 do CPB em duas de suas fazendas: Estrela de Alagoas, na Piçarra, e Estrela de Maceió, em Santana do Araguaia.

Procuradoria da República e Tribunal de Justiça

A Procuradoria Geral da República ganhou novo alento, após a substituição de Geraldo Brindeiro, pelo novo procurador-geral da república Cláudio Lemos Fonteles. Cláudio Fonteles tem reiteradamente manifestado o desejo de contribuir com a erradicação do trabalho escravo. Em 13 de outubro de 2003, denunciou ao Supremo Tribunal Federal o deputado federal e vice-presidente da Câmara Inocêncio de Oliveira e seu administrador por se envolverem, na fazenda Caraíbas, em Dom Pedro, Maranhão, com o crime previsto no artigo 149 do CPB.

Foi também considerada positiva, no conjunto de ações contra a escravidão, a atitude do ministro Nilson Naves, presidente do Superior Tribunal de Justiça, ao negar uma liminar de hábeas corpus em favor do fazendeiro Joaquim Gonçalves Montes, do Pará, denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) pela prática de vários crimes, entre eles o crime previsto no artigo 149 do CPB (Agência JB Brasília, 08.01.2003).

As operações do GM/MTE demonstram que o combate à escravidão ganha eficiência quando os poderes públicos - Polícia Federal, MPT, Justiça do Trabalho, Procuradoria da República e Justiça Federal - atuam em conjunto.

Câmara dos Deputados

A Comissão de Constituição da Câmara, em 29.10.2003, aprovou um projeto de lei que dobra a penalidade para quem mantiver trabalhador em regime de escravidão. A pena mínima, que era de dois anos, será de quatro; a máxima, que era de quatro, passará a oito anos. O aumento do tempo de prisão evita a concessão de penas alternativas. O projeto de lei ainda deverá ser votado em plenário.

Encontros, cursos e debates

A escravidão por dívida passou a fazer parte da agenda nacional. Isso se expressa no interesse que a imprensa tem demonstrado pelo tema e no fato de que diversos organismos da sociedade civil e do estado criam espaços de reflexões e de propostas sobre sua erradicação. Cabe ressaltar, ainda, a inclusão deste tema em palestras, debates, assembléias, cursos e encontros promovidos pela CPT, em convênio com Sindicatos dos Trabalhadores Rurais, suas Federações e Central Única dos Trabalhadores, pela Ordem dos Advogados do Brasil, pela Associação Nacional dos Fiscais Auditores do Trabalho, pelo Ministério do Trabalho e da Justiça para seus quadros com o apoio da OIT. A mobilização contra o trabalho escravo tem propiciado a criação de campanhas pela sua erradicação. A mais antiga é aquela nacional da CPT, mas há outras, como a criada em Campos de Goytacazes, no Rio de Janeiro, em agosto de 2003, com a participação da Universidade Cândido Mendes, da CPT/RJ, do MST/RJ e de outras organizações civis. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi criado um núcleo de estudo que prepara um banco de dados sobre o problema e reflete o problema.

Conclusão

Resta observar que a CPT continua sendo uma das organizações que melhor tem acompanhado, documentado, denunciado e elaborado sugestões para resolver o problema do trabalho escravo na área rural no país. No meio governamental, destaca-se a atuação conjunta dos auditores fiscais do GM/MTE, dos procuradores do trabalho e da justiça do trabalho. Relevante serviço também tem sido a atuação da OIT. Isso, contudo, não basta. O Estado brasileiro, conforme constata Ruth Vilela, da Secretaria de Inspeção do Trabalho, tem se mostrado eficiente nas operações de fiscalização do MTE, mas não tem se revelado eficaz12. As mesmas unidades de produção que incorrem neste crime voltam a reincidir neles depois de fiscalizadas, multadas e mesmo quando o proprietário foi condenado penalmente. Algumas medidas mais enérgicas precisariam ser tomadas, principalmente através de punições econômicas, com a suspensão de financiamento oficial e a aprovação, na Câmara dos Deputados, da Emenda Constitucional de Ademir Andrade.

E uma lacuna é a ausência de monitoramento tanto da sociedade civil, quanto do Estado, a respeito da escravidão na área urbana. Alguns casos esporadicamente têm sido revelados: nordestinos foram aliciados em São Paulo para trabalharem como escravos na região metropolitana de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, sem infra-estrutura para implantação de cabos de fibras óticas, beneficiando uma grande operadora de telefonia; e a Polícia Federal descobriu, no Brás, centro da cidade de São Paulo, 60 bolivianos, incluindo mulheres e crianças, submetidos ao trabalho escravo em confecções caseiras por Myo Ja Kim Lee, uma coreana. Provavelmente, o número de vítimas brasileiras ou estrangeiras no trabalho escravo urbano também é grande.

 

* Ricardo Rezende participa de um grupo de pesquisa sobre o trabalho escravo no CFCH/UFRJ e é membro do Conselho Deliberativo da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.

1. Os estados de onde saíram maior número de pessoas como mão-de-obra escrava, conforme pesquisa da OIT "para todo o país são Piauí, com 22% dos casos, seguido por Tocantins (15,5%), Maranhão (9,2%), Pará (8,5%), Goiás (4,2%) e Ceará (3,8%) (cf. O Globo, 27.10.2003: 17).

3. ONG criada no Rio de Janeiro no início de 2003, composta por artistas, cartunista, jornalistas e intelectuais, tendo como uma de suas prioridades a erradicação do trabalho escravo no Brasil

4. Pará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Maranhão, Tocantins, Bahia, São Paulo, Paraná e Rondônia.

5. "Reduzir alguém a condição análoga à de escravo".

6. A fazenda Tabuleiro, de Nenê Constantino, da Gol Transportes Aéreos, e a Usina Santa Cruz, da empresa Boa Vista e Morongaba, foram algumas das empresas denunciadas em 2003.

7. O crime teria ocorrido na sua fazenda Caraíba, no Maranhão, entre dezembro de 2001 e março de 2002.

8. Os estados de onde saíram maior número de pessoas como mão-de-obra escrava, conforme pesquisa da OIT para todo o país são Piauí, com 22% dos casos, seguido por Tocantins (15,5%), Maranhão (9,2%), Pará (8,5%), Goiás (4,2%) e Ceará (3,8%) (cf. O Globo, 27.10.2003: 17).

9. A sigla CPT significa Comissão Pastoral da Terra.

10. Do MHUD estavam, entre outras pessoas, os atores Marcos Winter, Bete Mendes, Dira Paes, Eliane Giardini e Leonardo Vieira.

11. Solicitou ao presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 14ª Região (Rondônia e Acre), o apoio à inspeção especial que estava sendo realizada na Fazenda Modelo, em Xupinguaia (RO), onde foram constatados 130 trabalhadores em condições análogas às de escravos. Por isso, o presidente do TRT enviou à fazenda um novo juiz em substituição à juíza da Vara do Trabalho de Colorado (RO), Rosângela Cipriano dos Santos, com jurisdição sobre Xupinguaia. Conforme os técnicos do GM/MTE, a juíza criava obstáculos à autuação do proprietário da Fazenda Modelo. O juiz substituto conseguiu que a indenização às vítimas fosse efetuada com rapidez (Notícias do TST, 05 e 10.09.2003).

12. Conforme palestra que ela proferiu como painelista do 21o. Encontro Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, em Teresina, Piauí, entre 7 e 12 de setembro de 2003.