O Relator Especial concluiu que uma das principais causas
da fome no Brasil é a enorme área de terras
não cultivadas que, segundo o INCRA (Instituto de Colonização
e Reforma Agrária), chega a 100 milhões de hectares.
Outro problema é a enorme concentração
de terras, onde 2% dos latifundiários detêm 56%
das propriedades e 80% dos pequenos produtores detêm
somente 12% das terras agrícolas. Ao mesmo tempo, existem
4,8 milhões de famílias sem terra no país.
Relator
da ONU conclui relatório sobre
Direito à Alimentação no Brasil
Maria
Luisa Mendonça*
O
relatório conclui que a fome não é um
problema de disponibilidade, mas de "acesso à
comida" e garante que o Brasil, como um dos maiores países
exportadores de alimentos do mundo, possui todas as condições
para alimentar sua população.
O
Relator Especial da ONU sobre o direito à alimentação,
Jean Ziegler, concluiu seu relatório sobre o Brasil,
que foi apresentado oficialmente na Comissão de Direitos
Humanos, em abril de 2003. O relatório se baseia em
uma visita do Relator ao Brasil, de 1 a 18 de março
de 2002, quando suas críticas causaram grande polêmica.
O relatório oficial classifica como "insuficientes"
as medidas adotadas pelo governo de Fernando Henrique Cardoso
para combater a fome. Ele critica "setores da sociedade
que seguem sem assimilar a idéia de que os direitos
humanos também se aplicam aos pobres".
O
relatório reconhece alguns avanços na "concepção
do direito à alimentação", em conseqüência
do "trabalho realizado pela vibrante e eficiente sociedade
civil do país." E espera que o presidente Lula
"encontre conselhos úteis nesse informe".
O
Dr. Ziegler conclui que a fome não é um problema
de disponibilidade de alimentos, mas de "acesso à
comida" e garante que o Brasil possui todas as condições
para alimentar sua população. Dados da administração
de Fernando Henrique Cardoso indicam que 22 milhões
de pessoas passam fome no Brasil. O Partido dos Trabalhadores
fala em 44 milhões e, Dom Mauro Morelli, da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), estima que existam 53
milhões de famintos no País.
O
relatório critica a política voltada para a
exportação de alimentos e adverte que, mesmo
com uma maior abertura dos mercados da Europa e dos Estados
Unidos para produtos brasileiros, isso provavelmente não
significaria a diminuição da fome no Brasil.
Segundo o Dr. Ziegler, é possível acabar com
a fome através da reforma agrária e do apoio
aos pequenos produtores, com prioridade para o acesso à
alimentação no mercado interno. Para isso, ele
recomenda maior rapidez nas desapropriações,
combate à grilagem de terras, a implementação
do projeto de lei que limita o tamanho das propriedades rurais
e a revogação da medida provisória que
proíbe a desapropriação de terras ocupadas
por trabalhadores sem terra.
Outro
alvo de críticas é o Fundo Monetário
Internacional (FMI) que, segundo o Relator, "exige a
manutenção do superávit primário
para priorizar o pagamento da dívida", o que restringe
os investimentos sociais e causa "discrepância
e falta de transparência" entre o orçamento
e os gastos em projetos sociais. O relatório classifica
o Brasil como "uma potência econômica altamente
desenvolvida e a décima economia do mundo, mas também
um país com milhões de pessoas pobres e famintas,
efetivamente excluídas dessa economia poderosa".
O
relatório afirma que, apesar do progresso em algumas
áreas, como a diminuição da mortalidade
infantil e o aumento do Índice de Desenvolvimento Humano,
o Brasil ainda ocupa uma posição inferior à
da maioria dos países latino-americanos, como México,
Venezuela e Colômbia, ocupando a 73ª posição
entre 162 países.
As
causas da fome no Brasil
O
Relator Especial concluiu que uma das principais causas da
fome é a enorme área de terras não cultivadas
que, segundo o INCRA (Instituto de Colonização
e Reforma Agrária), chega a 100 milhões de hectares.
Outro problema é a enorme concentração
de terras, onde 2 % dos latifundiários detêm
56% das propriedades e 80% dos pequenos produtores detêm
somente 12% das terras agrícolas. Ao mesmo tempo, existem
4.8 milhões de famílias sem terra no país.
A
concentração fundiária tem gerado o êxodo
rural e o grande aumento da população urbana,
que se concentra nas favelas e aumenta o contingente de famintos.
O Relator afirma que "miséria urbana, pobreza
e fome estão estreitamente ligadas ao problema da pobreza
rural e dos sem terra".
Outra
causa da fome, destacada no relatório, é o desemprego.
O Dr. Ziegler adverte ainda para o problema da insegurança
alimentar de milhões de brasileiros que recebem salário
mínimo e que, segundo ele, é insuficiente para
garantir uma alimentação adequada.
O
relatório elogia programas como o Bolsa Escola, Bolsa
Alimentação e Merenda Escolar como uma forma
de transferir recursos para a população carente,
mas adverte para o risco do "clientelismo que as elites
regionais e governos locais muitas vezes exercem sobre controle
de recursos, em detrimento de programas voltados para os pobres".
O
estudo do Dr. Ziegler enfatiza que o Brazil é um país
de "recursos abundantes" e que "deveria ser
possível garantir o direitos à alimentação
para todos os brasileiros." Ele lembra uma citação
de Jean-Paul Sartre: "O tempo não é uma
entidade abstrata, é a vida humana". E conclui
seu relatório com uma advertência, "O sofrimento
diário e silencioso de tantos milhões de brasileiros
famintos e malnutridos tem que acabar".
Principais Recomendações do Relatório:
-
Implementação de uma legislação
nacional que aumente a proteção ao direito à
alimentação.
- Combate à impunidade através da independência
do poder judiciário. Os casos de violações
de direitos humanos envolvendo autoridades locais ou estaduais
devem ser julgados no âmbito federal como, por exemplo,
o massacre de Eldorado dos Carajás.
- O atual modelo econômico deve ser revisado para que
se examine os impactos das políticas macroeconômicas
e da liberalização do comércio sobre
a pobreza e a desigualdade social.
- A reforma agrária deve ser implementada com maior
rapidez, inclusive as desapropriações. O projeto
de lei que limita o tamanho da propriedade rural deve ser
implementado. Deve-se intensificar o combate à grilagem
de terras. A medida provisória de maio de 2000, que
proíbe a desapropriação de terras ocupadas,
deve ser revogada.
- Mais recursos devem ser investidos para beneficiar a população
pobre. As demandas do FMI de se garantir o superávit
primário não devem limitar o acesso à
alimentação.
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Maria Luisa Mendonça é jornalista e diretora
da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.
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