A exclusão social aumentou 11% no país, entre
1980 e 2000. Nessas duas décadas, o número de
excluídos passou de 51 milhões (42,6% da população
de 120 milhões de habitantes) para 80 milhões
(47,3% da população de 170 milhões).
O aumento do desemprego e da violência são os
principais fatores que contribuíram para o crescimento
da exclusão social no país. Entre os dados pesquisados,
a educação foi o único setor a apresentar
melhora.
Processo
de exclusão social no Brasil
Marcio Pochmann*
Desde a chegada dos portugueses ao Brasil, há mais
de cinco séculos, a exclusão tem sido uma das
principais marcas nacionais. Três referências
históricas consideráveis sintetizam a abrangência
e complexidade do processo de exclusão social a partir
do brutal genocídio de indígenas, do bárbaro
escravismo de negros africanos e das mazelas impostas pelo
colonato paternalista à imigração européia.
Além disso, a evolução econômica
e política do país fundamentou-se continuamente
na condição de entreguismo das classes dirigentes
aos interesses internacionais, geralmente condicionando a
força da produção nacional à dinâmica
externa. Não foi por acaso que a estrutura social brasileira
terminou caracterizando-se por ser extremamente fechada à
mobilidade ascensional das classes subalternas, sendo, na
maioria das vezes, abandonada ao livre jogo do darwinismo
de mercado.
Da
Revolução de 1930 à redemocratização
nacional, ainda no início da década de 1980,
o Brasil assistiu ao engrandecimento de suas forças
produtivas fundadas no ciclo da industrialização
nacional. De economia agrária-exportadora, atrasada
e anti-social, o país transformou-se em urbano e responsável
por um dos oito maiores produtos industriais do mundo. Os
ganhos sociais apareceram, ainda que não suficientes
para contra-arrestar o processo histórico de exclusão
social.
Surgem
e consolidam-se condicionalidades legais de proteção
e valorização do trabalho, algo inédito
até então. Valor mínimo de contratação
do trabalhador, assim como limites temporais à exploração
do trabalho, com jornadas semanais e anuais de exercício
no emprego.
Pela primeira vez foi possível a segmentos das classes
subalternas viver sem trabalho, diante da oportunidade de
ingresso no sistema previdenciário. Tudo isso resultou
de uma longa jornada de luta, como, por exemplo, a previdência
social que teve início em 1923, para apenas o segmento
ferroviário paulista, passando pelo avanço da
incorporação de categorias profissionais urbanas
desde a década de 1930, até o acesso limitado
do homem do campo, com o estatuto do trabalhador rural, em
1963, e o FUNRURAL, quase cinco anos depois. É somente
pela Constituição Federal de 1988 que a homogeneização
de benefícios do setor privado entre trabalhador urbano
e rural termina por ocorrer. Ou seja, quase sete décadas
depois da primeira experiência de previdência
social.
Observa-se
como tem sido arcaica, além de lenta, a adoção
e generalização de medidas de enfrentamento
do processo de exclusão social no Brasil. Na maioria
das vezes, o social subordina-se ao econômico, procurando
garantir as melhores condições de produção
e reprodução da riqueza, independentemente de
como termina afetando a sociedade como um todo.
Esse
parece ser o périplo mais recente das decisões
nacionais, mais especialmente desde o início da década
de 1980, quando o Brasil deixou de perseguir um projeto nacional
de país. Foram várias experiências, sobretudo
as que resultaram das políticas neoliberais adotadas
desde 1990, responsáveis por uma nova rota de exclusão
sustentada no aviltamento da desigualdade, do desemprego e
da violência.
Frente
à normalidade da manifestação da exclusão
social, procura-se analisar brevemente em que condições
e como o país vem se comportando em relação
à evolução da exclusão social
nos últimos 40 anos. É este país, em
síntese, que requer uma intervenção de
novo tipo, para que a marcha do século XXI não
seja uma reprodução - guardada a devida proporção
- do passado atrasado e sem reformas que contestem a evolução
do darwinismo social imposto geralmente pelo determinismo
do econômico sobre a nação.
Resistência
conservadora
As
quatro décadas que compreendem o período de
1960 e 2000 registraram combinações contraditórias.
Reuniram, por um lado, o rápido crescimento econômico
durante o regime político autoritário (1964/80);
por outro, o baixo dinamismo da economia com regime político
democrático (1985/2000).
A
despeito do significativo avanço econômico, com
taxas médias de variação do Produto Interno
Bruto ao ano de quase 7,5%, nota-se que durante o período
de 1960/1980 a totalidade da população nacional
terminou não tendo acesso satisfatório nos resultados
do progresso material do capitalismo brasileiro. Dessa forma,
houve a presença do movimento de empobrecimento de
parte da população urbana, responsável
pela tendência de generalização da pobreza
no espaço urbano, que até então se concentrava,
sobretudo, no meio rural.
O
avanço da urbanização da pobreza transcorreu
acompanhado de um forte êxodo rural, capaz de gerar
um enorme excedente de mão-de-obra pouco qualificada
e de baixa escolaridade nas cidades mais industrializadas.
Não obstante o importante aumento médio anual
no emprego assalariado formal, que permitiu o acesso imediato
aos direitos sociais e trabalhistas, verificou-se que a grande
repressão sindical, bem como o autoritarismo político,
terminou por resultar no arrocho salarial.
Assim, a maior taxa de assalariamento, que passou de 19,6%,
em 1960, para 45,4% da População Economicamente
Ativa em 1980, mostrou ser apenas suficiente para compensar
a queda no poder de compra do salário mínimo,
que, segundo cálculo do DIEESE, foi de 38,4% acumulado
no período. Por conta disso, observou-se que o trabalhador,
mesmo estando empregado com contrato formal em uma grande
firma, não tinha condições necessárias
para residir decentemente, tendo que recorrer à favela
numa grande cidade.
Para
o período de 1980 e 2000, a evolução
da exclusão social sofreu uma profunda modificação.
Ao contrário do que ocorreu anteriormente, o período
de 1980 a 2000 foi permeado por um par de contradições,
em que predominou a combinação de baixa expansão
das atividades econômicas com avanço no regime
político democrático.
Dessa
forma, a retomada da democracia brasileira, com reorganização
da vida partidária e da dinâmica eleitoral, com
fortalecimento do sindicalismo e das organizações
sociais, terminou sendo fortemente constrangida pela ausência
do crescimento econômico sustentado. A renda per capita
nacional, por exemplo, cresceu tão somente 0,36% durante
o período de 1980/2000, como média anual, bem
abaixo do que se verificou no período anterior (1960/80),
quando a renda per capita aumentava em média 4,58%
anualmente. Além de certa estagnação
na evolução da renda per capita nacional, assistiu-se
ao predomínio de uma forte oscilação
nas atividades econômicas, acompanhada da manifestação
de um longo regime hiperinflacionário (1979/1994).
Diante
do débil comportamento econômico, o desempenho
do mercado de trabalho foi negativo. Por um lado, a expansão
do emprego assalariado foi decepcionante, sendo responsável
pela queda na taxa de assalariamento formal que resulta da
comparação entre os empregados assalariados
com carteira assinada e o total das ocupações.
Nesse
contexto econômico desfavorável, o fenômeno
da mobilidade social foi enfraquecido, mesmo com o avanço
da escolaridade da população e a maior cobertura
social de cursos de capacitação profissional.
Da mesma forma, a obstaculização do acesso ao
sistema de crédito ao consumidor e ao financiamento
da casa própria, sobretudo devido às altas taxas
de juros reais e às instabilidades econômicas
e, por conseqüência, no mercado de trabalho, impediu
o decréscimo da pobreza.
Esta,
aliás, tornou-se cada vez mais efetiva nas grandes
metrópoles brasileiras. Ou seja, o movimento de metropolização
da pobreza fez com que as grandes cidades, que até
o final dos anos 70 eram fonte de imigração
por conta das oportunidades de emprego e vida melhor, assumissem
o papel mais recente de centros de desemprego, poluição,
enchentes e violência.
Em
certo sentido, a explosão da violência urbana
revelou, de maneira combinada com a desigualdade, o desemprego
e a escassez de perspectiva mobilidade social ascensional,
as condições de produção e reprodução
da nova exclusão social. Mesmo sem ter vencido plenamente
a velha exclusão (pobreza, analfabetismo e baixa escolaridade),
o Brasil passou a despontar pelo avanço mais recente
da nova exclusão social (desemprego, desigualdade de
renda e violência).
O
processo de exclusão, por conta disso, apresentou transformações
significativas, uma vez que o país demonstrou incapacidade
de superar a chamada velha exclusão, quanto mais combater
o avanço da nova exclusão. Vale ressaltar o
fato de o Brasil ter passado por situações tão
distintas sem que terminasse realizando as reconhecidas reformas
clássicas do capitalismo contemporâneo. Em síntese,
o país teima em não implementar a reforma fundiária,
conforme a maioria dos países desenvolvidos realizou,
antes ou durante o século XX, conforme Japão
e Itália, no imediato segundo pós-guerra mundial.
Nesse
mesmo sentido, a reforma tributária deixou de ser realizada.
Mas, especificamente, aquela que propicie a justiça,
pois enquanto os ricos praticamente não pagam impostos,
são os pobres é que terminam contribuindo demasiadamente
para a manutenção de uma carga fiscal total.
Desde os anos 90, cerca de 1/3 do total da arrecadação
tributária tem sido comprometido com o pagamento do
serviço do endividamento público.
Também
a ausência de uma verdadeira reforma social, capaz de
possibilitar a distribuição justa da renda nacional,
termina impondo não apenas a maior desigualdade de
renda, como uma pressão adicional no interior do mercado
de trabalho. Diante da insuficiência de renda, o país
tem cada vez mais o segmento juvenil deslocando-se precocemente
do sistema escolar para o mundo do trabalho, ao mesmo tempo
em que aposentados e pensionistas não abandonam seus
postos de trabalho e empregados aceitam maiores jornadas de
trabalho, seja pela ampliação das horas extras,
seja pela dupla ocupação.
*
Professor licenciado do Instituto de Economia e pesquisador
do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da
Universidade Estadual de Campinas. Secretário do Desenvolvimento,
Trabalho e Solidariedade do Município de São
Paulo.
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