O país tem mais de 42 milhões de pessoas acima
dos 10 anos que não podem fazer uso da leitura e escrita
em seu cotidiano, o que representa 31,4% da população
dessa faixa etária. Em 2001, 49,8% dos professores
do ensino fundamental não tinham concluído o
ensino superior. Destes, 3,1% tinham como escolaridade o próprio
curso fundamental, completo ou incompleto. Na região
Norte está o pior índice: 78,2% de profissionais
não têm curso superior e 8,3% não têm
o ensino fundamental. Os docentes do Nordeste ganham cerca
de 44% menos que a média salarial da categoria em âmbito
nacional. Em relação às populações
indígenas, a exclusão pode ser observada nos
recursos destinados a esta modalidade para 2003: 0,001% do
Orçamento Federal para a educação.
Acesso à educação ainda
não é universal
no Brasil
Sérgio
Haddad
Mariângela Graciano*
Ao
longo de 2003, não aconteceram mudanças nas
políticas educacionais que resultassem em alterações
no sistema formal de ensino ou que tivessem impactado as estatísticas
dessa área.
O
legado recebido pelo governo Lula no campo educacional demonstra
que, apesar da crescente oferta de vagas para o ensino fundamental
registrada nos últimos anos, o País ainda não
atingiu sequer a universalização do acesso para
a população de 7 a 14 anos: em 2000, 98,9% desse
grupo estavam matriculados no ensino fundamental, o que significa
dizer que mais de 280 mil pessoas dessa faixa etária
estavam fora da escola. Na Região Nordeste, 14% das
crianças de 7 a 9 anos não freqüentam a
escola, índice que sobe para 15,6% na região
Norte.
Se
considerarmos a idade de 10 a 14 anos, o número de
crianças fora da escola é de 6,39% para o Brasil
e de 14% para o Norte e Nordeste. A pré-escola - faixa
etária de 5 a 6 anos - não é freqüentada
por 26,15% das crianças brasileiras.
Nos
últimos dez anos, houve um crescimento no atendimento
do Ensino Médio em proporção maior que
nos outros níveis de ensino: de 1991 para 2000 as matrículas
cresceram 117,31%, enquanto no ensino fundamental cresceram
em 22,31%. Apesar dessa ampliação, a oferta
ainda é bastante insuficiente: em 2000, apenas 40,1%
da população com mais de 14 anos freqüentavam
este nível.
Além
de não atingir a todos, o crescimento da oferta de
vagas na educação básica não foi
acompanhado por uma melhoria na qualidade do ensino. Elevado
número de alunos nas salas de aula, diminuição
no tempo das aulas, precária qualificação
dos professores, baixa profissionalização com
baixos salários, instalações materiais
inadequadas, falta de apoio de material pedagógico
formam um conjunto articulado de fatores que impedem o desempenho
satisfatório de professores e alunos.
As
condições descritas provocaram elevados índices
de evasão e repetência - 19,5% para o Brasil.
Estes indicadores demonstram uma enorme inadequação
entre a demanda e a qualidade da oferta, e confirmam as desigualdades
regionais: Norte com 27,3% e Nordeste, 27,5% apresentam os
índices mais elevados de evasão e repetência.
O
elevado número de crianças e jovens fora do
sistema de ensino, acrescido do processo de retardamento da
escolaridade provocado pelos altos índices de evasão
e repetência acabam por provocar altíssimas taxas
de defasagem idade/série. Em 2001, o índice
de defasagem idade-série era de 50% para a 5a série;
45,7% na 8a série; 58% na 1a série do Ensino
Médio e 50,8% na 3a série desse nível.
A
baixa escolaridade média no País, gerada por
esta situação, pode ser verificada pelo elevado
índice de analfabetismo funcional - pessoas que têm
entre 1 e 3 anos de escolaridade. Somados aos analfabetos
absolutos, são 42.844.220 pessoas acima de 10 anos
que não podem fazer uso da leitura e escrita em seu
cotidiano, o que representa 31,4% da população
dessa faixa etária. Novamente o Nordeste apresenta
os piores índices: 17,92% da população
dessa faixa etária são analfabetos absolutos
(mais que o triplo da Região Sul), e 28,93% são
analfabetos funcionais.
Um
outro fator que merece ser considerado quando se analisa o
padrão de qualidade do ensino público é
o professor, sua formação, carreira e remuneração.
De acordo com dados do Ministério da Educação/Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais(MEC/INEP), para
o Brasil como um todo, em 2001, 49,8% dos professores do ensino
fundamental não tinham concluído o Ensino Superior,
formação adequada para lecionar nesse nível
de ensino. Destes, 3,1% tinham como escolaridade apenas o
próprio curso fundamental, completo ou incompleto.
Regionalmente,
o pior índice é o do Norte, com 78,2% de profissionais
sem curso superior e 8,3% sem o ensino fundamental, seguido
pelo Nordeste, com 70,7% e 6,3%, respectivamente.
A
remuneração dos professores, além de
ser muito baixa, registra, novamente, as desigualdades regionais,
não havendo um piso nacional ou carreira unitária,
ficando os professores à mercê dos condicionantes
econômicos das regiões, estados e municípios.
Os docentes do Nordeste ganham, aproximadamente, 43,9% menos
que a média salarial da categoria em âmbito nacional.
As
escolas também não oferecem boas condições
físicas e tão pouco estão aparelhadas
para o trabalho escolar. Em 2001, 44,4% dos alunos do ensino
fundamental não tinham acesso à biblioteca e
62,4% a quadras de esporte.
Os
dados do IBGE revelam ainda que os avanços na escolaridade
dos brasileiros não alteraram o quadro de desigualdades
para os grupos vulneráveis. De acordo com pesquisa
realizada pela Articulação de Mulheres Brasileiras
(2001), a taxa de analfabetismo caiu para todos os grupos,
mas em 1999 ainda era muito mais elevada para os negros (20%)
do que para os brancos (8,3%). Naquele mesmo ano, enquanto
os brancos tinham, em média, 6,7 anos de estudos, a
escolaridade média dos negros era de 4,5 anos.
Entre
1992 e 1999, o percentual de pessoas de 14 a 17 anos que não
freqüentavam a escola caiu de 35,8% para 18,3%, mas comparando-se
a situação de brancos e negros, verifica-se
que para os primeiros o percentual caiu de 31% para 15,6%
e para os demais caiu de 40,6% para 21%, mantendo-se a desigualdade.
Em
2001, o Plano Nacional de Educação, seguindo
os parâmetros da Organização Mundial de
Saúde, estimava que existiam cerca de 15 milhões
de brasileiros com necessidades especiais de diversas ordens.
No entanto, em 1999, havia 293.403 matrículas escolares
dessa população, sendo 58% de pessoas com problemas
mentais; 13,8% com deficiências múltiplas; 12%
com problemas de audição; 3,1% de visão;
4,5% com problemas físicos.
Neste
mesmo ano, dos 5.507 municípios, 59,1% não ofereciam
Educação Especial. No Nordeste, 78,3% dos municípios
não oferecem esta modalidade de ensino, contra 41,9%
no Sul.
Em
relação às populações indígenas,
a intensidade da exclusão pode ser observada nos recursos
irrisórios destinados a esta modalidade para 2003:
0,001% (R$ 250 mil) do Orçamento Federal para a Educação
(cerca de R$ 14,9 bi). Em geral, as poucas iniciativas estão
embutidas na educação rural, o que demonstra
o não reconhecimento da especificidade desse grupo.
Embora
os dados demonstrem a eqüidade de gênero em relação
à escolaridade, a análise dessa informação
sob a perspectiva étnica revela que as mulheres negras
permanecem nas piores condições. Enquanto mulheres
brancas têm taxas de alfabetização e escolaridade,
respectivamente, de 90% e 83%, as negras ficam com 78% e 76%.
Analfabetismo
A
única iniciativa inovadora no campo das políticas
educacionais refere-se à alfabetização
de jovens e adultos, que passou a ser coordenada pelo programa
Brasil Alfabetizado, lançado oficialmente pelo Governo
Federal em setembro de 2003, com o objetivo de alfabetizar
20 milhões de pessoas em quatro anos, em parceria com
organizações da sociedade civil e utilizando
metodologias diversas.
O
primeiro resultado dessa iniciativa foi colocar o direito
à educação de jovens e adultos na pauta
nacional de debates. Historicamente, esta modalidade de ensino
tem sido tratada pelo poder público como política
compensatória, de caráter assistencial, e não
como um direito humano. No passado recente, o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso vetou que esta modalidade fosse
beneficiada por uma política universal, ao limitar
o seu acesso aos recursos do Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização
do Magistério - Fundef. Ao mesmo tempo, incentivou
uma política compensatória através do
Programa Alfabetização Solidária.
No
entanto, além das ações de alfabetização
de jovens e adultos, é preciso garantir que estes segmentos
tenham garantida a continuidade de sua escolarização
em sistemas regulares de ensino, conforme determina a Constituição
de 1988. Para tanto, é preciso incluir esta modalidade
no acesso ao Fundef, derrubando o veto do ex-presidente e
induzindo estados e municípios a contemplarem esta
camada da população em seus sistemas educacionais.
Sem a garantia da continuidade escolar, o máximo que
se conseguirá é aumentar o número do
analfabetismo funcional.
Também
é preciso combinar a educação com outras
políticas de inclusão, pois a alfabetização
isolada não resulta em desenvolvimento pessoal e social:
não garante terra, trabalho, alimentação,
moradia.
*
Sérgio Haddad é Relator Nacional para o Direito
à Educação, secretário-executivo
da ONG Ação Educativa e professor da PUC-SP.
* Mariângela Graciano é Assessora da Relatoria
Nacional para o Direito à Educação
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