Conceição das Crioulas, distrito localizado
no "Polígono da Maconha" - onde persistem
os casos de trabalho escravo em grandes propriedades que cultivam
a erva e a grilagem de terras quilombolas -, teve início
quando as escravas Francisca, Germana e Mendeira, fugidas
dos Quilombos dos Palmares, em Alagoas, chegaram à
região, no século 18. Daí em diante,
é a força das mulheres que faz a diferença
nesse distrito. Uma delas, Aparecida Mendes, coordenadora
da Associação Quilombola de Conceição
das Crioulas, roda o mundo levando a história de sua
comunidade.
Em
Conceição das Crioulas, descendentes de negros
e índios partilham a luta pela conquista da terra
e do saber
Evanize
Sydow*
Conceição
das Crioulas é uma pequena comunidade no Pernambuco
com cerca de 4 mil remanescentes de quilombos. Um detalhe:
a grande maioria descende também de índios.
Sua população vem resistindo à miséria
ao longo dos anos. Ainda hoje, quando precisam de um médico
ou algum outro serviço em Salgueiro, a cidade mais
próxima, os moradores têm de pagar 9 reais pela
viagem de ida e volta na carroceria de um caminhão,
em cima da carga. O transporte sai só alguns dias por
semana, pela manhã, e volta à tarde para a comunidade.
A estrada é de chão batido e o lugar de difícil
acesso. Para quem muitas vezes passa mais de um mês
sem ver uma nota de 1 real, o preço da passagem é
inacessível.
A comunidade fica no chamado "Polígono da Maconha",
onde persistem os casos de trabalho escravo em grandes propriedades
que cultivam a erva e a grilagem de terras quilombolas.
Outro
problema enfrentado pelos moradores de Conceição
das Crioulas é o abastecimento de água. A lagoa
de onde a população tira a água para
consumo está praticamente seca. Os animais são
raquíticos. Não há condições
para plantar, mas as mulheres não esmorecem: saem de
casa às 5 da manhã em direção
a uma roça distante, onde, de forma comunitária,
plantam milho e feijão de corda. Por volta do meio-dia
elas estão de volta com sacos imensos e pesados nas
costas. São mulheres de 50, 60, 70 anos que, ao chegarem
da roça, passam a trabalhar como artesãs. Isso
porque as mulheres da comunidade fazem do caroá, catulé
(plantas típicas da região) e barri a matéria-prima
para produzir bolsas, bonecas, tigelas e pratos.
Quilombo
de mulheres
Mas
se o cenário de seca impressiona quem chega a Conceição
das Crioulas, a generosidade de seus moradores é um
contraponto. Eles têm prazer em receber os visitantes
em suas casas, oferecer com gosto um copo de umbuzeiro, contar
como vivem, as dificuldades, as histórias quilombolas,
a paixão pelo Esporte Clube Palmeiras - de cada 10
casas visitadas em Conceição das Crioulas, pelo
menos 7 trazem na sala uma foto do time paulista.
A
presença das mulheres na comunidade é histórica.
Conceição teve início quando as escravas
Francisca, Germana e Mendeira, fugidas dos Quilombos dos Palmares,
em Alagoas, chegaram à região, no século
18. Daí em diante, é a força das mulheres
que faz a diferença nesse distrito. Uma delas, Aparecida
Mendes, coordenadora da Associação Quilombola
de Conceição das Crioulas - fundada em julho
de 2000 e formada por 10 associações de produtores
e trabalhadores rurais vindos de diversas partes de Conceição
-, roda o mundo levando a história de sua comunidade.
Agora, o lugar está ganhando um presente valioso: a
primeira biblioteca. Para isso, uma campanha está sendo
realizada para que livros sejam mandados ao local, já
que são pouquíssimos os exemplares por enquanto.
Toda publicação é bem-vinda, mandam dizer
os moradores.
Em
busca dos direitos
De
1 a 3 de maio de 2003, 25 comunidades quilombolas participaram
do 2º Encontro das Comunidades Quilombolas de Pernambuco,
realizado em Salgueiro e Conceição das Crioulas,
no sertão pernambucano. A abertura do evento reuniu
cerca de 500 pessoas, entre representantes de organizações
da sociedade civil e entidades governamentais nos âmbitos
municipal, estadual e federal. Organizado pela Associação
Quilombola de Conceição das Crioulas em parceria
com o Centro de Cultura Luiz Freire, a Universidade Federal
de Pernambuco, a Prefeitura Municipal de Salgueiro e Organização
Não-Governamental Oxfam, o evento teve como tema "Terra,
Direitos e Cidadania Quilombolas".
O
encontro ajudou a fortalecer a organização das
comunidades negras de Pernambuco e o intercâmbio com
outras do país. Serviu também para identificar
os problemas comuns e traçar estratégias para
sensibilizar os órgãos e autoridades governamentais
para a promoção de políticas públicas.
Na ocasião, foi formada uma Comissão Estadual
das Comunidades Quilombolas de Pernambuco para representar
o Estado no 3º Encontro Nacional das Comunidades Quilombolas,
que acontece em dezembro, em Recife, com o tema "Terra,
educação e reparação para o povo
quilombola". Serão abordados instrumentos jurídicos
de proteção ao povo quilombola, identificação
e titulação de terras, etnodesenvolvimento,
além de educação e currículos
diferenciados.
Para
enviar livros para a biblioteca de Conceição
das Crioulas:
Associação Quilombola de Conceição
das Crioulas
Caixa Postal 16 5000-000 Salgueiro (PE)
* Evanize Sydow é jornalista da Rede Social de Justiça
e Direitos Humanos. Artigo publicado na revista Sem Fronteiras.
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