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Relatórios


Pesquisa de Emprego e Desemprego do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômico) aponta um maior desemprego entre as mulheres. Em agosto de 2003, a taxa de desemprego total na Região Metropolitana de São Paulo foi de 23,6% para as mulheres e de 16,5% para os homens. Entre 1995 e 1998, estima-se que quase 150 mil mulheres economicamente ativas foram estimuladas a deixar o mercado de trabalho para se dedicar integralmente ao cuidado dos filhos. Desde o início de 2003, os cálculos são de que 300 mil mulheres saíram do mercado de trabalho. As mulheres com até três anos de estudo recebem o equivalente a 61,5% do rendimento dos homens, enquanto as com onze anos e mais de estudo recebem 57,1% dos rendimentos dos homens.


O direito das mulheres a emprego e salário justo

Miriam Nobre*

Os dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Síntese dos Indicadores Sociais revelam que muitas das mulheres brasileiras não têm, na prática, acesso a uma série de direitos. Menos da metade das mulheres fazem acompanhamento completo do pré-natal, o que certamente influencia os altos índices de mortalidade materna em nosso país. As mulheres não têm o direito assegurado ao emprego e remuneração digna, nem estão no mercado de trabalho em condições de igualdade com os homens. Estes problemas não esgotam as barreiras que muitas mulheres encontram na vida para se realizar plenamente: como, por exemplo, a violência doméstica e sexual, a sobrecarga de trabalho doméstico e comunitário frente à ausência de políticas públicas.

Porém, o diagnóstico realizado por uma instituição governamental é um bom ponto de partida para refletir como o novo governo está buscando superar as desigualdades de gênero em suas primeiras ações e no Plano Plurianual. Este artigo tratará somente das condições de trabalho e rendimento de mulheres e homens, a partir das informações da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD) de 2001 utilizadas na Síntese.

Um retrato das mulheres no mercado de trabalho

As mulheres mantêm sua presença na População Economicamente Ativa. A taxa de atividade feminina refere-se ao número de mulheres empregadas no mercado formal ou informal de trabalho, realizando atividades por conta própria e desempregadas, em relação ao número total de mulheres com mais de 10 anos de idade. Em 2001, este índice foi de 48,9%; valores muito próximos aos índices de 1999 (49%) e de 1995 (48,1%). Em 1976, a taxa de atividade feminina era de 28,8%. Os anos 1970 e 1980 foram de aumento crescente da presença das mulheres no mercado de trabalho, inclusive mulheres casadas, com filhos e com mais de 30 anos. Nos anos 1990, com a retração econômica, as mulheres não se retiraram do mercado de trabalho, mas o ritmo de sua incorporação se estabilizou. Também é preciso considerar que, em 1992, a PNAD passou a utilizar um conceito de trabalho mais abrangente, o que permitiu captar melhor a atividade econômica realizada pelas mulheres, principalmente na área rural.

A taxa de atividade masculina foi de 72,8%, mantendo uma trajetória decrescente, considerando o índice de 76,6%, em 1992, e 73,8%, em 1999. Se houvesse de fato uma igualdade entre mulheres e homens no mercado de trabalho, as taxas de atividade de um e outro sexo seriam muito próximas, o que significaria mais 14 milhões de mulheres procurando um posto de trabalho ou uma forma de rendimento.

Boa parte dos trabalhadores brasileiros está no mercado informal: 34,6% das mulheres e 40,4% dos homens não tinham carteira assinada. Do total da população ocupada, 53,9% dos homens e 54,9% das mulheres não contribuíam para a Previdência Social. Dentre os homens com mais de 60 anos, 20,4% não tinham nem aposentadoria, nem pensão e 24,6% das mulheres nesta faixa etária estavam na mesma condição.

Apenas ¼ das mulheres trabalhadoras domésticas tinham carteira assinada e contribuíam para a Previdência Social. Estudos anteriores demonstram que o pequeno grau de formalidade do emprego doméstico se concentra nas capitais do sul e sudeste e junto às trabalhadoras brancas. Em 1995, em Fortaleza, apenas 4,4% das trabalhadoras domésticas tinham carteira assinada (Bruschini e Lombardi, 2000).

Em 2001, o índice de mulheres desempregadas foi maior do que o dos homens: 6,7% contra 5,9%. A Pesquisa de Emprego e Desemprego do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômico) também aponta um maior desemprego entre as mulheres. Em agosto de 2003, a taxa de desemprego total na Região Metropolitana de São Paulo foi de 23,6% para as mulheres e de 16,5% para os homens.

Em 2001, o rendimento médio dos homens brancos foi de R$ 874,33; o das mulheres brancas, de R$ 583,09; dos homens negros, R$ 421,75; e das mulheres negras, R$ 296,43. O rendimento médio das famílias com filhos, tendo uma mulher negra como responsável pelo sustento da casa, foi de R$ 162,00, sendo 71,3% das mulheres e 55,1% dos homens recebiam até 2 salários mínimos como rendimento.

Governo Lula: mudanças para as mulheres?

O ambiente de retração econômica, altas taxas de desemprego e queda do rendimento do trabalhador nos primeiros meses do governo não é favorável ao enfrentamento deste quadro de desigualdade.

A queda do rendimento familiar é mais um estímulo a que outros membros procurem uma fonte de renda. Como os jovens têm tido mais dificuldade em encontrar postos de trabalho, as esposas têm saído para buscar formas de rendimento. A maioria encontra empregos precários e baixos salários.

Durante sua campanha, o presidente Lula prometeu dobrar o valor do salário mínimo em 4 anos de governo. Em 2003, o aumento real do salário mínimo foi de apenas 2%, o que aumenta as expectativas para os próximos anos.

A chamada Reforma da Previdência não enfrentou o desmonte já realizado no governo Fernando Henrique e não deu passos em direção à inclusão das pessoas que estão à margem do sistema de Seguridade Social.

Porém, o governo Lula tem afirmado que 2003 é um ano de transição, de sacrifício, e que a partir de 2004, com o novo Plano Plurianual, inaugura-se "um modelo de desenvolvimento de longo prazo" com a criação de empregos e aumento sustentado do salário mínimo.

O Plano Plurianual (PPA) é organizado em cinco dimensões: social, econômica, regional, ambiental e democrática. As mulheres estão por trás de muitas das ações previstas na dimensão social para incluir setores vulneráveis. Na maioria das vezes, são elas que operacionalizam na comunidade e na família os programas sociais como Fome Zero ou Bolsa-Escola.

Nos desdobramentos do PPA, propostos pelo Ministério da Educação, elas são chamadas a suprir a total ausência dos serviços públicos de educação infantil, que hoje só atendem 10,7% das crianças de 0 a 3 anos. O Programa Educação na Primeira Infância visa "não só subsidiar financeiramente os pais na sua tarefa de educar e cuidar de seus filhos, como também orientá-los na forma de como fazê-lo". Apesar de nomear os pais, este Programa, muito provavelmente, se dirigirá às mães e pode funcionar como um forte estímulo a que elas se retirem do mercado de trabalho, diminuindo a pressão por emprego e por serviços públicos de creche. Esta política é bastante similar à política francesa das APEs (Alocação Parental Educacional), em que uma renda no valor de um salário mínimo é oferecida às mães e pais que queiram se retirar do mercado de trabalho. No período entre 1995 e 1998, estima-se que quase 150 mil mulheres economicamente ativas foram estimuladas a deixar o mercado de trabalho para se dedicar integralmente ao cuidado dos filhos (Trat, Josette, 2002). Desde o início de 2003, quando este "benefício" pôde ser acessado por mães com um filho, estima-se que 300 mil mulheres saíram do mercado de trabalho.

As mulheres não são diretamente citadas na dimensão econômica que trata da política fiscal, monetária e de infra-estrutura. São citados os trabalhadores como sujeitos de programas de educação e capacitação, adequando-os a uma política de inovação tecnológica. Esta proposta deve considerar que as trabalhadoras urbanas brasileiras têm, em média, um ano a mais de estudo que os trabalhadores, o que não tem resultado em igualdade nos rendimentos. As mulheres com até 3 anos de estudo recebiam o equivalente a 61,5% do rendimento dos homens, enquanto as com 11 anos e mais de estudo recebiam 57,1% dos rendimentos dos homens.

As mulheres são explicitamente citadas na dimensão democrática que trata do fortalecimento da cidadania e garantia dos direitos humanos. A estratégia do PPA "prevê o desenvolvimento de relações plurais e democráticas, baseadas na eqüidade, sem os preconceitos de raça e etnia e com oportunidades iguais em todos os aspectos da vida social. Serão fortalecidas e ampliadas as conquistas alcançadas pelas mulheres e será combatida tenazmente a discriminação racial, que não apenas causa danos materiais, simbólicos e culturais para toda a população, mas agride a essência da própria democracia. E será igualmente combatida a discriminação aos portadores de necessidades especiais, aos jovens, às pessoas de terceira idade, aos migrantes de regiões historicamente abandonadas ou golpeadas por crises econômicas e sociais e aos estrangeiros pobres provenientes de outros países." (Ministério da Fazenda, 2003).

A impressão que o documento traz é que as mulheres já superaram o núcleo central de sua opressão e discriminação cabendo apenas fortalecer e ampliar. No entanto, as informações do IBGE revelam que, ao lado de conquistas e mudanças, persistem e são criadas novas formas de discriminação contra as mulheres, provenientes de uma divisão sexual do trabalho, que organiza o sistema capitalista em articulação com a divisão social e internacional do trabalho.

A agenda do movimento de mulheres

Os direitos econômicos estão cada vez mais fortes na pauta do movimento de mulheres. Em 26 de agosto de 2003, as trabalhadoras rurais da Confederação Nacional das e dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) e outras organizações reuniram 30 mil mulheres em Brasília, na segunda edição da Marcha das Margaridas. Na pauta entregue ao governo federal exigiam o acesso das mulheres à terra e à água, salário mínimo digno, além do direito à saúde e combate à violência sexista.
Cada vez um número maior de mulheres se mobiliza em torno da proposta da deputada Luci Choinacki de garantir uma renda de um salário mínimo a mulheres com mais de 60 anos que nunca contribuíram para a Previdência e vivem em domicílios com renda de até dois mínimos. É a chamada "aposentadoria da dona de casa".

A Marcha Mundial das Mulheres inicia uma campanha pelo aumento do salário mínimo para R$ 730,00, valor equivalente a 60% do PIB per capita. Em uma primeira etapa propõe dobrar o valor do mínimo em 4 anos, o que implica um aumento real de 19% em 1º de maio de 2004.
Estas iniciativas têm como centro fortalecer a autonomia das mulheres, o que também passa por sua independência financeira e a justa remuneração de seu trabalho. Tocam na profunda desigualdade de renda de nosso país que tem marcas de classe, gênero e raça. Para enfrentá-la são necessárias vontade política de nossos governos e intensa mobilização popular.
As mulheres já estão nas ruas!


Referências bibliográficas

Bruschini, Cristina e Lombardi, Maria Rosa: A bipolaridade do trabalho feminino no Brasil contemporâneo, in Cadernos de Pesquisa. Fundação Carlos Chagas, julho de 2000.
Choinacki, Luci: Aposentadoria: direito da dona de casa, in Folha Feminista. São Paulo, maio de 2003.
IBGE: Síntese de indicadores sociais 2002. Rio de Janeiro, 2003.
Marcha Mundial das Mulheres: Campanha pelo aumento do salário mínimo. São Paulo, julho de 2003.
Mascena, Raimunda de: Marcha das Margaridas: rurais fazem a maior manifestação popular de 2003, in Folha Feminista. São Paulo, agosto de 2003.
Ministério da Educação: Plano Plurianual 2004-2007: Orientações Estratégicas e Programas Estruturantes (Versão Preliminar). Brasília, 2003.
Ministério do Planejamento: Plano Brasil de Todos. Brasília, 2003.
Trat, Josette: Política familiar igualitária e feminista, in Folha Feminista. São Paulo, junho de 2002.

* Miriam Nobre é técnica da SOF - Sempreviva Organização Feminista, integrante da Rede Economia e Feminismo e da coordenação da Marcha Mundial das Mulheres