PÁGINA PRINCIPAL
Pagina Principal

Relatórios


Um milhão e 900 mil pessoas moram em favelas (FIPE, 94) em São Paulo, um milhão em cortiços, cerca de três milhões vivem em moradias precárias. Esta realidade se agrava a cada ano que passa. O número de favelados evoluiu de um milhão e duzentos mil, em 1990, para quase dois milhões no ano de 2000. O número de cortiços também aumentou. As moradias precárias nas periferias (áreas não urbanizadas) cresceram assustadoramente. A população de rua atinge quase 15 mil pessoas.


Moradia: Um direito, uma luta

Manoel Del Rio*

A questão habitacional, na maioria das cidades brasileiras, é gravíssima. Estatísticas revelam que, no Brasil, o déficit habitacional atinge 6.656.526. Entretanto, encontram-se vazios 6 milhões de domicílios.
Desse modo, não se trata apenas de construir novas unidades, mas adotar políticas abrangentes para resolver a questão habitacional.

A cidade de São Paulo expressa bem esse quadro dramático nacional. Um milhão e 900 mil pessoas moram em favelas (FIPE, 94), um milhão em cortiços, cerca de três milhões vivem em moradias precárias. Esta realidade se agrava a cada ano que passa. O número de favelados evoluiu de um milhão e duzentos mil, em 1990, para quase dois milhões no ano de 2000. O número de cortiços também aumentou. As moradias precárias nas periferias (áreas não urbanizadas) cresceram assustadoramente. A população de rua atinge quase 15 mil pessoas.

Os fenômenos que geram o drama habitacional na cidade de São Paulo são vários. Mas a base principal está:
a) Nos valores miseráveis dos salários. Estes não cobrem nem um terço das necessidades básicas dos trabalhadores de baixa renda;
b) No desemprego que atinge 2 milhões de pessoas em São Paulo. Isto agrava ainda mais a situação dos trabalhadores sem-teto;
c) Na violenta especulação imobiliária que eleva o preço dos imóveis e dos aluguéis (enquanto a inflação medida pelo IPC na vigência do Plano Real foi de 92,5%, os aluguéis subiram 538,68%);
d) Finanças públicas drenadas para o setor parasitário (agiotas e rentistas) nacionais e internacionais. Somente a Prefeitura de São Paulo é obrigada a imobilizar mais de um bilhão de reais por ano. Juntando os diversos entes federados, mais de 40% das finanças públicas vão para os cofres do setor improdutivo.

Estes fatores combinados excluem os trabalhadores sem-teto das regiões urbanizadas. São empurrados para a periferia, que não pode ser considerada área rural e tampouco espaço urbano, pois não é nem uma coisa, nem outra. Em muitos casos, são áreas de mananciais.

Dados estatísticos revelam que os trabalhadores de baixa renda não têm acesso à moradia digna e, por conseqüência, estão excluídos das regiões urbanizadas. Enquanto só no Centro expandido da cidade de São Paulo encontram-se mais de 400 prédios e terrenos inteiros fechados ou sub-utilizados por mais de 5 a 15 anos.

O Censo do IBGE/2000 quantificou a contradição habitacional da cidade de São Paulo. Ao lado de 420.327 domicílios vazios e ociosos, existem milhões de trabalhadores sem-teto. A população do centro da cidade diminuiu em 20%: saíram 101.327 pessoas dessa região urbanizada nos últimos dez anos, deixando quase 20 mil domicílios vazios.

A migração de aproximadamente 600 mil pessoas da cidade de São Paulo para as cidades-dormitórios, como Itaquaquecetuba, Francisco Morato e Ferraz de Vasconcelos, obedece à mesma lógica revelada pela tabela acima.

Ligado ao fenômeno da expulsão dos trabalhadores de baixa renda das regiões urbanizadas, acompanha o processo de constituição de grandes bolsões de moradias precárias, que são os cortiços e favelas. Ou seja, os trabalhadores são forçados a sair de uma situação razoável e, para fugir do aluguel, vão morar nas favelas, à beira de rios, áreas de risco ou em habitações completamente degradadas. Embora estas moradias encontrem-se na cidade, os trabalhadores vivem amontoados e sem as mínimas condições de usufruir da vida urbana.

Segundo o Centro de Estudo da Metrópole, a cada oito dias a cidade ganha uma nova favela. De 1991 a 2000, foram erguidas 464 favelas. Em média, 74 pessoas se tornavam faveladas por dia. Enquanto a população da cidade aumentou no período (1991-2000) em 8%, o número de favelados cresceu 30%.

Essa violenta migração interna é provocada por aqueles fatores apontados: baixo salário, desemprego, finanças públicas drenadas para o setor parasitário da economia e especulação imobiliária. Este último fator, a especulação imobiliária, impede o acesso dos trabalhadores de baixa renda à moradia, que ocorre devido aos preços extorsivos das terras e imóveis. Estes preços inviabilizam a construção de moradias populares. Assim que a região recebe investimentos públicos, fica aparelhada de equipamentos urbanos, e o preço dos imóveis dobra, assim como os aluguéis sobem de preço.
Os programas habitacionais hoje existentes não atendem às famílias com renda de até 3 salários mínimos. São extremamente tímidos para enfrentar os desafios encontrados. Deste modo, os trabalhadores de baixa renda não são atendidos e continuam sendo expulsos das regiões urbanizadas.
Diante da situação exposta, é necessário agir em três direções de forma combinada:
1. Destinar o máximo de recursos públicos possíveis a fim de implantar um programa habitacional que atenda as famílias de baixa renda e fixe os trabalhadores nas áreas urbanizadas, perto do mercado de trabalho, acompanhado de programas sociais complementares. Consolidar políticas públicas permanentes para atender famílias de até 3 salários mínimos.
2. Criar instrumentos de política de desenvolvimento urbano que disciplinem o uso da propriedade urbana, colocando-a em prol do bem coletivo, implantando a função social da propriedade. Utilizar os instrumentos legais já existentes, como a Constituição Federal, o Código Civil, o Estatuto da Cidade, o Plano Diretor, para dar função social aos imóveis vazios, abandonados. Mas é necessário avançar mais, é preciso edificar leis que agilizem e tornem efetivos os instrumentos de desapropriação e até de expropriação de propriedades abandonadas. Sem atacar a especulação imobiliária de modo adequado, a cidade não acolherá seus trabalhadores.
3. Por fim, os trabalhadores sem-teto necessitam ampliar suas organizações de base. Precisam constituir grupos de luta por moradia em todos os bairros onde houver espaço e carência habitacional, e articular todas as comunidades organizadas de sem-teto. É preciso buscar programas habitacionais que atendam a seus interesses junto aos diversos níveis de governo e empreender ações coletivas para tornar efetivo o direito à moradia.

* Manoel Del Rio é advogado e assessor do MSTC (Movimento Sem Teto do Centro)