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Relatórios


De acordo com o relatório de 2003 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNDU), o Brasil encerrou o século 20 com a sexta pior distribuição de renda do mundo, perdendo apenas para Namíbia, Botsuana, Serra Leoa, República Centro Africana e Suazilândia. O desemprego na Grande São Paulo atualmente se encontra na casa dos 20%, ou seja, de cada cinco trabalhadores, um está desempregado. Esse índice é maior ainda em Salvador, na Bahia. O desemprego alcança a marca dos 30%; isto é, de cada três trabalhadores, um está desempregado.


O trabalho nos primeiros meses do Governo Lula

Paulo César Pedrini*

Um dos maiores desafios, senão o maior, colocado para a sociedade brasileira é a imensa injustiça social existente em nosso país, como confirmam as "Estatísticas do século XX", publicadas recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No lançamento dessa obra, o economista Celso Furtado disse o seguinte:
"Os problemas estão todos expostos. Ninguém tem dúvida de que é preciso desconcentrar a renda, mas ninguém faz isso. O problema é muito mais de um imobilismo crônico de uma sociedade que não tem vontade de mudar. Aceitam a problemática, o diagnóstico, respeitam, elogiam, homenageiam, mas depois..."

O século 20 foi aquele em que o Brasil aumentou a sua riqueza mas não a dividiu. Em 100 anos, a riqueza total cresceu quase 12 vezes em relação à população. No entanto, a distribuição de renda piorou na segunda metade do século. Em 1960, os 10% mais ricos ganhavam 34 vezes o obtido pelos 10% mais pobres; em 1991, isso chegava a 60 vezes e, em 2001, ocorreu um recuo para 47 vezes.
A concentração de renda é tão grande que, na virada do século, o 1% mais rico dos brasileiros ganhava, praticamente, o mesmo que os 50% mais pobres. A desigualdade é a marca nacional, seja desigualdade de renda, racial, de gênero ou regional.

De 1901 a 2000, o PIB mais que centriplicou, subindo de R$ 9,1 bilhões para R$ 1 trilhão. No mesmo período, a população cresceu quase dez vezes, de 17,4 milhões para 169,8 milhões de habitantes.

De acordo com o relatório de 2003 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNDU), o Brasil encerrou o século 20 com a sexta pior distribuição de renda do mundo, perdendo apenas para Namíbia, Botsuana, Serra Leoa, República Centro Africana e Suazilândia.

Em todo o século 20, o Brasil foi o segundo país em crescimento econômico (em média, 4,5% ao ano), igual à Coréia do Sul e só superado por Taiwan, com 5% ao ano. Porém, esse crescimento em momento nenhum significou uma melhor distribuição de renda.

A crise da dívida externa nos anos 80 também reduziu o rendimento do brasileiro: de 1981 a 1999, a renda média do trabalhador perdeu 7,5% de seu valor, caindo de R$ 485,53 para R$ 449,00.

Nas seis principais regiões metropolitanas do país, o rendimento médio real corrigido caiu 18,5% de maio de 1983 a dezembro de 2000. O salário mínimo no Rio de Janeiro e em São Paulo perdeu cerca de 50% do poder de compra entre o valor mais alto (1958 a 1960) e o do final do século.

Para entendermos a problemática do trabalho é necessário que resgatemos alguns elementos deixados de herança pelo governo Fernando Henrique Cardoso, pois o problema do desemprego e da precarização do trabalho se acentuou ainda mais nesse período.
Durante toda a duração do Plano Real, ou seja, 8 anos e meio, a inflação do período chegou a 165%. Nesse mesmo tempo, os preços administrados pelo poder público apresentaram alta de 291,6%, mais que o dobro daqueles regulados pelo mercado - 143,3%. Isso penalizou, principalmente, as camadas populares.

Vejamos alguns exemplos de produtos que têm os preços controlados pelo poder público: gás de cozinha (513,1%), óleo diesel (364,4%), gasolina (279,9%) e álcool combustível (198,4%). Nos serviços cujos preços são controlados pelo governo, os grandes vilões foram telefonia (679,5%), correspondência (342,7%), trem (247,6%), ônibus (239%) e metrô (202,1%).

Alguns serviços privados também tiveram alta comparável aos serviços públicos, como seguros e convênios médicos (572,2%), alugueis (420,5%), cursos formais (342,4%), muito acima do índice praticado nos produtos oferecidos pelo mercado, como o feijão (359,9%), frutas (300,3%), azeite (290%), tomate (282%), tinta látex (253,3%), cimento (212,4%) pão francês (205,3%) e óleo de soja (201,3%).

No final do governo anterior, o desemprego aumentou. A taxa anual média foi de 19% da população economicamente ativa, sendo que em 2001 esse número atingiu 17,6% do PEA. O contingente de desempregados, somente na região metropolitana de São Paulo, estava em torno de 1.800.000 trabalhadores.

Essa alta da taxa de desemprego atingiu todos os seguimentos populacionais, pessoas de 8 a 24 anos (12,3%), homem (10,1%), jovens de 15 a 17 anos (9,6%) e chefes de famílias (8,7%). E também todos os níveis de instrução: pessoas com ensino médio completo e superior incompleto (16,6%) e ensino superior completo (16,1%).

Além disso, entre 2001 e 2002, o tempo médio na procura de um emprego aumentou de 48 para 51 semanas e a parcela de desempregados, com mais de um ano nessa condição, aumentou de 22,3%, em 2001, para 24,1%, em 2002.

O nível ocupacional na região metropolitana de São Paulo se mantém praticamente estável (0,4%), sendo que nos dois anos anteriores houve recuperação do setor. A indústria gerou 13 mil postos de trabalho, bem menos que os 107 mil postos gerados no biênio 2000/2001.

No comércio foram menos 3 mil ocupações e os serviços apresentaram menos 8 mil ocupações. Ambos os setores mantiveram-se em relativa estabilidade: o trabalho autônomo cresceu 2,7% e a jornada média de assalariados passou de 43 para 44 horas semanais.

Em 2002, como em outros anos, houve declínio de rendimento médio dos ocupados e dos assalariados. Para os ocupados a redução foi de 8,3%, enquanto que para os assalariados, 7,5%, correspondendo a R$ 889,00 e R$ 929,00, respectivamente.

Um ponto no qual muito se fala, porém pouco se aprofunda, é a relação da taxa de juros com a vida do trabalhador.

Por juros entende-se o valor pago acima da dívida contraída. Ele pode ser simples, quando calculado sobre o montante do capital, ou composto, quando o juro vencido e não pago é somado ao capital emprestado, formando um montante sobre o qual é calculado o juro seguinte.

Então, os juros de forma simplificada são sempre a compensação financeira do emprestador no empréstimo concedido. O ANOTE - informativo eletrônico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (DIEESE) - de julho de 2003, trouxe um explicativo muito útil e de linguagem acessível ao trabalhador sobre a taxa Selic e seus efeitos.

"A taxa de juros Selic é definida como sendo a taxa overnight do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic). Ela é a taxa média ponderada pelo volume das operações de financiamento por um dia, lastreadas em títulos públicos federais e realizadas no sistema Selic, na forma de operações compromissadas. Ela é fixada pelo Banco Central do Brasil e é a taxa básica utilizada como referência pela política monetária entendida como conjunto de medidas adotadas pelo governo visando adequar os meios de pagamentos disponíveis (moeda) às necessidades da economia do país.

Como a taxa Selic é utilizada no mercado para operações interbancárias de um dia e funciona como referencia básica para os juros da economia, ela acaba afetando a vida de um trabalhador, pois a elevação ou diminuição dos juros básicos naturalmente eleva ou reduz as taxas cobradas pelo banco no crédito ao consumidor ou às empresas."

A justificativa apresentada ao governo para a manutenção dos juros altos é o controle da inflação, garantir a entrada de capitais externos e manter o campo em patamares considerados razoáveis.

A queda da taxa de juros é uma reivindicação que unifica o capital e o trabalho, já que tanto os trabalhadores como o empresariado a consideram um entrave para o crescimento econômico e a possível geração de empregos a partir dela; além disso, consideram que não há motivo para mantê-la alta já que a inflação está sob controle.

Segundo dados do Banco Central, os gastos do setor público com o pagamento de juros cresceram 68,8% entre janeiro e agosto deste ano, em relação ao mesmo período em 2002. Até agosto deste ano, os gastos com juros somam R$ 102.417 bilhões (10,2% do PIB), sendo que esse total, no mesmo período, ficou em R$ 60.689 bilhões (7,17% do PIB). Isso reflete na elevação da taxa Selic que corrige, aproximadamente, metade da dívida do setor público.

Entre janeiro e agosto de 2003, a taxa Selic ficou acumulada em 16,17%. Em média, esses foram os juros que efetivamente incidiram no período sobre boa parte da dívida.

O governo busca um equilíbrio maior através do superávit primário, que durante o mesmo período ficou acumulado em R$ 49.293 bilhões (4,91% do PIB) contra R$ 37.363 bilhões (4,41% do PIB) economizados no mesmo período de 2002. O superávit primário de agosto ficou em R$ 4.964 bilhões, o equivalente a 3,68% do PIB (dados do caderno Dinheiro, da Folha de São Paulo, de 30 de setembro de 2003).

Embora esses dados pareçam algo distante, eles incidem diretamente na vida do nosso povo, até porquê para se atingir superávits primários são tiradas verbas do orçamento e, principalmente, das áreas sociais, maior defasagem a ser somada.

Segundo o Dieese, em 2002, apenas 54,7% das negociações coletivas de trabalho resultaram em reajustes salariais equivalentes ou superiores à variação anual do INPC-IBGE, o que representa uma queda significativa em relação ao ano de 2001, quando cerca de 64% das categorias pesquisadas conquistaram reajustes salariais iguais ou acima da inflação.

Das 149 negociações salariais registradas pelo Dieese no primeiro semestre de 2003, apenas 46% resultaram em reajustes equivalentes ou superiores à variação do INPC-IBGE; a maioria (54%), portanto, não garantiu a recuperação do poder aquisitivo dos salários.

Essa é a primeira vez, desde a extinção da política salarial, que a maioria das negociações coletivas analisadas resultam em reajustes salariais inferiores à variação integral do INPC-IBGE. Mesmo no primeiro semestre de 1999, considerado o pior momento para as negociações salariais, 55% das categorias estavam incluídas nas negociações que conseguiram reajuste equivalente à inflação oficial.

Diversos fatores contribuíram para a dificuldade de recomposição dos salários para categorias com data-base no primeiro semestre. A inflação manteve-se em patamares muito altos (de 14 a 20%). Somados ao baixo crescimento econômico e a elevada taxa de juros, foram elementos que contribuíram para o endurecimento do empresariado nas negociações coletivas.

Neste ano, o parcelamento fez parte de 33% dos acordos analisados, considerando apenas esse. Em 63% dos casos, os trabalhadores já haviam sido onerados pelo estabelecimento de índices insuficientes para repor a inflação acumulada. No restante (37%), o índice negociado foi igual ou ligeiramente superior ao INPC-IBGE.

No que se refere ao rendimento médio real, em seis regiões metropolitanas no mês de agosto o rendimento situou-se em R$ 847,90 (cerca de 3,5 salários mínimos). Comparando o rendimento médio geral estimado em agosto de 2002 com o de agosto de 2003, verificou-se queda de 13,8 para o total das seis áreas - Recife:19,2%, Salvador: 5,4%, Belo Horizonte: 12,5%, Rio de Janeiro: 18,1%, São Paulo: 12,2 % e Porto Alegre: 8,5%.

Ao mesmo tempo que sabemos da imensa injustiça social existente em nosso país, vemos o descaso do poder público com setores fundamentais para diminuir em desigualdade, como a educação.

Em pesquisa da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) constatou-se que a média dos salários dos trabalhadores em educação básica situa-se na faixa de R$ 500,00 e R$ 700,00, muito pouco para assegurar condições de vida digna para qualquer profissional, especialmente porque sua atuação exige dedicação exclusiva, tempo para formação, atualização e aperfeiçoamento, além de condições para consumo de bens culturais.

Pesquisa do Fundo das Nações Unidas para Educação e Cultura (UNESCO) e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revelou que os trabalhadores em educação do Brasil têm um dos piores salários entre 32 países de economia equivalente, o que mostra a falta de políticas públicas que insiram a educação como prioridade.

O Brasil está perdendo educadores. A escassez de docentes em áreas técnicas (matemática, química e física) nas redes estaduais é visível e isso tende a aumentar, inclusive em outras áreas do conhecimento.

A análise dos resultados apresentados pela pesquisa da CNTE mostra que a educação brasileira caminha rapidamente para o colapso, caso o poder público não implemente políticas públicas que melhorem as condições de trabalho e existência da categoria, afim de atrair novos profissionais.

As últimas pesquisas sobre desemprego que tivemos acesso foram as referentes a agosto de 2003. Elas apontam que uma escolaridade maior não garante emprego. Por anos de estudo, o desemprego chegou a 17% para quem freqüentou a escola de 8 a 10 anos; a 12,7% para os sem escolaridade ou com menos de oito anos de estudo regular e a 11,4% para quem tem 11 anos ou mais de escolaridade.

O desemprego também atinge mais mulheres do que homens. Entre os desempregados elas são a maioria (54,4%).

O setor mais penalizado pela falta de emprego, no entanto, são os jovens. Todos os anos aumenta o contingente de pessoas procurando emprego e que não são absorvidas pelo mercado de trabalho. Quando são, acabam criando outro problema, como os jovens se sujeitando a ganhar menos. Eles podem substituir a força de trabalho de outros trabalhadores mais velhos e, com isso, não são criados novos postos de trabalho e o capital consegue extrair ainda mais lucro.

A estimativa do número de pessoas economicamente ativas na comparação julho/agosto de 2003 indicou crescimento de 1,1%. Na comparação com agosto do ano passado, o crescimento foi de 5,1%, significando um aumento de, aproximadamente, 1.024 mil pessoas no mundo de trabalho.

Segundo o Dieese, a cesta básica, em agosto, estaria custando R$ 207,57, sendo que o salário mínimo está em R$ 240,00 e o salário mínimo necessário estaria em R$ 1.396,00. Com isso, tivemos uma perda no poder de compra da ordem de 15%, de agosto de 2002 a agosto de 2003.

Sendo assim, o que vemos é uma constante piora na qualidade de vida dos brasileiros. E não é só o desemprego. O achatamento salarial é um elemento importante. Quem ganha menos come menos ou com menor qualidade, e isso também reflete em outros setores como a saúde e a educação. O seguro-desemprego em relação a 2002 cresceu 10,5% no Brasil e 4,5% no estado de São Paulo.

Algo que nos preocupa é que o governo brasileiro sempre coloca o crescimento econômico como solução para o desemprego e a exclusão. Existem basicamente duas formas de reduzir a pobreza: fazendo crescer a economia ou redistribuindo a renda. O modelo brasileiro sempre foi o de tentar diminuir a diferença pelo crescimento, mas isso não tem produzido resultado.

Durante o regime militar, o então ministro do Planejamento, Delfim Netto, disse que era necessário fazer o bolo crescer para depois reparti-lo. Eram tempos do "milagre". A grande maioria da população brasileira está esperando a sua fatia até hoje.

O desemprego na Grande São Paulo atualmente se encontra na casa dos 20%, ou seja, de cada cinco trabalhadores, um está desempregado. Esse índice é maior ainda em Salvador, na Bahia. O desemprego alcança a marca dos 30%; isto é, de cada três trabalhadores, um está desempregado.

A questão do desemprego é hoje um dos maiores desafios do atual governo, aliado à precarização do trabalho e ao crescimento do trabalho informal. O mundo do trabalho vive uma crise sem precedentes.

Sabemos que as pressões do capital externo são grandes (exigências das reformas, de superávit primário, da implantação da Área de Livre Comércio das Américas - ALCA, pagamento da dívida externa). A Reforma da Previdência já trouxe danos à classe trabalhadora. É necessário que os trabalhadores se mobilizem para a defesa de seus interesses, já que teremos pela frente as reformas trabalhista e sindical, e o risco da perda de direitos se amplia ainda mais.

O governo Lula foi eleito com a grande esperança de construir um país onde a justiça social seja a sua principal meta. Porém, até o momento, o que vemos é o agravamento da situação deixada de herança pelo governo anterior e, mais do que isso, não vemos uma mudança nos rumos da economia. O superávit primário que mencionamos anteriormente vem subindo para atender as exigências do Fundo Monetário Internacional (FMI) e sabemos que apenas boa vontade não basta.

Fica a pergunta: se o governo continuar tirando dinheiro das áreas sociais como vem fazendo (inclusive do Fome Zero), de que maneira vai efetivar a sua prioridade?

* Paulo Cesar Pedrini é historiador e coordenador da Pastoral Operária Metropolitana de São Paulo


Bibliografia consultada
- Anote - Informativos eletrônicos de DIEESE de janeiro a agosto de 2003.
- "Estatísticas do século XX" - IBGE
- Pesquisa Manual de Emprego do IBGE(agosto 2003)
- Relatório de Pesquisa sobre a situação dos trabalhadores(as) da educação básica (CNTE)
- Folha de São Paulo - folha dinheiro 25/9
- Folha de São Paulo - especial século XX 30/9