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Relatórios


Estima-se que 50 milhões de brasileiros vivam na linha abaixo da pobreza. O país mantém uma situação de ampla violação dos direitos humanos e sem mecanismos práticos de monitoramento da realização prática de direitos. Esse dado, por si só, justifica a nomeação de seis relatores nacionais em Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais - para o direitos à Alimentação, Água e Terra Rural, ao Meio Ambiente, à Saúde, à Moradia Adequada, à Educação ao Trabalho. Os mandatos dos relatores têm como elementos comuns: recebimento de comunicações urgentes, visitas/missões aos estados, reuniões de trabalho periódicas e relatórios anuais de prestação de contas.


O Projeto Relatores Nacionais em Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais


Jayme Benvenuto Lima Jr.*


O Brasil é um país conhecido por suas enormes riquezas naturais, culturais e até mesmo tecnológicas, ocupando atualmente a décima primeira posição na economia do mundo. Apesar disso, conta com uma enorme dívida em matéria de respeito aos direitos humanos como um todo, e em particular em relação aos direitos humanos econômicos, sociais e culturais. Estima-se que 50 milhões de brasileiros vivam na linha abaixo da pobreza. Do ponto de vista formal, o país conta com uma Constituição das mais avançadas do mundo, leis extremamente favoráveis aos direitos humanos, dois programas nacionais de direitos humanos (o primeiro, de 1996, mais relacionado a direitos humanos civis e políticos; o segundo, de 2002, mais relacionado a direitos humanos econômicos, sociais e culturais), ratificou os principais instrumentos de proteção internacional dos direitos humanos (inclusive, recentemente, o Protocolo Facultativo à Convenção para a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher), mas continua com uma situação de ampla violação dos direitos humanos, e, o que é pior, sem mecanismos práticos de monitoramento da realização prática de direitos.

Esse dado, por si só, justifica a nomeação, pela Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (DhESC), com o apoio e a parceria do programa de Voluntários das Nações Unidas (UNV) e da Secretaria Especial de Direitos Humanos, de seis relatores nacionais em DhESC - para o direitos à Alimentação, Água e Terra Rural, ao Meio Ambiente, à Saúde, à Moradia Adequada, à Educação e ao Trabalho. Os primeiros relatores nacionais do Brasil foram nomeados em outubro de 2002, realizaram suas primeiras missões de investigação a partir de novembro do mesmo ano e apresentaram seus primeiros relatórios em abril de 2003, perante as Nações Unidas, e em maio de 2003, perante a sociedade civil brasileira, em evento anterior e vinculado à Conferência Nacional de Direitos Humanos, que ocorre todos os anos em Brasília.

A nomeação desses especialistas pela Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais é claramente inspirada na experiência das Nações Unidas com a nomeação de relatores especiais para investigar situações de desrespeito aos direitos humanos. Como no caso das Nações Unidas em relação aos países do mundo, os relatores nacionais surgem na perspectiva de ajudar o país - sociedade e Estado - a avaliar a capacidade de implementação dos DhESC e apresentar propostas de superação dos problemas. Seu objetivo é "contribuir para que o Brasil adote um padrão de respeito aos direitos humanos econômicos, sociais e culturais, com base nos compromissos assumidos nacionalmente, através da Constituição brasileira e do Programa Nacional de Direitos Humanos, e internacionalmente, através dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados pelo país".

Nomeados pelo Conselho de Escolha dos Relatores Nacionais em DhESC, os relatores brasileiros têm o mandato para, no campo de competência do direito ao qual eles buscam potencializar, receber comunicações (ou denúncias) de violações aos direitos humanos; realizar missões aos estados federados para investigar situações de direitos humanos; e elaborar relatórios anuais sobre a situação investigada.

O desafio desses especialistas tem sido o de monitorar a situação dos direitos humanos no país de forma exemplar, o que implica em conhecer profundamente os problemas relacionados ao seu mandato; articular amplos setores sociais em busca de cooperação e soluções para os problemas verificados; e apresentar soluções viáveis por meio de políticas públicas e de novas leis que venham a melhorar a qualidade de vida da população brasileira.

Os mandatos dos relatores nacionais em DhESC apresentam os seguintes elementos comuns:

1. Recebimento de comunicações urgentes:
Para tanto, foram elaborados modelos de comunicação disponibilizados aos grupos sociais brasileiros, no sentido de facilitar o acesso de tais grupos (e seus reclamos) aos relatores. As denúncias recebidas têm o propósito de serem encaminhadas aos órgãos públicos competentes, em especial aos conselhos e às comissões de direitos humanos (ou temáticas), na perspectiva da busca de solução para os casos concretos. Destaque-se aqui o protocolo de intenções firmado pela Plataforma DhESC Brasil com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, com vistas ao processamento comum de casos relacionados a DhESC, com o que se busca ampliar as possibilidades de justiciabilidade prática no plano nacional.

2. Visitas/missões aos estados:
A organização de audiências públicas nos estados federados, com a participação de representantes governamentais, grupos sociais e vítimas de violações é um mecanismo a ser potencializado, na perspectiva da realização prática dos DhESC. Nesse contexto, têm sido realizadas visitas ou missões a locais em que a situação seja exemplar (em termos de violações ou de boas soluções para os problemas) e entrevistas com vítimas ou violadores de direitos humanos, nas diferentes regiões do país.

3. Reuniões de trabalho periódicas:
Com a participação de todos os relatores e assessores, as reuniões de trabalho têm a perspectiva de permitir a troca de experiências, ao mesmo tempo em que servem de espaço para o refinamento da metodologia de trabalho.

4. Relatórios anuais de prestação de contas:
Os relatórios anuais têm a perspectiva de serem apresentados perante as Conferências Nacionais de Direitos Humanos, que são promovidas anualmente pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal; o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (ou seu sucedâneo); os conselhos setoriais (quando houver) ou espaços relacionados aos temas cobertos pelas relatorias; e, no plano internacional, perante a Comissão de Direitos Humanos da ONU e a Comissão de Direitos Humanos da OEA. Os relatórios apresentados pelos relatores devem ter o sentido prático de permitir à sociedade civil organizada se apropriar do conteúdo dos relatórios, a fim de que deles possam fazer uso na sua prática na defesa e promoção dos direitos humanos. Devem apresentar uma abordagem étnico-racial, de gênero e regional dos problemas do país e refletir a precisão e a exatidão das informações e seriedade das fontes.

Desse trabalho, a Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais espera que resultem não apenas relatórios de qualidade sobre as missões e as denúncias recebidas pelos relatores nacionais, mas, fundamentalmente, que seja ampliada e tornada prática corrente a capacidade da sociedade brasileira monitorar os direitos humanos econômicos, sociais e culturais no país, demonstrando na prática que tais direitos têm o mesmo valor que os direitos humanos civis e políticos. O projeto Relatores Nacionais em DhESC terá cumprido o seu objetivo se conseguirmos demonstrar claramente que as violações aos direitos humanos econômicos, sociais e culturais no Brasil são tão graves quanto as execuções sumárias, a tortura e as prisões ilegais, na medida em que tais violações também matam todos os dias milhões de pessoas, e que para aquelas como para estas há remédio. Não os temos todos, mas já conhecemos alguns, como bem demonstra o trabalho inicial dos relatores nacionais em DhESC. Continuaremos em busca de outros mais. Este o nosso grande desafio.

* Jayme Benvento Lima Jr. é advogado e jornalista. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutorando em Direito Internacional na Universidade de São Paulo. Coordena o Projeto Relatores Nacionais em DhESC para a Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais.