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Relatórios


PREFÁCIO

 

Vivemos um processo de lenta conquista, pois a expressão “direitos humanos” é muito mais aceita hoje do que há 30 anos. Passamos da defesa dos direitos dos presos políticos, para o conceito muito mais abrangente e verdadeiro de “todos os direitos para todos”, recuperando assim a visão de Bartolomeu de las Casas, há quase 500 anos.

Este relatório evidencia isso, saindo de uma visão limitada e mais comum dos direitos humanos, mas sem deixá-la de lado: fala de Reforma Agrária, mas não esquece a memória dos desaparecidos do Araguaia. Analisa questões clássicas, mas discute outras, como o direito à alimentação, a situação das quebradeiras de coco, chegando até a analisar o impacto das políticas internacionais nos direitos humanos.

Este é o quarto relatório publicado anualmente pela Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e reforça nossa esperança verificar a consistência e a persistência da entidade em realizar estudos e pesquisas, e divulgar seus resultados, sobretudo em um momento de refluxo do movimento social. Ao mesmo tempo, há uma crítica contundente em relação ‘as políticas públicas assistencialistas, que têm sido implementadas em nosso país. Vivemos uma situação como a da mulher sírio-fenícia, que dizia a Jesus que os pobres são como “os cachorros que comem as migalhas que caem da mesa de seus donos” (cf. Mt. 15, 27).

A divulgação anual do retrato da situação dos direitos humanos no Brasil soa como um grito de repúdio e mostra que não aceitamos o que muitos tratam como fatalidade. As autoras/es vão além de uma mera descrição, de um simples retrato. Procuram mostrar as raízes desta situação de violações, evidenciando que não se trata apenas de deslizes morais e excessos de algumas pessoas, mas que há causas estruturais.

Já superamos a idéia de que a pobreza é uma fatalidade humana e de que não há recursos suficientes para alimentar toda a humanidade. No entanto, o neoliberalismo ainda fomenta a noção de que não há alternativas a este modelo.

Presenciamos uma farsa internacional. Por um lado, a intenção do governo brasileiro de combater a fome é aplaudida em reuniões com as do G8 (o grupo dos países mais industrializados do mundo). Ao mesmo tempo, estes países controlam as principais instituições financeiras internacionais, responsáveis por políticas econômicas que aumentam a fome e a pobreza no mundo.

Mais grave ainda é o fato de que os organismos internacionais, que elaboram receitas econômicas para os países periféricos, não podem ser julgados ou judicialmente responsabilizados pelas conseqüências destas políticas. São eles que fiscalizam a aplicação de suas próprias receitas.

Nem sequer sofrem com as conseqüências de suas políticas, como acontecia no tempo colonial: se a metrópole cometesse um erro em relação à sua colônia, sofria as repercussões. Hoje, a “metrópole” deste sistema financeiro ganha sempre: lucra com a guerra no Iraque, lucra se o preço do petróleo sobe, lucra se cai... lucra quando a Argentina vai à bancarrota...

Este relatório mostra como as principais vítimas de violações de direitos humanos estão nos setores excluídos ou menos privilegiados de nossa sociedade.

A leitura atenta da realidade brasileira apresentada pelo relatório nos sugere soluções ou caminhos possíveis para romper com este padrão. Reforça nossa esperança de que um mundo novo é possível. Incentiva a formação de militantes, preparando o momento seguinte de retomada da reação, da luta dos movimentos sociais.

A articulação com diversas entidades que contribuíram com este relatório mostra que não estamos isolados. É muito difícil nos manter firmes quando estamos sozinhos. Porém, este trabalho nos convoca a participar das lutas por transformações em nossa sociedade.

 São Paulo, 12 de outubro 2004

 frei João Xerri, op

Sócio do Mestre da Ordem dos Pregadores para América Latina e Caribe

Co-Promotor Internacional de Justiça e Paz

 Lília Azevedo

Grupo Solidário São Domingos