Pagina Principal  

Relatórios
 

Em setembro de 2004, o MST realizou um levantamento

demonstrando que apenas 5.440 famílias de seus acampamentos tinham sido assentadas desde o início do governo Lula. Dados da Ouvidoria Agrária Nacional indicam que, de janeiro a agosto de 2004, o número de ocupações de terra aumentou 47% em relação ao mesmo período no ano passado, chegando a 271.

 

Violência no Campo e Reforma Agrária

*Maria Luisa Mendonça e **Roberto Rainha

 Este texto busca analisar a violência no campo e a reforma agrária durante o período de 2003 e parte de 2004. Em 2003, os principais fatos políticos relacionados com a reforma agrária ocorreram a partir das expectativas geradas com o início do governo Lula. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT): “O ano de 2003 começou com a euforia da esperança que vence o medo. Os trabalhadores e trabalhadoras do campo acreditaram que havia chegado a hora de uma mudança profunda, que a Reforma Agrária finalmente iria acontecer”.

 Já naquele momento, a CPT atribui o grande número de mobilizações a essa expectativa. Em 2003, as ocupações e acampamentos atingiram 676 ações, envolvendo 124.634 famílias ou cerca de 623.170 pessoas. O número de pessoas que participaram de manifestações foi estimado em 481.023. O total de conflitos atingiu um patamar nunca visto: 1.690 conflitos, com cerca de 1.190.578 pessoas envolvidas.

 Em 2003, o número de assassinatos de trabalhadores rurais cresceu 69,8% em relação a 2002, chegando a 73. O número de ordens de despejo também foi recorde em 2003, atingindo 35.297 famílias, envolvendo cerca de 176.485 pessoas, o que representa um aumento de 263,2% em relação aos dados de 2002. O número de prisões também foi 140,5% maior do que em 2002.

 Em abril de 2004, o diagnóstico da CPT era de que “as esperanças depositadas no governo Lula vão se transformando em dúvidas, quando não em decepção. Ninguém ignora as dificuldades imensas, as cercas e empecilhos colocados pelas elites a esse governo. Se o governo federal adotou uma nova postura diante dos movimentos do campo, não os tratando como movimentos criminosos, fora da lei, como vinha acontecendo nos últimos anos, também não realizou uma verdadeira Reforma Agrária”. Segundo a CPT, o número de famílias assentadas durante 2003 e 2004 foi “irrisório”.

 Em setembro de 2004, o MST realizou um levantamento demonstrando que apenas 5.440 famílias de seus acampamentos tinham sido assentadas desde o início do governo Lula. O governo afirma ter assentado 70,1 mil famílias desde janeiro de 2003, mas esses números são contestados por movimentos sociais. Segundo o MST, em 2003 foram assentadas 14 mil famílias e, nos três primeiros meses de 2004, apenas 7 mil famílias. A maioria desses assentamentos não beneficiou famílias acampadas, pois de concentrou em regularização de posses.

 Mesmo os dados do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) indicam que possivelmente o governo não conseguirá cumprir sua meta de assentar 115 mil famílias em 2004. Em agosto, o governo afirmou ter assentado 33,3 mil famílias, o que significa apenas 29% da meta. Em 2003, da meta anunciada de 60 mil famílias, o governo só assentou 36,8 mil, segundo dados oficiais.

 Por outro lado, dados da Ouvidoria Agrária Nacional indicam que, de janeiro a agosto de 2004, o número de ocupações de terra aumentou 47% em relação ao mesmo período no ano passado, chegando a 271.

Assassinatos em 2004

 Dados da CPT, de janeiro a agosto de 2004 indicam que foram assassinados 20 trabalhadores rurais, sendo que 9 desses crimes ocorreram no Pará, 3 em Pernambuco, 2 no Maranhão, 2 no Paraná, 2 no Piauí, 1 no Mato Grosso e 1 na Paraíba.

Assassinatos 2004

 

State

Municipality

Name of the conflict

Name of the Victim

Date

Category

Description

1

MA

Aldeias

Altas

Povoado

Jaburu

José Borges da Silva, 67

21/1/04 

  Trab.   Rural

Assassinado com 67 facadas. No homicídio teve o órgão genital decepado. Consta que o fazendeiro Matias solta gado na plantação dos trabalhadores. Numa dessas ações, José Borges reagiu, prendendo um garrote do fazendeiro. Este jurou vingança.

2

MA

Nina

Rodrigues

Vila Boa Esperança/PA Mangueira

Evaldo, 20

6/2/04

Assentado

Assassinado numa emboscada. O principal suspeito do homicídio é João Pinto, aliado do fazendeiro Francisco Gomes da Silva. Consta que este fazendeiro tem interesse em adquirir parte da área do PA Mangueira, o que tem gerado conflitos no Assentamento. A vítima era ligada ao MST.

3

MT

Rosário

do Oeste

Ass. Marzagão

Joaquim Rosa da Cruz,39

2/1/04

AsAssentadoo

A terra é da União, mas em 07/2003 o juiz Clorisvaldo Rodrigues concedeu reintegração de posse para o fazendeiro José Roberto Cerri. Desde então as ameaças de morte no assentamento são constantes e o conflito é eminente.

4

PA

N. Reparti-

mento

Gleba Capivara

Eudes

20/1/04

Sem-terra

Eudes trabalhava na Serraria Pontal Madeiras, em Maracajá. O proprietário, Sr. Francisco, conhecido por "Irmão", mandou matar Eudes para não pagar pelo seu serviço na madeireira. Eudes estava acampado na Gleba Capivara, no Km220 da Transamazônica.

5

PA

N. Reparti-

mento

Gleba Capivara

Gil

20/1/04

Sem-terra

Eudes e Gil  trabalhavam na mesma Serraria Pontal Madeiras, em Maracajá. Gil foi morto pelo mesmo motivo que Eudes.

.

6

PA

Redenção

Faz. Santa Eliza

Ezequiel de Morais Nascimento

29/1/04

Liderança

Ezequiel era Presidente da Assoc. dos Trab da Faz. Stª Eliza. A faz. é ocupada há 8 anos por 30 fam. de peq. Agric. Há algum tempo alguns grandes proprietários se infiltraram na área a fim de grilar a terra, entre estes a Sra. Terezinha Boeck. Por várias vezes, no início de 2003, Ezequiel fez várias denúncias de violências sofridas pelos trabalhadores, a mando destes grileiros e com o apoio da polícia; por causa disso estava ameaçado de morte

7

PA

Rondon

do Pará

Ligado a vários conflitos

Ribamar Francisco dos Santos

6/2/04

Pres. Sindicato

O presidente do STR de Rondon (PA), Ribamar Francisco, tinha seu nome na lista dos "marcados para morrer"; há semanas vinha recebendo ameaças e apesar de ter denunciado, nada foi feito pela polícia. Por esta razão a CONTAG propõe que crimes relacionados na luta pela terra sejam investigados pela PF e julgados pela Justiça Federal."O judiciário não pode continuar sendo uma linha auxiliar do latifúndio", alerta Manoel dos Santos, presidente da CONTAG.

8

PA

Pacajá

Assentamento Arapari I

José Ribamar Ribeiro, 45

#####

Assentado

De acordo com os agentes da CPT Tucuruí-PA, trata-se de um conflito pela terra, mas não foi possível levantar informações.

9

PA

Tailândia

Ligado a vários conflitos

Epitácio Gomes da Silva

23/3/04

Liderança do MTRI

Há duas versões para o crime, a polícia civil afirma que a causa do assassinato foi latrocínio, mas os representantes de movimentos de trab. rurais da região acreditam que foi morte encomendada por fazendeiros e madeireiros. No fim de 2003, Epitácio fundou junto com representantes de alguns municípios o MTRI (Mov. dos Trab. Rurais Independentes). O MTRI estava mobilizando trabalhadores, organizando para começar a ocupar terras na região, o que desagradou muitos latifundiários, madeireiros e grileiros. 

10

PA

N. Reparti-

mento

Assentamento Redenção

José Antonio P. de Souza, 45

Mar/04

Assentado

Trata-se de um conflito na divisa do P. A Redenção e a Gleba Capivara. Não consta outras informações.

 

11

PA

N. Reparti-

mento

Vicinal 4 Paracanã

Gaspar

3/5/04

Trab.Rural

O fazendeiro Alexandre mandou matar Gaspar por dois motivos: para não pagar um serviço de derruba, no valor de R$2500,00, e para apossar-se do lote de Gaspar, uma vez que o imóvel fica ao lado da fazenda. Gaspar morava sozinho, não tinha família.

12

PA

Novo

Progresso

Gleba Curuá

Adilson Prestes,26

3/7/04

Agente pastoral

Há dois anos Adilson estava ameaçado de morte porque denunciou a grilagem  de terras, exploração ilegal de mogno na terra do meio.

13

PR

Planaltina

do Paraná

Faz. Sta. Filomena

Elias Gonçalves de Moura,20

28/8/04

Sem-terra

Assassinado com um tiro no pescoço, num confronto entre o MST e os seguranças da fazenda Sta. Filomena, em Planaltina, durante a ocupação da área. O fazendeiro, Francisco Carvalho Ramos aguarda posicionamento da justiça, e diz que já entrou com pedido de reintegração de posse. 

14

PB

Mari

Faz. Olho D'Água

Antônio Carlos da Silva,64

19/4/04

Posseiro

Antônio Carlos apoiava a luta dos trabalhadores do MST pela desapropriação da Faz. Olho D'Água. Foi morto por dois capangas quando voltava para a faz. O advogado do MST, Dr. Rogério Machado denuncia que há um grupo de pistoleiros(milícia privada) agindo na região de Mari e Sapé.

15

PR

Guairacá

Faz. Sta. Filomena

Elias Gonçalves Moura, 20

31/7/04

Sem-terra

Elias foi assassinado por jagunços que abriram fogo contra 400 famílias, que estavam acampadas próxi. à Fazenda Sta. Filomena. Várias pessoas ficaram feridas. Os sem terra ocuparam a fazenda após o conflito.

16

PE

Catende

Tabaiaré/

Usina Catende

Eraldo José

da Silva

18/3/04

Liderança

Eraldo José da Silva era presidente da Assoc.de Moradores de Tabaiaré, da Usina Catende.Em 2003, tinha coordenado a ocupação da Usina. Logo após começou a receber ameaças de morte e sofreu tentativa de assassinato quando vários tiros foram disparados contra o seu carro. O MST acusa o administrador da Usina, que já teria ameaçado Eraldo.

17

PE

Moreno

Assentamento Herbert de Souza

José Rosendo da Silva

21/3/04

Liderança

José Rosendo, líder do Assentamento Herbert de Souza, foi morto com três tiros pelas costas. Ele vinha tendo desentendimentos com madeireiros da região, que estavam derrubando árvores da reserva do assentamento, que é coordenado pela OLC (Org. da Luta no Campo).

18

PE

Amaraji

Engenho Retalhos

Rivaldo José

da Silva, 24

30/5/04

Sem-terra

Rivaldo foi assassinado numa emboscada, próx. de onde morava no Engenho Retalhos, que está em processo de desapropriação. O proprietário do Engenho está em conflito com as 11 famílias acampadas no local.

 

19

PI

Joaquim

Pires

Fazenda Papagaio

Maria Betânia,34

29/7/04

Posseira

Maria Betânia e Manoel de Jesus foram assassinados por dois pistoleiros não identificados. Lideravam 40 famílias de posseiros que lutavam pela desapropriação da Faz. Papagaio. Atualmente reagiam contra a venda do  imóvel para um grupo de empresários gaúchos, interessados no plantio de soja para exportação.

 

20

PI

Joaquim

Pires

Fazenda Papagaio

Manoel de Jesus, 33

29/7/04

Posseiro

Idem

 

 

TOTAL

20

 

 

 

 

  Fonte: Setor de Documentação da Secretária Nacional da CPT

  Fonte: Comissão Pastoral da Terra.

  OBS:   Em SC ocorreu um assassinato dia 26/03/04 e no AC dia 24/02/04, ambos estão sendo   

              Investigados por agentes da CPT.

 Dia 19 de setembro, foi assassinado Josenildo Severino da Silva, membro do Setor de Saúde do MST em Pernambuco. Ele foi ferido com 15 facadas, por dois homens desconhecidos.

  

O Mito do Agronegócio

 Outra preocupação dos movimentos sociais é o fortalecimento do agronegócio, o que dificulta a realização da reforma agrária e estimula a violência contra os/as trabalhadores/as.

 O apoio aos grandes produtores, que priorizam a monocultura para exportação, tem sido uma marca do governo Lula. Essa política cria uma imagem distorcida, como se o agronegócio fosse grande gerador de empregos e renda para a população. Na realidade, esse setor beneficia apenas um pequeno número de produtores e de empresas multinacionais. Segundo estudo do MST, as propriedades acima de mil hectares empregam apenas 600 mil assalariados, e possuem apenas 5% da frota nacional de tratores. As pequenas propriedades empregam 13 milhões de trabalhadores familiares e mais de 1 milhão de assalariados, e detêm 52% de toda a frota de tratores do Brasil.

 Um estudo do professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira (USP) revela que as pequenas e médias propriedades rurais são responsáveis pela maior parte da produção de alimentos. “Com relação ‘a utilização da terra, as lavouras (temporárias e permanentes) ocupavam 50,1 milhões de hectares ou 14,1% da área total dos estabelecimentos e nelas, as pequenas unidades ficavam com 53%, as médias com 34,5% e as grandes com 12,5%”.

 O agronegócio é acusado de gerar sérios problemas sociais e ambientais e tem sido relacionado com denúncias constantes de trabalho escravo. Atualmente, a produção de soja e a pecuária são as principais responsáveis pelo desmatamento tanto no Cerrado como na Amazônia. Segundo a organização Conservação Internacional, o cerrado tem uma taxa anual de desmatamento de 1,5%, o que representa 7,3 mil hectares por dia. Dos 204 milhões de hectares originais, 57% já foram completamente destruídos. Esse processo poderá resultar na sua destruição total até 2030. Na Amazônia, o setor agropecuário foi responsável por 80% dos 23,7 mil quilômetros desmatados em 2003.

 

 

 “Abril Vermelho”

 O ano de 2004 foi marcado ainda por uma grande mobilização do MST chamada de "abril vermelho".

 Em nota divulgada naquele período, o MST reivindica que seja reconhecido seu direito de mobilização e cita dados para justificar suas ações:

 1. Cerca de 26 mil grandes proprietários de terra, que representam menos de 1% de 5 milhões de proprietários, são donos de 46% de todas as terras do Brasil. Por isso, o Brasil é um dos países com maior concentração da terra.

 2. A Constituição brasileira determina que as propriedades que não cumprem sua função social, relativa à produtividade, respeito ao meio-ambiente e respeito aos direitos trabalhistas, devem ser desapropriadas pelo governo e distribuídas aos trabalhadores. Segundo o Plano Nacional de Reforma Agrária elaborada pelo Ministério do  Desenvolvimento Agrário, há 55 mil imóveis rurais classificados como grandes propriedades improdutivas, que detêm 120 milhões de hectares, e que deveriam, pela lei, ser desapropriados.

 3. Há no Brasil em torno de 4,6 milhões de famílias de trabalhadores sem-terra. Um estudo recente da Fundação Getúlio Vargas demonstra que o Brasil tem 33% da sua população vivendo como miseráveis, o que representa cerca de 56 milhões de brasileiros.

 4. O governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) divulgou que havia assentado 620 mil famílias em oito anos. Porém, um censo realizado pela Universidade de São Paulo, em convênio com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, verificou que foram assentadas apenas 358 mil famílias durante esse período.

 5. Durante o governo FHC, realizou-se uma ampla campanha televisiva para que os sem-terra se cadastrassem nos correios, para que, assim, não precisassem se organizar no MST e ocupar terras. Foram cadastradas 880 mil famílias, mas até hoje, nenhuma delas foi assentada.

 6. Durante o primeiro ano do governo Lula, o MST contribuiu para que se elaborasse um plano nacional de Reforma Agrária. A equipe do professor Plínio de Arruda Sampaio comprovou que seria possível assentar 1 milhão de famílias em quatro anos. O MST aceitou a proposta do governo que baixou a meta para 400 mil famílias, para o período de 2004 a 2006. Isso significaria em média 115 mil famílias por ano.

 7. Existem atualmente em torno de 200 mil famílias acampadas em beiras de estradas em todo o país. Parte delas está organizada pelo MST e outra parte pelos sindicatos de trabalhadores rurais, e outros movimentos sociais que se multiplicam, se organizando na luta pela Reforma Agrária.

 8. Há 500 mil famílias assentadas nos últimos 20 anos. Em 2003, apenas 64 mil famílias tiveram acesso a crédito. As normas de assistência técnica determinam que o ideal é ter um técnico para cada 100 famílias. Isso demandaria a contratação de 5.000 técnicos. Até o momento, foram liberados recursos para contratar apenas 300. O INCRA tinha 12 mil servidores públicos na década de 70 e hoje possui apenas 5 mil funcionários.

 9. Ao longo dos 20 anos de redemocratização, foram assassinados 1.671 trabalhadores rurais em conflitos de terra. Em menos de dez casos houve condenação e prisão dos assassinos.

 10. O MST considera que a reforma agrária deve vir casada com apoio à agroindústria, educação e uma nova tecnologia agrícola que respeite o meio ambiente. Essa é a forma mais rápida e mais barata do governo criar empregos e garantir os direitos dos trabalhadores no campo.

Relator da ONU

 Em junho de 2004, a visita do relator especial da Comissão de Direitos Humanos da ONU para moradia digna, Miloon Kothari, contribuiu para legitimar as mobilizações do MST. Durante audiência com movimentos sociais em São Paulo, ele afirmou que as ocupações são legítimas e condizentes com a luta pelos direitos humanos. Ressaltou também que dará destaque à repressão e criminalização dos movimentos sociais no relatório que está elaborando sobre o direito à habitação, tanto no campo quanto nas cidades brasileiras.

 Essa declaração foi importante na medida em que setores conservadores buscaram caracterizar as mobilizações do MST como atos violentos. Outra reação partiu de Marina Santos, integrante da Direção Nacional do MST, que declarou ao jornal O Globo (17 de maio de 2004):

 Nunca 'invadimos' terras. 'Invadir' conota ação violenta, roubo, tomar o que não é seu. O uso dessa expressão contém um preconceito, um juízo de valor em relação às nossas ações. Não fazemos ocupações ao acaso. Ocupamos latifúndios que não cumprem sua função social, o que de acordo com a Constituição significa ser produtiva, mas também respeitar as leis ambientais e trabalhistas (arts. 184 a 186). Este foi o caso, por exemplo, das fazendas de eucaliptos da Veracel, na Bahia, e da Klabin, em Santa Catarina. Temos por orientação fundamental o repúdio a ações violentas. Sabemos que a maior vítima delas é a população pobre, da qual fazemos parte”.

Perfil da Violência no Campo

 Além de assassinatos de trabalhadores rurais, a violência no campo se caracteriza por constantes prisões arbitrárias, despejos e ameaças às organizações sociais que lutam pela terra. Uma das principais razões para a permanência desse quadro é a impunidade. A seguir, relatamos casos emblemáticos que demonstram essa situação em algumas regiões do país.

PARÁ

Maio de 2004 – Pistoleiro Absolvido

 Dezenove anos após o assassinato de Irmã Adelaide e da tentativa de homicídio contra Arnaldo Ferreira, membro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Eldorado, foi levado a Júri popular o pistoleiro José de Ribamar R. Lopes. Na época, foram denunciados os fazendeiros José Batista Veloso, José Eduardo de Abreu Vieira e Aloysio Ribeiro Vieira como mandantes do crime e José de Ribamar como executor.

 A intenção do pistoleiro era assassinar o sindicalista Arnaldo. O disparo acertou Arnaldo pelas costas, a bala perfurou seu corpo e feriu a Irmã Adelaide, que veio a falecer em seguida. O sindicalista foi assassinado sete anos depois.

 Apesar da acusação provar, através de testemunha, que o acusado saiu do local do crime com uma arma na mão, o júri decidiu absolver o réu por cinco votos contra dois. Os advogados de acusação tentaram anular a decisão, pois descobriram que três juradas utilizaram celulares durante o julgamento, mas o juiz negou esse pedido.

 (Relato do advogado Adelar Cupsinski, do MST-PA)

Setembro de 2004

Grupo armado realiza despejo violento em Abel Figueiredo, no sudeste do Pará

 Um grupo de 20 pistoleiros, portando armas de grosso calibre (revólveres 38, escopetas, espingardas 12 e 20, pistolas 380 e rifles), expulsou cerca de 90 famílias acampadas na divisa da Fazenda Gaúcha, localizada a 25 km da sede do município de Abel Figueiredo.

 O grupo armado chegou ao acampamento por volta das 8 horas da manhã, usando roupas camufladas do Exército. Segundo informações dos trabalhadores, toda a ação foi coordenada pelo gerente da fazenda, Jerônimo. Homens, mulheres e crianças foram ameaçados com armas apontadas para suas cabeças, enquanto seus pertences eram colocados em caminhões da fazenda. A ação só terminou às 5 horas da manhã do dia seguinte. Não havia liminar de reintegração de posse contra os acampados. Os pistoleiros alegaram estar cumprindo ordens do fazendeiro Lucas Batisteli, e que estavam agindo com o apoio das polícias militar e civil.

 (Relato da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará – FETAGRI e da Comissão Pastoral da Terra – CPT – Diocese de Marabá).

Setembro de 2004

Despejos em Série

 Foram emitidas 40 liminares de reintegração de posse em área considerada como “barril de pólvora” da reforma agrária. Foram mobilizadas a Tropa de Choque e a Cavalaria para realizar os despejos, além do Exército e da Polícia Federal.

 A operação ocorreu em nove municípios do sul e sudeste do Pará. São 27 áreas ocupadas com 3.939 famílias. No total, 12 mil famílias vivem em áreas ocupadas na região. Dentre as áreas, duas são projetos de assentamento já homologados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). O prejuízo da desocupação é incalculável. Apenas na produção de arroz e milho, estima-se a perda de 4.592 lavouras.

 Trata-se da mais abrangente operação para reintegração de posse na história do Pará. Em 2001, a maior registrada até hoje, foi agendada a reintegração de 15 áreas. Naquela operação sete dirigentes dos movimentos sociais foram assassinados, 121 trabalhadores rurais detidos e três dirigentes do MST presos.

 (Relato da Comissão Pastoral da Terra e da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará).

  

SERGIPE

Janeiro de 2004

Prisão de Nove Trabalhadores Rurais

 Dia 16 de janeiro, foi decretada a prisão de nove trabalhadores sem terra, entre eles Roberto Araújo, da Coordenação Nacional do MST e vereador pelo PT em Poço Redondo.

 Em setembro do ano passado, o MST organizou uma série de manifestações pacíficas na região pela liberação imediata de água, alimentação e crédito. Naquele período, a falta de assistência aos trabalhadores causou a perda de 100% da safra. Desde então, a polícia vem aumentando a repressão aos sem terra.

RIO GRANDE DO NORTE

Junho de 2004 – Despejo Violento

 Dia 8 de junho de 2004, houve um violento despejo no Município de Poço Branco. Policiais bateram em crianças, jovens e mulheres, detiveram seus pertences, destruíram barracos e plantações. A operação foi liderada pelo Major Fontes e o proprietário da fazenda, Gustavo de Queirós. Dois trabalhadores foram presos.

 (Relato de Sérgio S. Pereira, Secretaria MST – RN).

  

PERNAMBUCO

Fevereiro de 2004

Despejo e Prisão de Trabalhadores

 Policiais militares e civis, acompanhados de 12 seguranças armados e sem mandado judicial, despejaram 60 famílias acampadas na Fazenda Rancharia. Os policiais derrubaram os barracos e prenderam oito trabalhadores:

·            José Alexandre da Silva

·            Cícero Manoel da Silva

·            Heleno Manoel da Silva

·            Josimar Ferreira da Silva

·            João de Deus Rodrigues

·            José Pereira da Silva

·            Roquimar Alexandre de Melo

·            Jadiael José da Silva

 

 

Maio de 2004

 

Trabalhadores Sem Terra são presos

 Os trabalhadores rurais Antônio José Lourenço, Cícero José da Silva e João Manoel da Silva foram presos na cidade de Bonito. O juiz decretou a prisão devido à suposta participação deles na ocupação da fazenda Uberaba.

 A fazenda Uberaba foi reocupada pelos trabalhadores em março, pois a proprietária não cumpriu um acordo que permitiria a vistoria do imóvel pelo Incra. Além disso, ela passou a perseguir os trabalhadores e contratou pistoleiros para ameaçá-los.  

Setembro de 2004

Filho de fazendeira arma emboscada para matar sem terra 

 O coordenador do MST, João Rufino, foi abordado no dia 20 de setembro, na cidade de Bonito, Mata Sul de Pernambuco, por quatro homens armados em um carro preto, que fizeram várias ameaças. Ao perceberem a aproximação de algumas pessoas, se retiraram do local. Em seguida, João Rufino retornava para sua casa quando foi avisado que os mesmos homens estavam lá. Ele comunicou o fato à direção do MST, que o retirou da região imediatamente. Ao perceberem a demora do seu retorno, os pistoleiros abandonaram o local.

 Um dos homens foi identificado como filho de uma fazendeira do município, que vem agredindo e ameaçando as famílias acampadas próximas à fazenda Uberaba, permanentemente vigiada por pistoleiros fortemente armados. Por várias vezes, os pistoleiros cercaram o acampamento em busca de dirigentes do MST.

BAHIA

Setembro de 2004

Criminalização dos Movimentos de Luta pela Terra no Sertão da Bahia

 Monte Santo, no sertão da Bahia, foi onde Antônio Conselheiro e seus
seguidores iniciaram a construção de Canudos—símbolo da luta pela terra no nordeste. Ainda hoje, a terra continua concentrada nas mãos de uma pequena oligarquia.

 Este ano, a perseguição se concentrou em algumas lideranças dos trabalhadores, como Zé Branco, assentado com 57 anos de idade, e Nelson de Jesus Lopes, engenheiro agrônomo, diretor da Escola Família Agrícola do Sertão e candidato a vereador pelo PT.

 Eles, juntamente com outros trabalhadores, são acusados de participar em duas ocupações de terras. Foram decretadas prisões provisórias contra eles, sob a alegação de garantia da ordem pública. Porém, não há no inquérito dados seguros que apontem para a existência das ocupações e não há indícios que confirmem que essas pessoas estavam no local.

 Isso ocorreu quando o INCRA determinou a vistoria das fazendas de Cláudio Ferreira Pereira e de Clóvis Lopes Cedraz.

 (Relato de Isac Tolentino, AATR – Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais da Bahia).

SÃO PAULO

Setembro de 2004

Despejo Violento

 Dia 9 de setembro, 200 famílias sem terra foram despejadas pela polícia militar de São Paulo, da Fazenda São Luiz, município de Cajamar. A ação começou por volta das 5 horas da manhã, com o acampamento sitiado pela tropa de choque da PM. As famílias desmontaram os barracos que puderam e foram expulsas da área, deixando para trás suas hortas, barracos e todas as melhorias que haviam feito na área, antes totalmente abandonada. Após as famílias saírem, um trator destruiu as plantações.

 O objetivo desses trabalhadores é conseguir a desapropriação da fazenda, que possui 955,9 hectares, sendo que 534 são aptos à agricultura. Hoje, essa fazenda possui apenas enormes plantações de eucalipto. Parte dessas terras encontra-se em Área de Proteção Ambiental (APA) da Serra do Japi. As APAs são áreas submetidas ao planejamento e à gestão ambiental, com o objetivo de garantir a preservação da vida silvestre, a proteção dos recursos naturais e a melhoria da qualidade de vida da população local. No entanto, a monocultura de eucalipto não possibilita a preservação da área.

GOIÁS

Maio de 2004

Trabalhadores Presos

 Quatro trabalhadores foram presos, acusados de tentativa de furto de 100 sacas de arroz. O produto foi colhido na Fazenda São Paulo, também conhecida como Pau-a-Pique, que foi ocupada no dia 31 de março. Foram presos Valterci Ferreira de Lima, de 43 anos; Antônio Dias Ferreira, 46; Dari Alves de Brito, 43, e Mariana Duque Carvalho Dias, 26, uma das coordenadoras do MST no Estado.

 (Relato do advogado Junior Fideles).

Setembro de 2004

Ruralistas Organizam Milícias Armadas 

 Segundo o Jornal Diário da Manhã (10/09/2004), “A vigilância armada nas propriedades rurais de Goiás contra as invasões de terras está sendo planejada pela Associação Nacional dos Produtores Rurais (Anpru). Trata-se de um projeto piloto que visa oferecer aos fazendeiros equipes treinadas em defesa patrimonial. O município de Campestre de Goiás, a 49 quilômetros de Goiânia, será o primeiro a receber a estratégia de segurança (...). O objetivo da Associação Nacional de Produtores Rurais é oferecer um vigilante armado em cada propriedade, monitoramento por carros, motos e até helicóptero. (...) O presidente da associação afirma apenas que a operação deve abranger aproximadamente mil fazendeiros da região e o custo estimado é de R$ 300 mil. Segundo Narciso da Rocha Clara, a Anpru representa atualmente 157 mil proprietários rurais em todo o país e tem como meta expandir este projeto para outros municípios goianos, como Palmeiras e Jataí, e também para Estados como Paraná, São Paulo e  Grande do Sul”.

 Esses relatos são exemplos da contínua repressão sofrida pelos movimentos que reivindicam a reforma agrária, assim como da perpetuação do poder das oligarquias rurais e da concentração da terra no Brasil.

 -- Colaboraram: Comissão Pastoral da Terra (CPT), Movimento Sem Terra (MST), Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (RENAAP).

* Maria Luisa Mendonça é jornalista e diretora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.

** Roberto Rainha é advogado da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e membro do Setor de Direitos Humanos do MST.