Em
setembro de 2004, o MST realizou um levantamento
demonstrando
que apenas 5.440 famílias de seus acampamentos tinham sido
assentadas desde o início do governo Lula. Dados da Ouvidoria
Agrária Nacional indicam que, de janeiro a agosto de 2004, o
número de ocupações de terra aumentou 47% em relação ao
mesmo período no ano passado, chegando a 271.
Violência
no Campo e Reforma Agrária
*Maria
Luisa Mendonça e **Roberto Rainha
Este
texto busca analisar a violência no campo e a reforma agrária
durante o período de 2003 e parte de 2004. Em 2003, os
principais fatos políticos relacionados com a reforma agrária
ocorreram a partir das expectativas geradas com o início do
governo Lula. Segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT):
“O ano de
2003 começou com a euforia da esperança que vence o medo. Os
trabalhadores e trabalhadoras do campo acreditaram que havia
chegado a hora de uma mudança profunda, que a Reforma Agrária
finalmente iria acontecer”.
Já
naquele momento, a CPT atribui o grande número de mobilizações
a essa expectativa. Em 2003, as ocupações e acampamentos
atingiram 676 ações, envolvendo 124.634 famílias ou cerca
de 623.170 pessoas. O número de pessoas que participaram de
manifestações foi estimado em 481.023. O total de conflitos
atingiu um patamar nunca visto: 1.690 conflitos, com cerca de
1.190.578 pessoas envolvidas.
Em
2003, o número de assassinatos de trabalhadores rurais
cresceu 69,8% em relação a 2002, chegando a 73. O número de
ordens de despejo também foi recorde em 2003, atingindo
35.297 famílias, envolvendo cerca de 176.485 pessoas, o que
representa um aumento de 263,2% em relação aos dados de
2002. O número de prisões também foi 140,5% maior do que em
2002.
Em
abril de 2004, o diagnóstico da CPT era de que
“as esperanças depositadas no governo Lula vão se
transformando em dúvidas, quando não em decepção. Ninguém
ignora as dificuldades imensas, as cercas e empecilhos
colocados pelas elites a esse governo. Se o governo federal
adotou uma nova postura diante dos movimentos do campo, não
os tratando como movimentos criminosos, fora da lei, como
vinha acontecendo nos últimos anos, também não realizou uma
verdadeira Reforma Agrária”. Segundo a CPT, o número de
famílias assentadas durante 2003 e 2004 foi “irrisório”.
Em
setembro de 2004, o MST realizou um levantamento demonstrando
que apenas 5.440 famílias de seus acampamentos tinham sido
assentadas desde o início do governo Lula. O governo afirma
ter assentado 70,1 mil famílias desde janeiro de 2003, mas
esses números são contestados por movimentos sociais. Segundo
o MST, em 2003 foram assentadas 14 mil famílias e, nos três
primeiros meses de 2004, apenas 7 mil famílias. A maioria
desses assentamentos não beneficiou famílias acampadas, pois
de concentrou em regularização de posses.
Mesmo
os dados do Incra (Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária) indicam que possivelmente o governo não
conseguirá cumprir sua meta de assentar 115 mil famílias em
2004. Em agosto, o governo afirmou ter assentado 33,3 mil famílias,
o que significa apenas 29% da meta. Em 2003, da meta anunciada
de 60 mil famílias, o governo só assentou 36,8 mil, segundo
dados oficiais.
Por
outro lado, dados da Ouvidoria Agrária Nacional indicam que,
de janeiro a agosto de 2004, o número de ocupações de terra
aumentou 47% em relação ao mesmo período no ano passado,
chegando a 271.
Assassinatos
em 2004
Dados
da CPT, de janeiro a agosto de 2004 indicam que foram
assassinados 20 trabalhadores rurais, sendo que 9 desses
crimes ocorreram no Pará, 3 em Pernambuco, 2 no Maranhão, 2
no Paraná, 2 no Piauí, 1 no Mato Grosso e 1 na Paraíba.
Assassinatos
2004
|
|
State
|
Municipality
|
Name
of the conflict
|
Name
of the Victim
|
Date
|
Category
|
Description
|
1
|
MA
|
Aldeias
Altas
|
Povoado
Jaburu
|
José
Borges da Silva, 67
|
21/1/04
|
Trab.
Rural
|
Assassinado com 67 facadas. No homicídio teve o
órgão genital decepado. Consta que o fazendeiro Matias
solta gado na plantação dos trabalhadores. Numa dessas
ações, José Borges reagiu, prendendo um garrote do
fazendeiro. Este jurou vingança.
|
2
|
MA
|
Nina
Rodrigues
|
Vila
Boa Esperança/PA Mangueira
|
Evaldo,
20
|
6/2/04
|
Assentado
|
Assassinado numa emboscada. O principal suspeito
do homicídio é João Pinto, aliado do fazendeiro
Francisco Gomes da Silva. Consta que este fazendeiro tem
interesse em adquirir parte da área do PA Mangueira, o
que tem gerado conflitos no Assentamento. A vítima era
ligada ao MST.
|
3
|
MT
|
Rosário
do
Oeste
|
Ass.
Marzagão
|
Joaquim
Rosa da Cruz,39
|
2/1/04
|
AsAssentadoo
|
A terra é da União, mas em 07/2003 o juiz
Clorisvaldo Rodrigues concedeu reintegração de posse
para o fazendeiro José Roberto Cerri. Desde então as
ameaças de morte no assentamento são constantes e o
conflito é eminente.
|
4
|
PA
|
N.
Reparti-
mento
|
Gleba
Capivara
|
Eudes
|
20/1/04
|
Sem-terra
|
Eudes trabalhava na Serraria Pontal Madeiras, em
Maracajá. O proprietário, Sr. Francisco, conhecido por
"Irmão", mandou matar Eudes para não pagar
pelo seu serviço na madeireira. Eudes estava acampado
na Gleba Capivara, no Km220 da Transamazônica.
|
5
|
PA
|
N.
Reparti-
mento
|
Gleba
Capivara
|
Gil
|
20/1/04
|
Sem-terra
|
Eudes e Gil
trabalhavam na mesma Serraria Pontal Madeiras, em
Maracajá. Gil foi morto pelo mesmo motivo que Eudes.
.
|
6
|
PA
|
Redenção
|
Faz.
Santa Eliza
|
Ezequiel
de Morais Nascimento
|
29/1/04
|
Liderança
|
Ezequiel era Presidente da
Assoc. dos Trab da Faz. Stª Eliza. A faz. é ocupada
há 8 anos por 30 fam. de peq. Agric. Há algum tempo
alguns grandes proprietários se infiltraram na área a
fim de grilar a terra, entre estes a Sra. Terezinha
Boeck. Por várias vezes, no início de 2003, Ezequiel
fez várias denúncias de violências sofridas pelos
trabalhadores, a mando destes grileiros e com o apoio da
polícia; por causa disso estava ameaçado de morte
|
7
|
PA
|
Rondon
do
Pará
|
Ligado
a vários conflitos
|
Ribamar
Francisco dos Santos
|
6/2/04
|
Pres. Sindicato
|
O presidente do STR de Rondon (PA), Ribamar
Francisco, tinha seu nome na lista dos "marcados
para morrer"; há semanas vinha recebendo ameaças
e apesar de ter denunciado, nada foi feito pela
polícia. Por esta razão a CONTAG propõe que crimes
relacionados na luta pela terra sejam investigados pela
PF e julgados pela Justiça Federal."O judiciário
não pode continuar sendo uma linha auxiliar do
latifúndio", alerta Manoel dos Santos, presidente
da CONTAG.
|
8
|
PA
|
Pacajá
|
Assentamento
Arapari I
|
José
Ribamar Ribeiro, 45
|
#####
|
Assentado
|
De acordo com os agentes da CPT Tucuruí-PA,
trata-se de um conflito pela terra, mas não foi
possível levantar informações.
|
9
|
PA
|
Tailândia
|
Ligado
a vários conflitos
|
Epitácio
Gomes da Silva
|
23/3/04
|
Liderança do MTRI
|
Há duas versões para o
crime, a polícia civil afirma que a causa do
assassinato foi latrocínio, mas os representantes de
movimentos de trab. rurais da região acreditam que foi
morte encomendada por fazendeiros e madeireiros. No fim
de 2003, Epitácio fundou junto com representantes de
alguns municípios o MTRI (Mov. dos Trab. Rurais
Independentes). O MTRI estava mobilizando trabalhadores,
organizando para começar a ocupar terras na região, o
que desagradou muitos latifundiários, madeireiros e
grileiros.
|
10
|
PA
|
N.
Reparti-
mento
|
Assentamento
Redenção
|
José
Antonio P. de Souza, 45
|
Mar/04
|
Assentado
|
Trata-se de um conflito na
divisa do P. A Redenção e a Gleba Capivara. Não
consta outras informações.
|
11
|
PA
|
N.
Reparti-
mento
|
Vicinal
4 Paracanã
|
Gaspar
|
3/5/04
|
Trab.Rural
|
O fazendeiro Alexandre
mandou matar Gaspar por dois motivos: para não pagar um
serviço de derruba, no valor de R$2500,00, e para
apossar-se do lote de Gaspar, uma vez que o imóvel fica
ao lado da fazenda. Gaspar morava sozinho, não tinha
família.
|
12
|
PA
|
Novo
Progresso
|
Gleba
Curuá
|
Adilson
Prestes,26
|
3/7/04
|
Agente
pastoral
|
Há dois anos Adilson
estava ameaçado de morte porque denunciou a grilagem
de terras, exploração ilegal de mogno na terra
do meio.
|
13
|
PR
|
Planaltina
do
Paraná
|
Faz.
Sta. Filomena
|
Elias
Gonçalves de Moura,20
|
28/8/04
|
Sem-terra
|
Assassinado com um tiro no
pescoço, num confronto entre o MST e os seguranças da
fazenda Sta. Filomena, em Planaltina, durante a
ocupação da área. O fazendeiro, Francisco Carvalho
Ramos aguarda posicionamento da justiça, e diz que já
entrou com pedido de reintegração de posse.
|
14
|
PB
|
Mari
|
Faz.
Olho D'Água
|
Antônio
Carlos da Silva,64
|
19/4/04
|
Posseiro
|
Antônio Carlos apoiava a
luta dos trabalhadores do MST pela desapropriação da
Faz. Olho D'Água. Foi morto por dois capangas quando
voltava para a faz. O advogado do MST, Dr. Rogério
Machado denuncia que há um grupo de
pistoleiros(milícia privada) agindo na região de Mari
e Sapé.
|
15
|
PR
|
Guairacá
|
Faz.
Sta. Filomena
|
Elias
Gonçalves Moura, 20
|
31/7/04
|
Sem-terra
|
Elias foi assassinado por
jagunços que abriram fogo contra 400 famílias, que
estavam acampadas próxi. à Fazenda Sta. Filomena.
Várias pessoas ficaram feridas. Os sem terra ocuparam a
fazenda após o conflito.
|
16
|
PE
|
Catende
|
Tabaiaré/
Usina
Catende
|
Eraldo
José
da
Silva
|
18/3/04
|
Liderança
|
Eraldo José da Silva era
presidente da Assoc.de Moradores de Tabaiaré, da Usina
Catende.Em 2003, tinha coordenado a ocupação da Usina.
Logo após começou a receber ameaças de morte e sofreu
tentativa de assassinato quando vários tiros foram
disparados contra o seu carro. O MST acusa o
administrador da Usina, que já teria ameaçado Eraldo.
|
17
|
PE
|
Moreno
|
Assentamento
Herbert de Souza
|
José
Rosendo da Silva
|
21/3/04
|
Liderança
|
José Rosendo, líder do
Assentamento Herbert de Souza, foi morto com três tiros
pelas costas. Ele vinha tendo desentendimentos com
madeireiros da região, que estavam derrubando árvores
da reserva do assentamento, que é coordenado pela OLC
(Org. da Luta no Campo).
|
18
|
PE
|
Amaraji
|
Engenho
Retalhos
|
Rivaldo
José
da
Silva, 24
|
30/5/04
|
Sem-terra
|
Rivaldo foi assassinado numa emboscada, próx. de
onde morava no Engenho Retalhos, que está em processo
de desapropriação. O proprietário do Engenho está em
conflito com as 11 famílias acampadas no local.
|
19
|
PI
|
Joaquim
Pires
|
Fazenda
Papagaio
|
Maria
Betânia,34
|
29/7/04
|
Posseira
|
Maria Betânia e Manoel de Jesus foram
assassinados por dois pistoleiros não identificados.
Lideravam 40 famílias de posseiros que lutavam pela
desapropriação da Faz. Papagaio. Atualmente reagiam
contra a venda do imóvel
para um grupo de empresários gaúchos, interessados no
plantio de soja para exportação.
|
20
|
PI
|
Joaquim
Pires
|
Fazenda
Papagaio
|
Manoel
de Jesus, 33
|
29/7/04
|
Posseiro
|
Idem
|
|
|
TOTAL
|
20
|
|
|
|
|
Fonte: Setor de
Documentação da Secretária Nacional da CPT
|
Fonte:
Comissão Pastoral da Terra.
OBS:
Em SC ocorreu um assassinato dia 26/03/04 e no AC
dia 24/02/04, ambos estão sendo
Investigados por agentes da CPT.
|
|
Dia
19 de setembro, foi assassinado Josenildo Severino da
Silva, membro do Setor de Saúde do MST em Pernambuco.
Ele foi ferido com 15 facadas, por dois homens
desconhecidos.
O
Mito do Agronegócio
Outra
preocupação dos movimentos sociais é o fortalecimento
do agronegócio, o que dificulta a realização da
reforma agrária e estimula a violência contra os/as
trabalhadores/as.
O
apoio aos grandes produtores, que priorizam a
monocultura para exportação, tem sido uma marca do
governo Lula. Essa política cria uma imagem distorcida,
como se o agronegócio fosse grande gerador de empregos
e renda para a população. Na realidade, esse setor
beneficia apenas um pequeno número de produtores e de
empresas multinacionais. Segundo estudo do MST, as
propriedades acima de mil hectares empregam apenas 600
mil assalariados, e possuem apenas 5% da frota nacional
de tratores. As pequenas propriedades empregam 13 milhões
de trabalhadores familiares e mais de 1 milhão de
assalariados, e detêm 52% de toda a frota de tratores
do Brasil.
Um
estudo do professor Ariovaldo Umbelino de Oliveira (USP)
revela que as pequenas e médias propriedades rurais
são responsáveis pela maior parte da produção de
alimentos. “Com relação ‘a utilização da terra,
as lavouras (temporárias e permanentes) ocupavam 50,1
milhões de hectares ou 14,1% da área total dos
estabelecimentos e nelas, as pequenas unidades ficavam
com 53%, as médias com 34,5% e as grandes com 12,5%”.
O
agronegócio é acusado de gerar sérios problemas
sociais e ambientais e tem sido relacionado com denúncias
constantes de trabalho escravo. Atualmente,
a produção de soja e a pecuária são as principais
responsáveis pelo desmatamento tanto no Cerrado como na
Amazônia. Segundo a organização Conservação
Internacional, o cerrado tem uma taxa anual de
desmatamento de 1,5%, o que representa 7,3 mil hectares
por dia. Dos 204 milhões de hectares originais, 57% já
foram completamente destruídos. Esse processo poderá
resultar na sua destruição total até 2030. Na Amazônia,
o setor agropecuário foi responsável por 80% dos 23,7
mil quilômetros desmatados em 2003.
“Abril
Vermelho”
O
ano de 2004 foi marcado ainda por uma grande mobilização
do MST chamada de "abril vermelho".
Em
nota divulgada naquele período, o MST reivindica que
seja reconhecido seu direito de mobilização e cita
dados para justificar suas ações:
1.
Cerca de 26 mil grandes proprietários de terra, que
representam menos de 1% de 5 milhões de proprietários,
são donos de 46% de todas as terras do Brasil. Por
isso, o Brasil é um dos países com maior concentração
da terra.
2.
A Constituição brasileira determina que as
propriedades que não cumprem sua função social,
relativa à produtividade, respeito ao meio-ambiente e
respeito aos direitos trabalhistas, devem ser
desapropriadas pelo governo e distribuídas aos
trabalhadores. Segundo o Plano Nacional de Reforma Agrária
elaborada pelo Ministério do
Desenvolvimento Agrário, há 55 mil imóveis
rurais classificados como grandes propriedades
improdutivas, que detêm 120 milhões de hectares, e que
deveriam, pela lei, ser desapropriados.
3.
Há no Brasil em torno de 4,6 milhões de famílias de
trabalhadores sem-terra. Um estudo recente da Fundação
Getúlio Vargas demonstra que o Brasil tem 33% da sua
população vivendo como miseráveis, o que representa
cerca de 56 milhões de brasileiros.
4.
O governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002)
divulgou que havia assentado 620 mil famílias em oito
anos. Porém, um censo realizado pela Universidade de São
Paulo, em convênio com o Ministério do Desenvolvimento
Agrário, verificou que foram assentadas apenas 358 mil
famílias durante esse período.
5.
Durante o governo FHC, realizou-se uma ampla campanha
televisiva para que os sem-terra se cadastrassem nos
correios, para que, assim, não precisassem se organizar
no MST e ocupar terras. Foram cadastradas 880 mil famílias,
mas até hoje, nenhuma delas foi assentada.
6.
Durante o primeiro ano do governo Lula, o MST contribuiu
para que se elaborasse um plano nacional de Reforma Agrária.
A equipe do professor Plínio de Arruda Sampaio
comprovou que seria possível assentar 1 milhão de famílias
em quatro anos. O MST aceitou a proposta do governo que
baixou a meta para 400 mil famílias, para o período de
2004 a 2006. Isso significaria em média 115 mil famílias
por ano.
7.
Existem atualmente em torno de 200 mil famílias
acampadas em beiras de estradas em todo o país. Parte
delas está organizada pelo MST e outra parte pelos
sindicatos de trabalhadores rurais, e outros movimentos
sociais que se multiplicam, se organizando na luta pela
Reforma Agrária.
8.
Há 500 mil famílias assentadas nos últimos 20 anos.
Em 2003, apenas 64 mil famílias tiveram acesso a crédito.
As normas de assistência técnica determinam que o
ideal é ter um técnico para cada 100 famílias. Isso
demandaria a contratação de 5.000 técnicos. Até o
momento, foram liberados recursos para contratar apenas
300. O INCRA tinha 12 mil servidores públicos na década
de 70 e hoje possui apenas 5 mil funcionários.
9.
Ao longo dos 20 anos de redemocratização, foram
assassinados 1.671 trabalhadores rurais em conflitos de
terra. Em menos de dez casos houve condenação e prisão
dos assassinos.
10.
O MST considera que a reforma agrária deve vir casada
com apoio à agroindústria, educação e uma nova
tecnologia agrícola que respeite o meio ambiente. Essa
é a forma mais rápida e mais barata do governo criar
empregos e garantir os direitos dos trabalhadores no
campo.
Relator
da ONU
Em
junho de 2004, a visita do relator especial da Comissão
de Direitos Humanos da ONU para moradia digna, Miloon
Kothari, contribuiu para legitimar as mobilizações do
MST. Durante audiência com movimentos sociais em São
Paulo, ele afirmou que as ocupações são legítimas e
condizentes com a luta pelos direitos humanos. Ressaltou
também que dará destaque à repressão e criminalização
dos movimentos sociais no relatório que está
elaborando sobre o direito à habitação, tanto no
campo quanto nas cidades brasileiras.
Essa
declaração foi importante na medida em que setores
conservadores buscaram caracterizar as mobilizações do
MST como atos violentos. Outra reação partiu de Marina
Santos, integrante da Direção Nacional do MST, que
declarou ao jornal O
Globo (17 de maio de 2004):
”Nunca
'invadimos' terras. 'Invadir' conota ação violenta,
roubo, tomar o que não é seu. O uso dessa expressão
contém um preconceito, um juízo de valor em relação
às nossas ações. Não fazemos ocupações ao acaso.
Ocupamos latifúndios que não cumprem sua função
social, o que de acordo com a Constituição significa
ser produtiva, mas também respeitar as leis ambientais
e trabalhistas (arts. 184 a 186). Este foi o caso, por
exemplo, das fazendas de eucaliptos da Veracel, na
Bahia, e da Klabin, em Santa Catarina. Temos por
orientação fundamental o repúdio a ações violentas.
Sabemos que a maior vítima delas é a população
pobre, da qual fazemos parte”.
Perfil
da Violência no Campo
Além
de assassinatos de trabalhadores rurais, a violência no
campo se caracteriza por constantes prisões
arbitrárias, despejos e ameaças às organizações
sociais que lutam pela terra. Uma das principais razões
para a permanência desse quadro é a impunidade. A
seguir, relatamos casos emblemáticos que demonstram
essa situação em algumas regiões do país.
PARÁ
Maio
de 2004 – Pistoleiro Absolvido
Dezenove
anos após o assassinato de Irmã Adelaide e da
tentativa de homicídio contra Arnaldo Ferreira, membro
do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Eldorado, foi
levado a Júri popular o pistoleiro José de Ribamar R.
Lopes. Na época, foram denunciados os fazendeiros José
Batista Veloso, José Eduardo de Abreu Vieira e Aloysio
Ribeiro Vieira como mandantes do crime e José de
Ribamar como executor.
A
intenção do pistoleiro era assassinar o sindicalista
Arnaldo. O disparo acertou Arnaldo pelas costas, a bala
perfurou seu corpo e feriu a Irmã Adelaide, que veio a
falecer em seguida. O sindicalista foi assassinado sete
anos depois.
Apesar
da acusação provar, através de testemunha, que o
acusado saiu do local do crime com uma arma na mão, o júri
decidiu absolver o réu por cinco votos contra dois. Os
advogados de acusação tentaram anular a decisão, pois
descobriram que três juradas utilizaram celulares
durante o julgamento, mas o juiz negou esse pedido.
(Relato
do advogado Adelar Cupsinski, do MST-PA)
Setembro
de 2004
Grupo
armado realiza despejo violento em Abel Figueiredo, no
sudeste do Pará
Um
grupo de 20 pistoleiros, portando armas de grosso
calibre (revólveres 38, escopetas, espingardas 12 e 20,
pistolas 380 e rifles), expulsou cerca de 90 famílias
acampadas na divisa da Fazenda Gaúcha, localizada a 25
km da sede do município de Abel Figueiredo.
O
grupo armado chegou ao acampamento por volta das 8 horas
da manhã, usando roupas camufladas do Exército.
Segundo informações dos trabalhadores, toda a ação
foi coordenada pelo gerente da fazenda, Jerônimo.
Homens, mulheres e crianças foram ameaçados com armas
apontadas para suas cabeças, enquanto seus pertences
eram colocados em caminhões da fazenda. A ação só
terminou às 5 horas da manhã do dia seguinte. Não
havia liminar de reintegração de posse contra os
acampados. Os pistoleiros alegaram estar cumprindo
ordens do fazendeiro Lucas Batisteli, e que estavam
agindo com o apoio das polícias militar e civil.
(Relato
da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do
Estado do Pará – FETAGRI e da Comissão Pastoral da
Terra – CPT – Diocese de Marabá).
Setembro
de 2004
Despejos
em Série
Foram
emitidas 40 liminares de reintegração de posse em
área considerada como “barril de pólvora” da
reforma agrária.
Foram
mobilizadas a Tropa de Choque e a Cavalaria para
realizar os despejos, além do Exército e da Polícia
Federal.
A
operação ocorreu em nove municípios do sul e sudeste
do Pará. São 27 áreas ocupadas com 3.939 famílias.
No total, 12 mil famílias vivem em áreas ocupadas na
região. Dentre as áreas, duas são projetos de
assentamento já homologados pelo Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA). O prejuízo da
desocupação é incalculável. Apenas na produção de
arroz e milho, estima-se a perda de 4.592 lavouras.
Trata-se
da mais abrangente operação para reintegração de
posse na história do Pará. Em 2001, a maior registrada
até hoje, foi agendada a reintegração de 15 áreas.
Naquela operação sete dirigentes dos movimentos
sociais foram assassinados, 121 trabalhadores rurais
detidos e três dirigentes do MST presos.
(Relato
da Comissão Pastoral da Terra e da Federação dos
Trabalhadores na Agricultura do Pará).
SERGIPE
Janeiro
de 2004
Prisão
de Nove Trabalhadores Rurais
Dia
16 de janeiro, foi decretada a prisão de nove
trabalhadores sem terra, entre eles Roberto Araújo, da
Coordenação Nacional do MST e vereador pelo PT em
Poço Redondo.
Em
setembro do ano passado, o MST organizou uma série de
manifestações pacíficas na região pela liberação
imediata de água, alimentação e crédito. Naquele período,
a falta de assistência aos trabalhadores causou a perda
de 100% da safra. Desde então, a polícia vem
aumentando a repressão aos sem terra.
RIO
GRANDE DO NORTE
Junho
de 2004 – Despejo Violento
Dia
8 de junho de 2004, houve um violento despejo no Município
de Poço Branco. Policiais bateram em crianças, jovens
e mulheres, detiveram seus pertences, destruíram
barracos e plantações. A operação foi liderada pelo
Major Fontes e o proprietário da fazenda, Gustavo de
Queirós. Dois trabalhadores foram presos.
(Relato
de Sérgio S. Pereira, Secretaria MST – RN).
PERNAMBUCO
Fevereiro
de 2004
Despejo
e Prisão de Trabalhadores
Policiais
militares e civis, acompanhados de 12 seguranças
armados e sem mandado judicial, despejaram 60 famílias
acampadas na Fazenda Rancharia. Os policiais derrubaram
os barracos e prenderam oito trabalhadores:
·
José
Alexandre da Silva
·
Cícero
Manoel da Silva
·
Heleno
Manoel da Silva
·
Josimar
Ferreira da Silva
·
João de
Deus Rodrigues
·
José
Pereira da Silva
·
Roquimar
Alexandre de Melo
·
Jadiael
José da Silva
Maio
de 2004
Trabalhadores
Sem Terra são presos
Os
trabalhadores rurais Antônio José Lourenço, Cícero
José da Silva e João Manoel da Silva foram presos na
cidade de Bonito. O juiz decretou a prisão devido à
suposta participação deles na ocupação da fazenda
Uberaba.
A
fazenda Uberaba foi reocupada pelos trabalhadores em
março, pois a proprietária não cumpriu um acordo que
permitiria a vistoria do imóvel pelo Incra. Além
disso, ela passou a perseguir os trabalhadores e
contratou pistoleiros para ameaçá-los.
Setembro
de 2004
Filho
de fazendeira arma emboscada para matar sem terra
O
coordenador do MST, João Rufino, foi abordado no dia 20
de setembro, na cidade de Bonito, Mata Sul de
Pernambuco, por quatro homens armados em um carro preto,
que fizeram várias ameaças. Ao perceberem a aproximação
de algumas pessoas, se retiraram do local. Em seguida,
João Rufino retornava para sua casa quando foi avisado
que os mesmos homens estavam lá. Ele comunicou o fato
à direção do MST, que o retirou da região
imediatamente. Ao perceberem a demora do seu retorno, os
pistoleiros abandonaram o local.
Um
dos homens foi identificado como filho de uma fazendeira
do município, que vem agredindo e ameaçando as
famílias acampadas próximas à fazenda Uberaba,
permanentemente vigiada por pistoleiros fortemente
armados. Por várias vezes, os pistoleiros cercaram o
acampamento em busca de dirigentes do MST.
BAHIA
Setembro
de 2004
Criminalização
dos Movimentos de Luta pela Terra no Sertão da Bahia
Monte
Santo, no sertão da Bahia, foi onde Antônio
Conselheiro e seus
seguidores iniciaram a construção de Canudos—símbolo
da luta pela terra no nordeste. Ainda hoje, a terra
continua concentrada nas mãos de uma pequena
oligarquia.
Este
ano, a perseguição se concentrou em algumas
lideranças dos trabalhadores, como Zé Branco,
assentado com 57 anos de idade, e Nelson de Jesus Lopes,
engenheiro agrônomo, diretor da Escola Família
Agrícola do Sertão e candidato a vereador pelo PT.
Eles,
juntamente com outros trabalhadores, são acusados de
participar em duas ocupações de terras. Foram
decretadas prisões provisórias contra eles, sob a
alegação de garantia da ordem pública. Porém, não há
no inquérito dados seguros que apontem para a existência
das ocupações e não há indícios que confirmem que
essas pessoas estavam no local.
Isso
ocorreu quando o INCRA determinou a vistoria das
fazendas de Cláudio Ferreira Pereira e de Clóvis Lopes
Cedraz.
(Relato
de Isac Tolentino, AATR – Associação de Advogados de
Trabalhadores Rurais da Bahia).
SÃO
PAULO
Setembro
de 2004
Despejo
Violento
Dia
9 de setembro, 200 famílias sem terra foram despejadas
pela polícia militar de São Paulo, da Fazenda São
Luiz, município de Cajamar. A ação começou por volta
das 5 horas da manhã, com o acampamento sitiado pela
tropa de choque da PM. As famílias desmontaram os
barracos que puderam e foram expulsas da área, deixando
para trás suas hortas, barracos e todas as melhorias
que haviam feito na área, antes totalmente abandonada.
Após as famílias saírem, um trator destruiu as plantações.
O objetivo desses trabalhadores é conseguir a
desapropriação da fazenda, que possui 955,9 hectares,
sendo que 534 são aptos à agricultura. Hoje, essa
fazenda possui apenas enormes plantações de eucalipto.
Parte dessas terras encontra-se em Área de Proteção
Ambiental (APA) da Serra do Japi. As APAs são áreas
submetidas ao planejamento e à gestão ambiental, com o
objetivo de garantir a preservação da vida silvestre,
a proteção dos recursos naturais e a melhoria da
qualidade de vida da população local. No entanto, a
monocultura de eucalipto não possibilita a preservação
da área.
GOIÁS
Maio
de 2004
Trabalhadores
Presos
Quatro
trabalhadores foram presos, acusados de tentativa de
furto de 100 sacas de arroz. O produto foi colhido na
Fazenda São Paulo, também conhecida como Pau-a-Pique,
que foi ocupada no dia 31 de março. Foram presos
Valterci Ferreira de Lima, de 43 anos; Antônio Dias
Ferreira, 46; Dari Alves de Brito, 43, e Mariana Duque
Carvalho Dias, 26, uma das coordenadoras do MST no
Estado.
(Relato
do advogado Junior Fideles).
Setembro
de 2004
Ruralistas
Organizam Milícias Armadas
Segundo
o Jornal Diário da Manhã (10/09/2004), “A
vigilância armada nas propriedades rurais de Goiás
contra as invasões de terras está sendo planejada pela
Associação Nacional dos Produtores Rurais (Anpru).
Trata-se de um projeto piloto que visa oferecer aos
fazendeiros equipes treinadas em defesa patrimonial. O
município de Campestre de Goiás, a 49 quilômetros de
Goiânia, será o primeiro a receber a estratégia de
segurança (...). O objetivo da Associação Nacional de
Produtores Rurais é oferecer um vigilante armado em
cada propriedade, monitoramento por carros, motos e até
helicóptero. (...) O presidente da associação afirma
apenas que a operação deve abranger aproximadamente
mil fazendeiros da região e o custo estimado é de R$
300 mil. Segundo Narciso da Rocha Clara, a Anpru
representa atualmente 157 mil proprietários rurais em
todo o país e tem como meta expandir este projeto para
outros municípios goianos, como Palmeiras e Jataí, e
também para Estados como Paraná, São Paulo e
Grande do Sul”.
Esses
relatos são exemplos da contínua repressão sofrida
pelos movimentos que reivindicam a reforma agrária,
assim como da perpetuação do poder das oligarquias
rurais e da concentração da terra no Brasil.
--
Colaboraram: Comissão Pastoral da Terra (CPT),
Movimento Sem Terra (MST), Rede Nacional de Advogados e
Advogadas Populares (RENAAP).
*
Maria Luisa Mendonça é jornalista e diretora da Rede
Social de Justiça e Direitos Humanos.
**
Roberto Rainha é advogado da Rede Social de Justiça e
Direitos Humanos e membro do Setor de Direitos Humanos
do MST.
|