O
que está em disputa são dois modelos de desenvolvimento
rural: um centrado no latifúndio, controlado pelos grandes
grupos multinacionais e baseado nas monoculturas dependentes
de insumos químicos e outro centrado nas pequenas e médias
unidades de produção agropecuária, organizado em redes de
cooperativas, agroindústrias locais, empresas nacionais,
empresas públicas estratégicas, e baseado na diversificação
produtiva e em tecnologias orgânicas e agroecológicas.
TRANSGÊNICOS
– A DISPUTA DE FUNDO
*
Frei
Sérgio Antônio Görgen
A
questão dos transgênicos está no centro dos debates nacionais há vários anos. Não
sem motivo. Soja transgênica contrabandeada da Argentina foi
clandestinamente plantada no Rio Grande do Sul. Uma Lei de
Biossegurança é longamente debatida. É importante
não perder de vista o ponto central do debate.
Não
está em debate um posicionamento primário e infantil de
contra ou a favor à liberação dos transgênicos, muito
menos limitar a continuidade das pesquisas sobre os mesmos. O
que se discute é criar
e garantir condições básicas de biossegurança –
salvaguardas de
proteção à saúde humana, ao meio ambiente e a contaminação
dos vizinhos – como condição para a liberação comercial
ou normas de uso quando aptos e liberados para uso comercial.
O lobby das grandes indústrias multinacionais, com o
apoio de alguns ingênuos de plantão (acompanhados de
plantonistas nada ingênuos), é para liberar sem nenhum tipo
de controle.
Para isto defendem:
-
Todos os poderes à CTNBio;
-
Nenhum teste de campo em solo nacional;
-
Anulação da funções legais da ANVISA e do IBAMA;
-
Nenhuma rotulagem;
-
Livre cobrança de royalties sem nenhum controle;
-
Porteiras abertas para as multinacionais
monopolizarem as sementes e insumos agrícolas.
Os Poderes da CTNBio
A CTNBio ( Comissão Técnica Nacional de Biossegurança)
é um colegiado de cientistas que se reúne esporadicamente
para dar pareceres e emitir decisões sobre autorização de
pesquisas e liberações comerciais de organismos
geneticamente modificados, entre eles, os transgênicos. É
uma Comissão Técnica, sem estrutura orgânica e
administrativa para acompanhar testes ou mesmo se suas
determinações estão sendo corretamente executadas. Seus
membros não são remunerados nem profissionalizados para o
cumprimento das tarefas em tempo integral.
Como um Comitê de cientistas e especialistas em várias
áreas do conhecimento afeitos à questão, seu parecer é
muito importante à luz dos conhecimentos até então
acumulados. Mas transferir-lhes poderes absolutos para decisões
definitivas sobre uma tecnologia tão controversa como os
transgênicos, sem a mínima estrutura de acompanhamentos,
avaliação e fiscalização de campo, é uma aventura e uma
temeridade, inclusive para os cientistas que a compõe.
O
Medo dos Testes
Os transgênicos que hoje se quer liberar no Brasil
foram “engenheirados” (produzidos em laboratório com técnicas
de engenharia genética) em países do norte do planeta, a
maioria nos Estados Unidos, em regiões de climas frios e
pouca variabilidade biológica, e utilizando material genético
de bactérias e vírus adaptados a estes ambientes. Nosso
clima é tropical e sub-tropical, nossa biodiversidade é
enorme, a microbiologia de nossos solos é diferente e a
interação entre os microorganismos também é diversa. É
por isto que estes produtos precisam ser testados aqui, com
testes sérios e independentes e avaliados com todo o pacote
tecnológico e tratos culturais a que serão submetidos em
estado real quando cultivados a campo.
Não bastam os relatórios de lá e não bastam as
informações da empresa interessada. São insuficientes as
informações dos cientistas pagos pelas empresas donas da
tecnologia. Estas substâncias precisam ser testadas por quem
tem atribuição legal para tanto e se responsabiliza
judicialmente pelo que escreve nos relatórios oficiais. E
isto cabe, pela legislação brasileira, à ANVISA ( Agência
Nacional de Vigilância Sanitária) no que tange à Saúde; ao
IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) no que tange aos
efeitos no solo, na água e natureza em geral; ao Ministério
da Agricultura no que tange à certificação das sementes e
ao Ministério da Pesca no que tange a reprodução de peixes
transgênicos.
É difícil entender porque tanto medo destes testes em
solo, clima e meio ambiente brasileiro. Será porque os próprios
promotores dos transgênicos já sabem que há sérios
problemas, aliás já alertados por inúmeros cientistas
independentes em várias partes do mundo? Quem não deve, não
teme. E onde há fumaça, há fogo.
Avaliação
de Campo
Pareceres formulados exclusivamente em escritórios ou
em comissões técnicas enclausuradas podem ser enganosos.
Vamos a um exemplo concreto.
A ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica)
aprovou a construção da Barragem de Barra Grande, no Rio
Pelotas, na divisa do Rio Grande do Sul com Santa Catarina, próximo
à cidade de Vacaria. No Estudo Prévio de Impacto Ambiental
– feito por uma empresa privada e sem conferência a campo
por parte do órgão ambiental -
nada foi detectado que impedisse a construção da
barragem. A ANEEL, baseada nos relatórios e sem fazer conferência
dos dados a campo, licitou a construção. Agora, quando a
barragem está quase pronta, técnicos do IBAMA chamados ao
local descobriram 8.000 hectares de florestas nativas de araucária
brasileira, uma espécie em grave risco de extinção. Como
resolver o problema? O realismo diz que, agora, nada mais há
que se fazer. Afinal, a barragem está quase pronta.
Inventa-se um remendo para compensar a devastação da
floresta de pinheiros. Mas se acontecer algo grave com os
transgênicos, que dirá nosso realismo tardio?
O
Fim do Primeiro Encanto
Não há mais grandes entusiasmos com a soja transgênica
no Rio Grande do Sul. Ainda não começou o desencanto, mas não
há mais o encanto inicial. Os custos subiram. Navios voltaram
porque a soja foi rejeitada por importantes compradores. Os
preços caíram. A eficácia do agrotóxico Roundup diminui
ano a ano. Novas pragas surgiram. Os pomares e hortas próximos
da soja envenenada minguam. A soja transgênica sofreu mais
com a estiagem de 2004 do que a soja convencional. A cobrança
de royalties era verdade e não invenção dos inimigos da
tecnologia. A onda de fanatismo que cegou tantos produtores
está dando lugar a uma avaliação mais serena e mais “pé
no chão”.
Os Interesses em Jogo
Algumas multinacionais querem monopolizar de ponta a
ponta as principais cadeias produtivas de alimentos. O
controle destas
multinacionais sobre as sementes e os insumos é estratégico
para alcançar este objetivo.
Soberania Nacional
No polo oposto da dialética, uma nação com enorme
potencial agrícola como o Brasil, tem que pautar seu
desenvolvimento rural nas potencialidades de sua enorme
agrobiodiversidade, em seus sistemas camponeses de produção
e convivência com os agroecosistemas locais e na independência
tecnológica, científica, industrial e comercial nesta área
vital para nossa soberania e nosso desenvolvimento.
O
Pavor do Rótulo
Parte da indústria de alimentos se diz favorável aos
transgênicos, mas foge do rótulo como o diabo da cruz. Mas
se os transgênicos são tão bons e seguros, por que tanto
medo do rótulo? Por que não fazem disto um mote propagandístico:
“coma transgênico, é seguro, saboroso e barato?” A
rotulagem ainda não chegou às prateleiras dos supermercados
brasileiros, mesmo transformada em lei há mais de ano.
Os Direitos Humanos
No campo dos direitos humanos - econômicos, sociais e
culturais - já consagrados internacionalmente, os transgênicos,
do jeito que estão sendo impostos à sociedade brasileira, ferem direitos
fundamentais.
- Direito a um ambiente saudável, puro e livre de
contaminações que provoquem sua degradação;
- Direito do agricultor que decidir não plantar transgênico
e de não ser contaminado em suas lavouras;
- Direito dos camponeses em manter sua cultura e suas
sementes crioulas livres da contaminação de transgênicos;
-
Direito à saúde, bem como o direito de não ser
exposto a riscos desconhecidos por falta de pesquisas e testes
independentes (não esqueçamos que há quarentas anos atrás
afirmava-se categoricamente que fumar fazia bem à saúde);
- Direito à informação;
- Direito
de escolha e direito de opção sobre o que deseja comer (
garantia de rotulagem e de diversidade na produção agrícola).
- Direito
à soberania alimentar da população brasileira.
A Disputa de Fundo
A luta é dura e será longa. A lei de biossegurança
é só mais uma batalha. Não estamos disputando apenas o uso
de um conhecimento e um instrumento tecnológico.
O
que está em disputa são dois modelos de desenvolvimento
rural: um centrado no latifúndio, controlado pelos grandes
grupos multinacionais e baseado nas monoculturas dependentes
de insumos químicos e outro centrado nas pequenas e médias
unidades de produção agropecuária, organizado em redes de
cooperativas, agroindústrias locais, empresas nacionais,
empresas públicas estratégicas, e baseado na diversificação
produtiva e em tecnologias orgânicas e agroecológicas.
Esta
disputa de fundo é que guia as disputas imediatas. As
multinacionais do agronegócio sabem o que querem e onde
querem chegar. Os transgênicos são apenas mais uma
importante frente de batalha para elas e para os que querem um
Brasil soberano, com uma agricultura camponesa forte,
produzindo alimentos saudáveis e variados, em grande
quantidade, para nossa população e para o mundo.
*Frei Sérgio Antônio Görgen é Deputado Estadual pelo PT (RS).
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