A
recusa em realizar pesquisas sobre produtos transgênicos gera
grandes dúvidas sobre sua segurança.
Além disso, qual seria o problema em rotular tais produtos?
Os defensores da liberação não têm coragem de dizer que
defendem o monopólio de dez empresas transnacionais que
controlam todas as sementes transgênicas existentes no mundo. O
que está em jogo é se seremos um país que garante a segurança
alimentar de seu povo.
OS
TRANSGÊNICOS E A SOBERANIA ALIMENTAR
*
João Pedro Stedile
Durante
a campanha eleitoral de 2002, o PT elaborou o documento
"Vida Digna no Campo", programa em que
afirmava os compromissos históricos do partido para o meio
rural. No capítulo sobre transgênicos está consignado
o compromisso do Partido com o principio da "precaução",
pelo qual os organismos modificados geneticamente – transgênicos
-,somente seriam liberados comercialmente se amplas
pesquisas comprovassem que não haveria prejuízo para o meio
ambiente, para a saúde dos consumidores e para os
agricultores. O documento está assinado pelo
coordenador do programa de governo na época e atual Ministro
da Fazenda, Antonio Palloci.
Nesses
quase dois anos de governo, o Presidente Lula já assinou duas
Medidas Provisórias (MPs) liberando o plantio e a
comercialização da soja transgênica no país, sem que
pesquisas idôneas fossem realizadas e pudessem atestar a
inocuidade de tais OGMs. Tampouco a Monsanto, principal
interessada na comercialização, que detém a patente mundial
da soja transgênica Round -up, apresentou qualquer
resultado de pesquisa realizada em solo brasileiro sobre o
impacto ambiental e/ou influências na saúde
humana, apesar de haver uma ação, tramitando na Justiça
Federal há mais de seis anos, para impedir o cultivo da soja
transgênica. Este tempo seria suficiente para
apresentar provas necessárias, se elas existissem, para a
liberação do produto.
O
governo federal se viu obrigado a editar as tais MPs, liberando
o plantio da soja transgênica, em função das alianças
eleitorais e políticas com o PMDB gaúcho. Por conta
desses acertos, optou por liberar o consumo de soja transgênica
no Brasil, a despeito de desconhecer suas conseqüências
imediatas e futuras. Poderia passar o problema adiante e
liberar apenas para exportação. Mas, no meio do
caminho há uma pedra. Ou melhor, a nefasta Lei Kandir que
assegura a isenção de impostos estaduais, como subsídio e
incentivo às exportações. Ora, como quase a totalidade da
soja gaúcha é transgênica, ao ser exportada ficaria isenta
do ICMS e, nesse caso, o governo gaúcho não
arrecadaria nada. Então, entre mudar a lei Kandir, que
beneficia apenas os exportadores, ou levar à bancarrota o
governo do PMDB, o governo preferiu editar a MP e deixar o
povo pagar essa fatura.
A
Monsanto aplaudiu a decisão. E tinha mesmo de comemorar, pois
a Medida Provisória reconheceu a existência da soja transgênica,
até então negada, e com isso deu legitimidade para a
Monsanto cobrar royalties dos agricultores. Na última safra
brasileira, a Monsanto recolheu $80 milhões de reais e
suas ações voltaram a subir no mercado internacional.
Mais
tarde, diante das manifestações contrárias à liberação
dos transgênicos, o governo tentou se redimir, editando
uma lei que estabelecia que todos os produtos comercializados
que contivessem componentes transgênicos deveriam ter um
rótulo. Esse é um direito garantido pelo Código do
Consumidor.
A
rotulagem foi instituída através de um símbolo,
representado por um triângulo amarelo, que deveria constar em
todo o produto que contivesse mais de 1% de organismos
transgênicos. Essa lei está em vigor há mais de um
ano. Segundo o Ministro da Agricultura, foram
comercializadas no país mais de 5 milhões de toneladas de
soja transgênica. Porém, nenhuma indústria acatou a
determinação da lei de rotulagem.
A
polêmica continuou na sociedade. As MPs, como o próprio nome
indica, deveriam ser provisórias. Para dar um
encaminhamento mais adequado à questão, a Casa Civil
elaborou um projeto de Lei de Biossegurança, que foi
debatido com entidades ambientalistas e movimentos sociais do
campo. O projeto buscava preservar a segurança e os direitos
do povo brasileiro. Foi para a Câmara dos Deputados e, lá,
misteriosamente, o próprio líder do governo, deputado Aldo
Rebelo, não só não defendeu o projeto do governo como
o desfigurou, atendendo apelos dos ruralistas e das
transnacionais.
A
ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, reagiu vigorosamente,
mas surtiram mais efeitos as pressões pessoais do Ministro da
Agricultura, Roberto Rodrigues, que é favorável aos transgênicos.
Os senadores Osmar Dias (PDT-Paraná) e Ney
Suassuna (PSDB-Paraíba) jogaram uma pá de cal no espírito
inicial do projeto de lei. Retiraram o princípio de precaução
social, liberaram a soja transgênica imediatamente, deram
total poderes para uma pequena comissão de 15 técnicos e
membros do governo, a chamada CTN-Bio, para liberar os
produtos comercialmente, sem estudos de impacto ambiental ou
de implicações para saúde. Retiraram a exigência do rótulo
e impediram que governos estaduais editassem leis proibindo o
cultivo de transgênicos.
A
recusa em realizar pesquisas sobre produtos transgênicos gera
grandes dúvidas sobre sua segurança. Além disso, qual seria
o problema em rotular tais produtos? Os defensores da liberação
não têm coragem de dizer que defendem o monopólio de dez
empresas transnacionais que controlam todas as sementes transgênicas
existentes no mundo.
O
que está em jogo é se seremos um país que garante a segurança
alimentar de seu povo, assegurando que um setor vital da
economia, a agricultura, permaneça sob controle dos
agricultores brasileiros.
O
que está em jogo é nosso futuro. O que precisa ficar
esclarecido nesse processo é se o povo brasileiro terá
autonomia sobre a produção de seus alimentos, se o governo
preservará a soberania alimentar ou será dependente das
transnacionais. E como nos advertiram tantos pensadores,
" Um povo que não produz e não controla seus próprios
alimentos, não é um povo livre !" Dos nossos
governantes esperamos, no mínimo, que tenham consciência de
suas responsabilidades históricas.
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João Pedro Stedile é membro da Direção Nacional do MST
(Movimento Sem Terra) e integra a Via Campesina.
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