No
cômputo geral das terras indígenas, tem-se hoje a seguinte
situação: terras indígenas registradas como patrimônio da
União: 37,21%;demarcações homologadas: 6,66%; terras com
portarias declaratórias do Ministro da Justiça: 6,06%;
terras identificadas como indígenas pela Funai: 4,60%; terras
“a identificar”: 20,60% e terras “sem providências”:
21,81%. No que tange aos casos de violência contra os povos
indígenas, registre-se que em 2004, até o presente momento,
o Secretariado Nacional do Conselho Indigenista Missionário
teve conhecimento da ocorrência de 16 assassinatos de indígenas.
Povos
Indígenas - a maior das Dívidas
Rosane
Lacerda
I.
Introdução
Em
21 de junho, no lançamento da “Campanha Educativa sobre
Direitos Humanos e Direitos Indígenas”, lançada em Brasília
pelo Instituto
Interamericano de Direitos Humanos (IIDH) juntamente com o
Centro de Proteção Internacional dos Direitos Humanos,
o Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT), D.
Pedro Casaldáliga, causou espanto à platéia
ao afirmar que “a Causa Indígena é uma causa perdida e
simultaneamente uma causa subversiva,” e que todos quanto a
assumimos “navegamos fora de onda, somos economicamente
hereges, quixotes enlouquecidos.”
E
óbvio que o testemunho de vida de D. Pedro não é o de quem
considera perdida a Causa Indígena. Contudo, como profeta que
é, busca despertar consciências mais pelo que choca, e menos
pelo que conforta. Esta a sensação que se tem anualmente ao
se avaliar a situação dos Povos Indígenas no campo dos
Direitos Humanos. Os dados nos dão a sensação de
desconforto, de se estar navegando contra a maré, pois
percebe-se, frente aos interesses do grande capital, do
suposto desenvolvimento econômico e aos pactos políticos,
que os povos indígenas são o que menos conta, mesmo que à
beira do genocídio.
Assim
a Causa Indígena consiste, como disse D. Pedro, na “ maior,
mais inveterada dívida que a Nossa América tem; a mais
radical dívida, interna mesmo, da entranha do nosso ser e de
nossa história.”
II. A política indigenista e a força de velhos fantasmas.
Em
2004 o que mais preocupou em torno da questão indígena veio
justamente das linhas traçadas pelos poderes estatais.
·
O diálogo no Planalto – Como no ano anterior,
o Presidente da República passou os cinco primeiros meses de
2004 se esquivando do contato e do diálogo direto com as
lideranças dos Povos e Organizações indígenas. Relegadas a
um esquema de interlocução meramente burocrática com os
escalões inferiores do governo, e diante das graves
incertezas quanto aos rumos da política indigenista oficial,
as lideranças conseguiram, no mês de abril, após a ocupação
do plenário da Câmara dos Deputados, impor ao Palácio do
Planalto o agendamento de tão desejado contato direto com o
Presidente Lula. Mas a reunião, que ocorreu em 10 de maio, na
prática resultou apenas em “pedidos de paciência” aos índios
por parte do Presidente.
·
O GT de Política Indigenista da Creden –
No dia seguinte à audiência com o Presidente, o
Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)
da Presidência da República, General Armando Félix, assinou
a Portaria n.º 15
– CH/GSI, de 11 de maio de 2004,
designando, no âmbito da Câmara de Relações Exteriores
e Defesa Nacional (Creden), do Conselho de Governo,
a criação de Grupo de Trabalho (GT) destinado a propor
uma nova política indigenista.
Uma
das dez Câmaras do Conselho de Governo, a Creden – criada
pelo Dec. 1.895/96, tem como temas específicos: cooperação
internacional em assuntos de segurança e defesa; integração
fronteiriça; populações indígenas e direitos humanos;
operações de paz; narcotráfico e outros delitos de
configuração internacional; imigração e atividades de
inteligência. Em
1999 acresceu-se ao seu rol de competências “o
permanente acompanhamento e estudo de questões e fatos
relevantes, com potencial de risco à estabilidade
institucional,...”
(Dec. 3.203 de 08.10.99, art. 1.º, parágrafo único).
Essa
outorga à Creden da responsabilidade quanto à formulação
da política indigenista indica predominar, no atual governo,
a antiga concepção dos povos indígenas como fator de risco
para a segurança e a soberania do país.
·
A Convenção 169 da OIT – Após 13 anos de
espera foi promulgada a Convenção n.º 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), que dispõe “sobre
povos indígenas e tribais em países independentes” (Dec. 5051,
de 19.04.2004). Revisando a Convenção 107/57 a Convenção
169 substitui o integracionismo pelo respeito ao pluralismo étnico-cultural
dos Povos Indígenas, e tem como princípio a garantia da
participação destes povos nas decisões referentes às questões
que lhes dizem respeito. A orientação dada pela Convenção
169 encontra-se em perfeita consonância com os
reconhecimentos dos direitos indígenas expressos na Constituição
Federal de 1988. Porém, pouco respeito ao cumprimento da
Convenção observou-se no ano de 2004.
·
Identidade Indígena – Desrespeito emblemático
à Convenção 169 ocorre no tratamento dispensado pela atual
administração da Fundação Nacional do Índio – Funai,
ao conjunto de povos antes considerados extintos e que
hoje cobram o reconhecimento dos seus direitos. Segundo matéria
do Correio Brasiliense, de 1.º.09.04, o indigenista Cláudio
Romero, “presidente da Funai no início dos anos 90”,
teria dito que “Não é possível que comunidades pobres
do Nordeste pintem a cara e simulem rituais só para serem
considerados índios''. Diz ainda a matéria que tal posição
teria o respaldo do atual presidente da Funai, Mércio Pereira
Gomes, para quem haveriam “organizações que estimulam
comunidades de algumas áreas
a reivindicar a posse de terras sob alegação de que são índios”.
Esta visão, preconceituosa, viola a Convenção 169 (art. 1.º,
2) que dispõe: “a consciência de sua identidade indígena
ou tribal deverá ser tida como critério fundamental para
determinar os grupos aos quais se aplicam as disposições
desta Convenção.”
Exemplo
desta situação é o caso da Comunidade Krahô-Kanela,
no Tocantins. Não se enquadrando a determinado “modelo de
índio”, se vê muitas vezes privada do acesso a direitos
garantidos à população indígena do país, ao mesmo tempo
em que, por se considerar indígena e assim ser reconhecida
pela população regional, é tida como indesejável e freqüentemente
objeto de atos de perseguição e expulsão.
III.
Demarcação
Em 2004, até o presente momento, o Presidente da República
assinou 09 Decretos de Homologação de Demarcação de Terras
Indígenas, quase todas situadas no Amazonas:
|
TERRA
INDÍGENA
|
POVO
|
UF
|
HÁ
|
DECRETO
|
01
|
Munduruku
|
Munduruku
|
PA
|
2.381.795
|
Dec.
S/n de 25.02.04
|
02
|
Coatá
Laranjal
|
Munduruku
e Sateré Mawé
|
AM
|
1.153.210
|
Dec.
S/n de 19.04.04
|
03
|
Fortaleza
do Patauá
|
Apurinã
|
AM
|
743
|
Dec.
S/n de 19.04.04
|
04
|
Igarapé
Grande
|
Cambeba
|
AM
|
767
|
Dec.
S/n de 19.04.04
|
05
|
Juma
|
Juma
|
AM
|
38.351
|
Dec.
s/n de 19.04.04
|
06
|
Tupã
Supé
|
Tikuna
|
AM
|
8.589
|
Dec.
s/n de 19.04.04
|
07
|
Igarapé
Preto
|
Tenharim
|
AM
|
87.413
|
Dec.
s/n de 19.04.04
|
08
|
Porto
Praia
|
Tikuna
|
AM
|
4.769
|
Dec.
s/n de 19.04.04
|
09
|
Caieiras
Velhas II
|
Tupiniquim
|
ES
|
57
|
Dec.
s/n de 19.04.04
|
No
mesmo período foram também assinadas, pelo Ministro da
Justiça, as seguintes Portarias Declaratórias de ocupação
tradicional indígena:
|
TERRA
INDÍGENA
|
POVO
|
UF
|
HA
|
PORTARIA
|
01
|
Barreirinha
|
Amanayé
|
PA
|
2.400
|
Port.
MJ nº
808 de 09.03.04
|
02
|
Maraitá
|
Ticuna
|
AM
|
54.000
|
Port.
MJ nº
892 de 25.03.04
|
03
|
Itixi Metade
|
Apurinã
|
AM
|
180.850
|
Port.
MJ nº 2.578 de 21.09.04
|
04
|
Apurinã do Igarapé Mucuim
|
Apurinã
|
AM
|
73.000
|
Port.
MJ nº 2.582 de 21.09.04
|
05
|
Banawá
|
Banawá
|
AM
|
195.700
|
Port.
MJ nº 2.583 de 21.09.04
|
06
|
Apyterewa
|
Parakanã
|
PA
|
773.000
|
Port.
MJ nº 2.581 de 21.09.04
|
07
|
Entre Serras
|
Pankararu
|
PE
|
7.750
|
Port.
MJ nº 2.579 de 21.09.04
|
08
|
Imbiriba
|
Pataxó
|
BA
|
397
|
Port.
MJ nº 2.580 de 21.09.04
|
Grande
parte dessas terras não se caracteriza por conflitos e
invasões. Além disso, pela sua localização (AM e PA), as
demarcações são tradicionalmente cobertas com recursos da
cooperação internacional, e não do orçamento da União.
Os destaques são as terras Apyterewa, Entre Serras e
Imbiriba. Esta última, próxima ao Monte Pascoal,
encontra-se parcialmente ocupada pelo fazendeiro Moacir
Andrade. Entre Serras resulta de uma luta de mais de 12 anos
da Comunidade Indígena, desde que foi excluída da demarcação
da T.I. Pankararu. Quanto a Apyterewa, já teve anuladas
duas portarias declaratórias anteriores, a primeira numa
extensão de 980.000 hectares, e a segunda, também de
773.000 hectares. Entre os opositores da demarcação
encontram-se o antigo governador Almir Gabriel e a
prefeitura de São Félix do Xingu. A T.I. é alvo de
madeireiras e posseiros e possui um assentamento do
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra).
Ainda
em 2004 foram também objeto de conclusão e aprovação dos
trabalhos de identificação, realizados pela Funai, as
seguintes terras indígenas:
|
TERRA
INDÍGENA
|
POVO
|
UF
|
HÁ
|
ATO
|
01
|
Yvy
Katu
|
Guarani
Ñandeva
|
MS
|
9.454
|
Despacho
nº 21 de 27.02.04
|
02
|
Potiguara
de Monte-Mor
|
Potiguara
|
PB
|
7.487
|
Despacho
nº 49 de 19.05.04
|
03
|
Tenharim
Marmelos (gleba B)
|
Tenharim
|
AM
|
473.961
|
Despacho
nº 72 de 11.08.04
|
04
|
Guyraroká
|
Guarani
Kaiowá
|
MS
|
11.401
|
Despacho
nº 76 de 12.08.04
|
05
|
Taunay-Ypegue
|
Terena
|
MS
|
33.900
|
Despacho
nº 77 de 12.08.04
|
06
|
Boa
Vista
|
Kaingang
|
PR
|
7.286
|
Despacho
nº 78 de 12.08.04
|
07
|
Lagoa
Encantada
|
Jenipapo
Kanindé
|
CE
|
1.731
|
Despacho
nº 82 de 17.08.04
|
08
|
Arroio
Korá
|
Guarani
Kaiowá
|
MS
|
7.205
|
Despacho
nº 83 de 17.08.04
|
Para
a sua demarcação, porém, ainda deverão ser superados inúmeros
obstáculos, alguns previstos pelo Decreto n.º 1.775/96,
como por exemplo a contestação administrativa por
terceiros interessados em tais terras, outros, advindos de
possíveis ações judiciais contra a sua concretização,
e, outros, consistentes em pressões políticas de toda
ordem sobre a Funai, o Ministro da Justiça e o Palácio do
Planalto.
No
cômputo geral das terras indígenas, tem-se hoje a seguinte
situação: terras indígenas registradas como patrimônio
da União: 37,21%;demarcações homologadas: 6,66%; terras
com portarias declaratórias do Ministro da Justiça: 6,06%;
terras identificadas como indígenas pela Funai: 4,60%;
terras “a identificar”: 20,60% e terras “sem providências”:
21,81%.
·
T.I. Raposa/Serra do Sol (RR) -
Pronta para receber homologação desde 1998, a
demarcação da T.I. contou, nos primeiros meses de 2004,
com enormes pressões em sentido contrário: interesses políticos
e econômicos regionais, e militares que vêem na presença
indígena em faixa de fronteira como potencial de risco à
soberania nacional. Pressionado, o Governo manteve-se
inerte. Com a decisão da Desembargadora Federal Selene
Almeida, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1.ª Região,
na Ação Popular (n.º 9994200000014-7/RR)
movida na Justiça Federal (JF) em Roraima por fazendeiros e
políticos contra a demarcação da T.I., a inércia foi
substituída por um impedimento judicial provisório à
Homologação por parte do Presidente da República. O
embate judicial deslocou as atenções do Executivo para o Judiciário. Em fins de
setembro o Procurador-Geral da República propôs, perante o
Supremo Tribunal Federal (STF), Reclamação (RCL 2833)
contra o Juiz Federal em Roraima e o TRF-1, por usurpação
da competência do STF, já que na Ação Popular discute-se
conflito de interesses entre a União e Estado membro (RR).
Em 29 de setembro o Ministro Carlos de Brito concedeu a
liminar requerida pelo P-GR, determinando a suspensão, até
o julgamento do mérito da RCL, do curso da Ação Popular e
dos recursos de Agravo de Instrumento junto ao TRF-1.
·
T.I. Cachoeira Seca (PA) – Com
17 anos de contato o povo Ugorogmo (Arara) é um dos últimos
nômades do País. A T.I., localizada nos Municípios de
Uruará, Altamira e Rurópolis,
teve Portaria Declaratória do Ministro da Justiça
em 1993. Até hoje, porém, não foi demarcada. Em 1996 foi
alvo de cinco Mandados de Segurança perante o STJ,
impetrados contra o Despacho do Ministro da Justiça que
havia julgado improcedentes as contestações
administrativas opostas pelos ocupantes não-indígenas. Em
1997 duas das ações foram julgadas procedentes pelo
Tribunal, que determinou o retorno da demarcação à fase
de publicações, a fim de possibilitar novas contestações
por parte dos interessados. Seis anos depois,
inexplicavelmente, a providência exigida pelo STJ não foi
adotada pela Funai. Enquanto isso, madeireiras invadiram a
T.I., devastando a floresta e aproximando-se perigosamente
da aldeia. Os Ugorogmo correm risco de extinção caso não
sejam imediatamente protegidos seu território e recursos
naturais. A T.I. Cachoeira Seca fica na “Terra do Meio”,
que durante o ano se destacou por denúncias de trabalho
escravo e exploração madeireira predatória.
·
T.I. Cantagalo (RS) – Descobriu-se
que sua demarcação vinha sendo realizada numa superfície
35% inferior ao determinado pela Portaria Declaratória n.º
1.958/2003 (286 ha), do Ministro da Justiça, e que o novo
traçado representava “ajustes” determinados pela Funai
em Brasília – DF, excluindo da T.I. 50 ha (e uma sede de
fazenda). Denunciado o fato, a Funai recuou, tendo seu
presidente substituto assinado e publicado memorando
(n.º 546, de 17.09), determinando a demarcação conforme
os limites declarados na Portaria do Ministro.
·
Comissão Especial em Santa Catarina – Outra
medida preocupante em 2004 foi a criação, pelo Ministro da
Justiça (Port. n.º 2.711/04 de 24.09), de Comissão
Especial “para proceder a estudos e ofertar sugestões à
solução das questões indígenas no Estado de Santa
Catarina.” Composta por 04 representantes do Governo
Federal, 05 do Governo Estadual e 01 da Federação
de Agricultura do Estado (FAESC), a Comissão conta com a
presença de um único indígena, porém na qualidade de
presidente do Conselho Estadual dos Povos Indígenas, órgão
do Governo do Estado. A composição majoritária, como se vê,
pertence ao Governo de SC e à FAESC que, em diversas
oportunidades, têm pressionado o Governo Federal em oposição
às reivindicações territoriais dos povos indígenas na
região.
IV.
Casos de violência.
·
Raposa/Serra do Sol (RR) – Em 06 de janeiro,
numa movimentação orquestrada e financiada por fazendeiros
e políticos de Roraima, iniciou-se uma onda de violências
com o claro objetivo de intimidar a população indígena e
pressionar o Governo contra a homologação da T.I.
As agressões começaram pela madrugada, com a invasão
da Missão Surumu, a destruição de um posto de saúde e de
uma escola, e o seqüestro de três missionários que apóiam
a demarcação da T.I. – os Padres Ronildo Pinto França
(brasileiro) e Cézar Avellaneda (espanhol) e o Irmão
colombiano Juan Carlos Martinez. À tarde foram invadidas as
sedes da Funai e do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra). Simultaneamente dezenas de
tratores, carretas e caminhões, pertencentes aos
fazendeiros bloquearam
as principais vias de acesso ao Estado e à capital, Boa
Vista. Ao mesmo tempo os agressores convocavam manifestações
em frente à Catedral do Cristo Redentor, e promoviam pichações
de “Fora Igreja!” e “Fora Índios!”. No dia
seguinte, um pequeno
grupo de índios contrários à homologação tentou
invadir a Catedral, sendo impedidos Polícia Militar. À
tarde, comércio e postos de gasolina fecharam as portas,
enquanto a imprensa local divulgava que qualquer missionário
identificado nas ruas seria preso ou agredido. A Diocese, a
Missão Consolata, o Cimi e o Conselho Indígena de Roraima
(CIR), pediam calma à população indígena, que já
manifestava a intenção de libertar os missionários por
conta própria. Só no final da tarde do dia 08 os
missionários foram libertados, não numa operação
policial, mas através de representantes do governo do
Estado. Até hoje as agressões não foram devidamente
apuradas.
·
Marãewatsedé (MT) – Contactada em 1957 a
Comunidade Xavante desta T.I. foi removida à força em
1966, em aviões da Força Aérea Brasileira – FAB. Uma
semana depois um surto de sarampo resultou na morte de 150
dos 320 índios. Sem nunca terem abandonado a T.I., os
Xavante
conseguiram obter da Funai que a terra fosse demarcada
(1993) e homologada (1998). Em 1995 o Ministério Público
Federal – MPF ajuizou na JF em Mato Grosso, Ação Civil Pública
(950000679-0/MT)
defendendo o seu retorno. Em favor dos índios o Juiz da 5.ª
Vara concedeu a liminar, mas determinando
também a permanência dos não-índios. Em 2001 a
liminar foi derrubada pela 5.ª Turma do TRF 1.ª Região.
Os Xavante passaram então a acampar a 1 Km da T.I., às
margens da BR-158.
Em
2004, as péssimas condições de vida no local resultaram
na morte de 03 crianças. Outras 14 foram internadas. Por
defender os Xavante, aumentaram em 2004 as ameaças de morte
contra D. Pedro Casaldáliga. Em 10 de agosto a 2.ª Turma do STF deu provimento ao Recurso Extraordinário
(n.° 416144) do MPF em favor da manutenção da liminar
derrubada pelo TRF.
A decisão possibilitou o retorno dos Xavante, mas
sem a remoção dos não-índios. Os índios retornaram,
encontrando “cenário de terra arrasada”, conforme
atestou o Relator Nacional para o Direito Humano ao Meio
Ambiente, Jean Felipe Leroy, em visita ao local em fins de
agosto. Falta a piaçava para a construção das casas
tradicionais, e a degradação do solo impossibilita o
plantio de alimentos básicos. Durante a visita do Relator
da ONU, fazendeiros e políticos da região ergueram
barricada fechando a BR-158, exigindo a saída dos índios e
impedindo a passagem da comitiva. Em 03 de outubro, numa das
fazendas localizadas na T.I., dois jovens Xavante –
Felisberto, 18 e Guilherme, 16 – foram feridos à bala por
motociclistas desconhecidos. No dia seguinte, 80 guerreiros
depredaram e incendiaram as instalações da
fazenda. O risco de conflito já havia sido alertado
por D. Pedro Casaldáliga, já que o judiciário manteve os
não-índios no local.
·
Cinta Larga (RO) – No início de abril
chocou o país o massacre de garimpeiros que atuavam
ilegalmente na T.I. Roosevelt, do Povo Cinta Larga.
A tragédia vitimou aos garimpeiros tanto quanto
poderia ter vitimado aos índios. Povo guerreiro, os Cinta
Larga foram contactados na década de 1950 e desde então
sistematicamente caçados, como no chamado “massacre do
paralelo 11”, em 1963. Na década de 1980, foram
estimulados pela Funai a se “auto-sustentarem” através
da comercialização ilegal de madeira de lei extraída de
suas terras. No final da década de 1990 o anúncio da existência,
no local, da “maior mina de diamantes do mundo” trouxe
os garimpeiros e a região virou um barril de pólvora. Em
2004 o massacre dos garimpeiros trouxe à tona todo o
sentimento antiindígena da população local.
Em
Espigão d’Oeste, em 10 de abril, por volta do meio-dia,
Marcelo Cinta Larga, professor da Comunidade indígena, foi
cercado por uma multidão. Seu linchamento foi impedido pela
polícia, mas foi amarrado a uma árvore, em plena praça pública,
onde permaneceu até as 19:00 hs, quando transferido para um
Ginásio de Esportes, sob os gritos da multidão de “mate
o índio”, “mostra pra ele o seu lugar”. Marcelo ainda
foi mantido encarcerado pela multidão até a meia noite,
quando foi retirado do local pelo MPF e pela Polícia
Federal. Segundo nota da Coordenação
da União das Nações e Povos Indígenas de Rondônia,
Noroeste do Mato Grosso e Sul do Amazonas (Cumpir),
divulgada em 14 de abril, também em Espigão atearam fogo
à casa de Carlos Cinta Larga, enquanto que em Cacoal,
Pimenta Bueno e Ji Paraná, indígenas dos povos Suruí, Zoró
e Apurinã, pelo fato de serem indígenas, foram ameaçados
morte por garimpeiros.
·
Deni (AM) – Após várias epidemias
que nos anos 90 reduziram sua população, os Deni,
localizados em Itamarati, sul do Amazonas, voltaram em 2004
a sofrer novas baixas. De janeiro a agosto foram registrados
12 óbitos, de indígenas de todas as idades, com quadros de
diarréia, vômito e febre. Em agosto a União das Nações
Indígenas de Tefé (UNI-Tefé), o Regional Norte I do Cimi,
o Posto Indígena da Funai de Tefé e o Distrito Sanitário
Especial Indígena do Médio Solimões (DSEI-MS) denunciaram
a situação ao MPF. A principal causa do problema
estaria nos freqüentes
atrasos no repasse da verba da Funasa ao DSEI, o que
teria levado ao atraso no pagamento dos salários dos
funcionários e a conseqüente ausência da equipe de saúde
junto às aldeias, impedindo também a aquisição de remédios,
alimentação e
combustível para transporte. Com isso, o atendimento médico
nas aldeias estaria sendo feito por meio de telefonia. As
lideranças indígenas apontam também a inexperiência dos
funcionários da Funasa com a realidade indígena.
Assassinatos.
Ainda no que tange aos casos de violência contra os povos
indígenas, registre-se que em 2004, até o presente
momento, o Secretariado Nacional do Conselho Indigenista
Missionário teve conhecimento da ocorrência de 16
assassinatos de indígenas. Embora se trate de número menor
que o registrado na mesma época do ano anterior
(2003), tais dados precisam ser vistos com cautela, sendo
ainda extremamente parciais, dadas as dificuldades e lentidão
com que chegam ao conhecimento do mundo exterior.
Assassinatos de indígenas em 2004 – dados
parciais
Data
|
Vítima
|
Povo
|
Local
|
Motivação
|
14/01
|
Conrado
Lima, 43
|
Makuxi
|
Pacaraima/RR
|
Briga
com outro índio. Estavam embriagados
|
21/02
|
João
Batista
|
Rikbaktsa
|
Juína/MT
|
Briga
com outro índio. Estavam embriagados
|
23/02
|
Valdez
Marinho Lima, 39
|
Xerente
|
Região
de Paapiu/RR
|
Garimpo
ilegal na terra indígena Yanomami
|
03/03
|
Olivino
Penky Pereira, 40
|
Kaingang
|
Londrina/PR
|
Desconhecida
|
29/04
|
Sebastião
Bento, 27
|
Kaingang
|
Guarita/RS
|
Briga
com os suspeitos, indígenas
|
Maio
|
Moisés,
19
|
Cinta
Larga
|
Espigão
D´Oeste/RO
|
Roubo
de diamantes. Suspeita de vingança
|
1º/06
|
Daniel
Rikbaktsa
|
Rikbaktsa
|
Cidade
Morena/MT
|
Roubo
de diamantes
|
02/07
|
Neves
Kenes Farias, 39
|
Kaingang
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Nonoai/RS
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Desconhecida.
Suspeita-se de crime por preconceito e/ou problemas
com a terra
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14/07
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Silvano
Cavalheiro,
42
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Guarani-Kaiowá
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Aldeia
Maimbé, Amambaí/MS
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Suspeita
de briga ou atropelamento.
Morreu no hospital c/ traumatismo craniano.
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16/07
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2
adolescentes,
15
e 16 anos
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Guarani-Kaiowá
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Aldeia
Bororo/MS
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Suspeita
de crime passional. Estavam todos embriagados
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07/08
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Elicio
Ramirez, 71
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Guarani-Kaiowá
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Aldeia
Taquapery / Coronel Sapucaia/MS
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Violentado
e assassinado por 2 irmãos que costumam cometer
violência sexual na aldeia
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10/08
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Jorge
Antônio
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Terena
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Fazenda
Sta. Vitória Miranda/MS
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Suspeita
de assassinato. Índios vinham sendo ameaçados pelo
fazendeiro localizado na T.I.
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05/09
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Bebê
de 4 meses
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Bororo
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Dourados/MS
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Casa
onde dormia incendiada por desconhecidos.
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13/09
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Cisino
Pereira Arcanjo, 35
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Kokama
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Manaus/AM
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Assassinado
a chutes e socos. Suspeitas de envolvimento com
drogas
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16/09
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Assunção
Raulio,52
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Bororo
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Aldeia
Bororo Dourados/MS
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Decapitado.
Comunidade suspeita de vingança.
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(Fonte:
Cimi – Secretariado/Setor de Documentação)
Advogada,
assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário
– Cimi, organismo anexo à Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil – CNBB.
Pedro Casaldáliga, Brasília – DF, 04 de maio de 2004.
Texto publicado na íntegra in www.cimi.org.br
Órgão de assessoramento do Presidente da República
“na formulação de diretrizes de ação
governamental” (Lei n.º 10.683, de 28 de maio de 2003,
art. 7.º).
Vide “Terra Marãiwatsedé
– A volta do Povo Guerreiro”. Por Cristiano Navarro, Cimi
– Porantim, setembro de 2004, pág. 8.
Em outubro de 2003
havíamos levantado a ocorrência de 23 assassinatos de indígenas.
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