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Relatórios


Os movimentos de trabalhadores sem-teto vêm freqüentemente se vendo comprimidos pela ação simultânea do Estado que os reprime visando a reduzir sua condição mobilizadora, organizativa e operacional, e dos agentes do narcotráfico, visando a instalar-se nas áreas ocupadas. O processo de criminalização dos movimentos sociais tem encontrado cada vez mais uma face urbana, correlata da participação cada vez mais intensa de integrantes do Ministério Público em atividades políticas, tendência que, no Estado de São Paulo, data do tempo do governador Quércia, fortalecida nos governos Luiz Antônio Fleury (ele próprio um ex-procurador) e Mário Covas, e perseguida ainda nestes tempos do governador Alckmin.

Aumenta repressão do Estado contra movimentos sociais urbanos

*Aton Fon Filho


 Na surdina, evitando as luzes e a estridência da publicidade, a repressão aos movimentos de luta por moradia vem se tornando cada vez mais acirrada.

 O elevado déficit habitacional brasileiro, da ordem de 6,5 milhões de moradias, tem desde há muito resultado em fortes pressões com vista ao estabelecimento de políticas habitacionais que permitem redução dessa demanda, tendo parcelas do movimento há algum tempo incorporado práticas originárias do movimento dos trabalhadores rurais sem-terra, em especial a ocupação de terrenos e prédios inaproveitados ou destinados a fins de especulação imobiliária.

 No Estado de São Paulo, que responde pelo déficit de 3 milhões de habitações, segundo a CDHU, e cuja capital enfrenta uma carência da ordem de 1.077.000 moradias, esse movimento adquiriu de há muito uma pujança que não encontrou ressonância na mídia.

 Incapaz de oferecer alternativas de solução do problema – a CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), de São Paulo, aponta que o Estado não tem dinheiro para financiar mais residências para as pessoas de baixa renda – a questão social encontrou mais uma vez a vertente da repressão.

 De outra parte, as ocupações de prédios e terrenos na área central da cidade, se encontram justificativa no investimento social realizado para dotá-los de infra-estrutura e na finalidade especulativa que lhes é dada, tem sido alvo também da ação de segmentos marginais, destacadamente ligados ao narcotráfico.

 De tal forma, os movimentos de trabalhadores sem-teto vêm freqüentemente se vendo comprimidos pela ação simultânea do Estado que os reprime visando a reduzir sua condição mobilizadora, organizativa e operacional, e dos agentes do narcotráfico, visando a instalar-se nas áreas ocupadas.

 O processo de criminalização dos movimentos sociais não se limita, portanto, a sua expressão rural, no combate ao MST. Tem, ao contrário, encontrado cada vez mais uma face urbana, correlata da participação cada vez mais intensa de integrantes do Ministério Público em atividades políticas, tendência que, no Estado de São Paulo, data do tempo do governador Quércia, fortalecida nos governos Luiz Antônio Fleury (ele próprio um ex-procurador) e Mário Covas, e perseguida ainda nestes tempos do governador Alckmin.

 Nada a estranhar, portanto, que as bombas de gás e os cassetetes e escudos da Polícia Militar tenham substituído as negociações para o estabelecimento de políticas públicas adequadas à dimensão da demanda por habitação, como ainda nestes dias de novembro pudemos ver. Constituindo, por outro lado, uma vez mais a demonstração possível de que as violações aos direitos humanos econômicos, sociais e culturais estão umbilicalmente vinculadas às ofensas aos direitos civis e políticos.

 A criminalização do movimento de moradia, porém, alcançou os mesmos píncaros daquela exercida contra as lideranças do MST quando, no decorrer do ano de 2004, Luiz Gonzaga da Silva, Gegê, um destacado dirigente do movimento de moradia, por isso mesmo nomeado pelo governo federal para compor o Conselho das Cidades, foi alvejado com prisão preventiva, após instauração de processo por crime de homicídio de que supostamente seria autor, ocorrido no ano de 2002.

 Apesar do fato de haver testemunhas de que o dirigente popular não se encontrava no local do crime, o fato alcança relevância, dado vir o Ministério Público se esmerando na produção de argumentos de natureza política, e utilizando testemunhos de dissidentes do movimento de moradia, diversos dos quais com antecedentes de natureza policial-criminal.

 A semelhança com o processo de que foi réu José Rainha Júniur, liderança do movimento dos sem-terra, no Estado do Espírito Santo, aponta para a propagação dos métodos repressivos anteriormente empregados alhures contra o movimento social. E o respaldo às denúncias formuladas por foragidos da justiça infiltrados no movimento de moradia não permite afastar de todo o temor que deixou na sociedade paulista a chamada “Operação Castelinho”, em que o Estado se valeu de criminosos para uma ação repressiva.

* Aton Fon Filho é advogado, diretor da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos e diretor do Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo