Violência
Institucional é aquela praticada nas instituições
prestadoras de serviços públicos como hospitais, postos de
saúde, escolas, delegacias, judiciário. É perpetrada por
agentes que deveriam proteger as mulheres vítimas de violência
garantindo-lhes uma atenção humanizada, preventiva e também
reparadora de danos.
Violência
Institucional: casos de violação de Direitos Humanos na área
da saúde materna e neonatal no Estado do Rio de Janeiro.
* Laura
Mury
Este
artigo pretende enfocar a experiência vivida por algumas mães
de Nova Friburgo e de Cabo Frio, municípios do Estado do Rio
de Janeiro, com a violência institucional decorrente de atos
que perpassam a tortura física e emocional de mães e bebês.
Aborda o descaso nos atendimentos da rede de saúde e nas
instituições públicas, onde se desrespeitam os Direitos
Humanos constituídos.
O
Ser Mulher – Centro de Estudos e Ação da Mulher Urbana e
Rural, Organização Não Governamental, feminista, através
dos seus Programas (Saúde, Novas Tecnologias Reprodutivas e
Bioética e, Programa Crisálida / Formação de Lideranças
Femininas Comunitárias) e, especificamente do Programa
Cidadania, Direitos e Violência
contra a Mulher vem implantando e desenvolvendo ações para a
construção de uma sociedade mais justa na perspectiva de gênero.
O
Ser Mulher tomou conhecimento, através da mídia de Nova
Friburgo, das denúncias de três mães do município em relação
à violação dos seus Direitos Humanos relacionados a questões
de violência institucional.
As
mães foram convidadas a participar do “Primeiro Fórum
Popular Regional da Ecologia do Parto e Nascimento”,
ocorrido em final do mês de maio de 2004 na cidade do Rio de
Janeiro, organizado pela REHUNA, ABENFO entre outras
entidades.
Nesse
Fórum, as mães de Nova Friburgo relataram suas experiências
e tiveram possibilidade de articulação com a Associação de
Mães de Cabo Frio. A partir daí foi solicitado um apoio
formal ao Ser Mulher que, imediatamente, iniciou um processo
de articulação mais amplo entre setores envolvidos dos dois
municípios e do Estado. Organizou uma reunião conjunta com a
participação da Associação das Mães de Cabo Frio, Grupo
de Mães de Friburgo, da Advocacia Cidadã pelos Direitos
Humanos / ADVOCACI; Movimento Contra a Violência
Institucional no Parto; Promotoras Legais Populares de Nova
Friburgo; Comissão de Lideranças Femininas Comunitárias além
das coordenações do programas do Ser Mulher e estagiárias
das universidades locais. Após a reunião elaborou-se um
Dossiê que foi entregue às diversas instituições públicas
e privadas ligadas aos Direitos Humanos, Justiça e Saúde.
Atualmente,
as mães também contam com o apoio da Rede Nacional Feminista
de Saúde e Direitos Reprodutivos, do Centro de Defesa de
Direitos Humanos de Petrópolis e da Rede Social de Justiça e
Direitos Humanos que viabilizou a publicação desse artigo.
Universo
conceitual
O
debate sobre a Violência Institucional nos seus aspectos teóricos
e práticos está diretamente relacionado aos Direitos Humanos
e ainda é muito pouco difundido nos diversos segmentos da
sociedade, tanto dos usuários e usuárias quanto dos e das
profissionais das distintas áreas dos serviços, sejam eles públicos
ou privados. O Ministério da Saúde define Violência
Institucional como “aquela exercida nos/pelos próprios
serviços públicos, por ação ou omissão. Pode incluir
desde a dimensão mais ampla da falta de acesso à saúde, até
a má qualidade dos serviços. Abrange abusos cometidos em
virtude das relações de poder desiguais entre usuários e
profissionais dentro das instituições, até por uma noção
mais restrita de dano físico intencional. Esta violência
pode ser identificada de várias formas”:
Peregrinação
por diversos serviços até receber atendimento; falta de
escuta e tempo para a clientela; frieza, rispidez, falta de
atenção, negligência; maus-tratos dos profissionais para
com os usuários, motivados por discriminação, abrangendo as
questões de raça, idade, opção sexual, gênero deficiência
física, doença mental; violação dos direitos reprodutivos
(discriminação das mulheres em processo de abortamento,
aceleração do parto para liberar leitos, preconceitos acerca
dos papéis sexuais e em relação às mulheres soro positivas
(HIV), quando estão grávidas ou desejam engravidar);
desqualificação do saber prático, da experiência de vida,
diante do saber científico; violência física; detrimento
das necessidades e direitos da clientela; proibição de
acompanhantes ou visitas com horários rígidos ou restritos;
críticas ou agressões a quem grita ou expressa dor e
desespero, ao invés de se promover uma aproximação e escuta
atenciosa visando acalmar a pessoa, fornecendo informações e
buscando condições que lhe tragam maior segurança do
atendimento ou durante a internação; diagnósticos
imprecisos, acompanhados de prescrição de medicamentos
inapropriados ou ineficazes, desprezando ou mascarando os
efeitos da violência. [i]
Violência
Institucional é aquela praticada nas instituições
prestadoras de serviços públicos como hospitais, postos de
saúde, escolas, delegacias, judiciário. É perpetrada por
agentes que deveriam proteger as mulheres vítimas de violência
garantindo-lhes uma atenção humanizada, preventiva e também
reparadora de danos. [ii]
E
considera-se que é direito dos/as usuárias dos serviços de
saúde: a) hipóteses diagnósticas; b) diagnósticos
realizados; c) exames solicitados; d) ações terapêuticas;
e) riscos, benefícios e inconveniências das medidas diagnósticas
e terapêuticas propostas; f) duração prevista do tratamento
proposto; g) no caso de procedimentos diagnósticos e terapêuticos
invasivos, a necessidade ou não da anestesia, o tipo de
anestesia a ser aplicada, o instrumental a ser utilizado, as
partes do corpo afetadas, os efeitos colaterais, os riscos e
conseqüências indesejáveis e a duração esperada do
procedimento; h) exames e condutas a que será submetido; i) a
finalidade dos materiais coletados para exame; j) alternativas
de diagnósticos e terapêuticas existentes no serviço de
atendimento ou em outros serviços; e l) o que mais se julgue
necessário[iii].
O
conteúdo deste artigo circunscreve-se, pois, no universo
conceitual mas geral da chamada Violência Institucional e no
campo mais restrito da violência de gênero ou violência
contra a mulher que é perpetrada no marco das instituições
e serviços públicos ou privados.
Violação
de Direitos Humanos: os casos de Cabo Frio (RJ) e Nova
Friburgo (RJ)
A
partir desse entendimento se apresentam os casos ocorridos em
Cabo Frio e Nova Friburgo, no Estado do Rio de Janeiro
Caso
CLIPEL / Cabo Frio / RJ – A CLIPEL é uma clínica
terceirizada que funcionava dentro do Hospital Santa Izabel,
entidade filantrópica. A CLIPEL recebia as internações pelo
SUS, planos de saúde e particulares. Atualmente funciona em
prédio próprio, mas os médicos são os mesmos e, até há
poucos meses, era conveniada pela UNIMED.
Durante
10 meses, período que foi investigada pelas famílias vítimas,
dezenas de bebês foram internados na UTI neonatal da CLIPEL
sendo que 82 bebês morreram, em sua maioria por bactérias de
alta virulência.
Os
bebês prematuros não possuem o sistema imunológico
totalmente desenvolvido, são presas fáceis para bactérias
chamadas de oportunistas que penetram a partir de métodos
evasivos de tratamento ou, simplesmente, e mais comumente,
através da pele. O principal veículo de transmissão é a
falta de higiene (mão não lavada) dos enfermeiros ou médicos.
Os médicos da CLIPEL, mesmo cientes da situação, não
denunciaram às autoridades nem comunicaram às famílias
sobre a contaminação da UTI neonatal durante esses 10 meses.
O
segmento humilde da população cliente da CLIPEL foi
facilmente convencido de que a infecção seguida de uma longa
internação, que acabava muitas vezes em morte, era o caminho
inevitável a percorrer pelos bebês que entravam naquela UTI.
Em
setembro de 1996, o engenheiro civil César A. N. Eboli
e a artista plástica Marcela B. Granzella desconfiaram
da morte mal explicada do filho no sexto dia de internação.
O
bebê Nicolas tinha nascido sem problemas e, segundo os médicos,
foi levado à internação só por algumas horas para receber
oxigênio. Algumas horas após a internação os pais foram
informados de que ele estava com uma pequena infecção de
rotina de pouca importância, e , que ficaria internado alguns
dias, sem diagnóstico
claro. O aspecto do bebê era bom e os médicos diziam que em
qualquer momento os pais poderiam levá-lo para casa.
No
final do quinto dia, um dos médicos disse que o bebê
apresentava um quadro grave e, na noite seguinte, o bebê
morreu com hemorragia pulmonar, após ser aspirado sangue dos
pulmões por mais de duas horas.
A
mãe foi informada de uma suposta infecção intra-uterina que
ela teria transmitido ao bebê durante o parto e que seria a causa
mortis. Esse fato foi desmentido pelo ginecologista da mãe
que tinha realizado o parto.
Tendo
sido negado aos pais o prontuário
devido à “razões éticas”, foi solicitado ao laboratório
o antibiograma da bactéria que havia matado o filho, o qual
detectou a bactéria de alta virulência Klebsiella
Pneumoniae.
Marcela
juntou-se a outras mães cujos filhos tinham morrido também
de maneira suspeita e requiseram os antibiogramas no laboratório.
Todas as outras hemoculturas mostraram a mesma bactéria.
Estas
mães denunciaram por escrito, em 17 de dezembro de 1996, o
caso perante a Secretaria de Saúde do Estado do Rio de
Janeiro, que ignorou a denúncia.
Em
abril de 1997 o caso foi denunciado ao Ministério Público de
Cabo Frio e foi instaurado um inquérito policial e ação cível
pública.
O
inquérito se arrastou por mais de dois anos e, em janeiro de
2000, o Ministério Público denunciou os médicos responsáveis
pela CLIPEL por homicídio culposo, responsabilizando-os pela
morte de 52 bebês por infecção hospitalar.
As
mães formaram a Associação das Mães de Cabo Frio para se
unirem nessa luta desigual contra os poderes econômico, político
e corporativista.
A
partir da persistência, dos estudos e análises
por mães, parentes e profissionais imbuídos na busca
pela justiça, chegaram à conclusão que os médicos
internavam o bebê sem qualquer isolamento dos outros já
infectados. Os bebês eram manuseados sem luvas pelas
enfermeiras que tampouco usavam toucas. Os visitantes
reutilizavam as roupas manuseando os seus bebês.
Mesmo
com as seguintes evidências: 82 bebês mortos em 10 meses;
90% dos bebês internados e infectados; 92 hemoculturas de
bactérias típicas de infecção hospitalar; bebês com três
infecções hospitalares consecutivas; percentuais de
mortalidade muito acima da média; prontuários de todos os
bebês internados com óbitos ou altas, relatando casos de
infecção generalizada; inexistência de qualquer documento
da comissão de controle de infecção hospitalar na CLIPEL;
ocultação das infecções e mortes para autoridades e famílias;
adulteração de antibiogramas para o inquérito; sonegação
de exames de laboratório; adulteração das estatísticas de
mortalidade para o inquérito; falsidades e contradições nos
relatórios de internação para o inquérito, o Juiz absolveu
os réus[iv].
Caso
Negligência Médica em Nova Friburgo – No ano de 2003, após
não terem encontrado respaldo para as suas denúncias pelos
órgãos públicos cabíveis aos fatos, três mães se uniram
na cidade de Nova Friburgo para denunciarem tortura, negligência
e maus tratos médicos. É sabido que, desde 1984, mais de
quinze mães e crianças sofreram esses tipos de tortura e
tratamento desumanos por uma única profissional médica, na
maternidade local e em postos de saúde do município de Nova
Friburgo. A maioria dessas mães, pobres e sem condições de
arcar com as despesas relativas aos processos, sem
disponibilidade de tempo ou transporte, estando a maioria
delas abandonada pelos maridos e sem condições de se manter
em empregos formais, não deu início ou continuidade às denúncias.
A seguir ilustra-se um dos casos cujos pais da criança vêm
dando andamento das questões e lutando para que seja feita a
justiça e para que outras tantas mães e crianças não
venham mais a sofrer o mesmo drama que já destruiu tantas
vidas.
Segundo
o relato de Janaína, uma das mães:
“Em
21 de agosto de 2000, minha bolsa rompeu à uma hora da manhã
e fui para a maternidade. Dei entrada por volta de 1:30h, fui
examinada pelo médico e encaminhada para o pré-parto. Passei
a madrugada toda tendo contrações, mas estava tudo sob
controle, até porque, meu pré-natal foi muito bem feito. Na
troca de plantão entrou a Dra. Edna Bartholomeu Mendes que,
ao me examinar no pré-parto, já começou a me tratar com
arrogância. Ao fazer o exame de toque ela me machucou e
quando reclamei educadamente ela falou que tinha 30 anos de
medicina e sabia o que estava fazendo. Isso me deixou muito
nervosa e comecei a chorar muito, até porque estava tendo meu
primeiro filho. Nisso ela falou que a minha bolsa era
ininterrupta e ficou tentando rompê-la. Mas minha bolsa já
tinha sido rompida em casa e já se tinham passado umas oito
horas. Ainda na sala do pré- parto ela me mandou fazer força
para que o bebê nascesse, mas ele não nascia. Ela então me
deu uma injeção para que eu sentisse contração, mas não
adiantou. Irritada, ela disse que eu não estava colaborando,
me puxou com força da cama e mandou eu ir andando para o
centro cirúrgico. Comecei a chorar e disse que não queria
mais, só que eu estava me referindo ao parto normal. Com
ironia ela disse que eu tive nove meses de tempo para abortar.
Durante o procedimento não estava sentindo mais nada, mas ela
achava que era frescura minha. Meu filho já estava entrando
em sofrimento, mas ela em nenhum momento escutou os batimentos
cardíacos dele e só forçava. Além disso, ficava falando
palavrões chulos e reclamava que eu não estava fazendo força
direito. Além disso, fui ficando com falta de ar, recebi oxigênio
e acabei perdendo os sentidos. Quando voltei a mim, ela falou
com deboche que minha contração era muito demorada e ficou
esperando. Ao todo, meu filho ficou preso cerca de uma hora e
tenho certeza de que ele foi puxado com fórceps. Apesar dela
não ter colocado no prontuário, senti um solavanco e ele tem
uma cicatriz na cabeça. Ao perguntar se meu filho estava bem,
ela disse que ele não poderia ter passado tanto tempo na
minha barriga. Uma enfermeira acabou me tranqüilizando, mas
comecei a chorar. Nisso ela disse que só tiraria a placenta
se eu ficasse quieta. Mais tarde, ao ir para a enfermaria,
estava paralisada, sem conseguir me mexer e fiquei sabendo que
meu filho nasceu com uma anorexia cerebral por asfixia no
parto. Ele precisou ficar 35 dias em coma induzido, para não
aumentar a lesão.
Ao
ser examinada pela Dra. Edna, ouvi que deveria pedir a Deus
para que meu filho sobrevivesse, já que eu não tinha
colaborado na hora do parto. Com isso entrei em depressão pós-parto
e fiquei me sentindo culpada. Ao conversar com a psicóloga
fui confortada e vi que a culpa não era minha. Meu filho
ficou preso muito tempo e faltou oxigênio no cérebro dele. A
médica deveria ter feito uma cesárea, já que ele nasceu
muito grande, com 3.900 kg e 51 cm.
Fui
chamada pelo diretor da maternidade para contar o que tinha
acontecido e ela acabou sendo afastada do hospital porque, 15
dias antes, tinha sido negligente em outro parto. Enquanto
ainda estava internada fiz o exame de corpo delito, registrei
o caso ao CREMERJ e ao Ministério Público. Eu e meu marido
estamos aguardando que a justiça seja feita. Acho um absurdo
terem mantido uma profissional negligente como esta durante
tanto tempo na maternidade e também entrei com um processo
contra a prefeitura. Fiquei seis anos tentando engravidar e na
hora do parto sou tratada com descaso por essa médica. Meu
filho tem uma paralisia cerebral gravíssima, ele foi
submetido a uma traqueotomia para poder respirar, precisa se
alimentar por uma sonda na barriga, porque não tem deglutição
e é convulsivo, entre outros problemas. Temos gastos altíssimos
e tive que deixar meu emprego de auxiliar de escritório para
me dedicar exclusivamente a ele. Quando comecei a fazer o
tratamento do meu filho na APAE soube de vários casos
causados por negligência dessa médica. Decidi entrar em
contato com essas mães para unirmos forças e buscarmos justiça.
Até
agora sei de dez casos semelhantes provocados pela mesma médica,
mas acreditamos que existam mais e peço que essas mães
entrem em contato conosco.” Janaína da Silva Mineiro, 26
anos, dona de casa, mãe de Luiz Guilherme da Silva Mineiro,
de três anos[v].
Marco
Legal de Proteção aos Direitos Humanos das Mulheres
Os
Direitos Humanos têm como valor-fonte a dignidade da pessoa
humana e são os fatores determinantes para a interpretação
e aplicação da Constituição Brasileira.
O Estado existe para garantir e promover a dignidade de todas
as pessoas e, nesse amplo alcance, está considerada como o
fundamento último do Estado Brasileiro. É em decorrência do
princípio da dignidade da pessoa humana que a Constituição
de 1988, no seu Título II, "Dos Direitos e Garantias
Fundamentais", afirma uma extensa relação de direitos
individuais e coletivos sendo que, no Capítulo I, Artigo 5º
parágrafo III – “ninguém será submetido a tortura nem a
tratamento desumano ou degradante”. No Título VII, “Da
Ordem Social” Capítulo II / Seção II
art. 196 a
Constituição determina que “A saúde é um direito de
todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas públicas
sociais e econômicas que visem a redução do risco de doenças
e o acesso igualitário aos meios para a promoção, proteção
e recuperação da saúde”.
Na
Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de
Discriminação contra a Mulher / CEDAW da ONU ratificada em
1984, e o Protocolo Facultativo à CEDAW ratificada em 2002 o
Art.12 – 1 determina: “Os Estados Partes adotarão todas
as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra
a mulher na esfera dos cuidados médicos a fim de assegurar,
em condições de igualdade entre homens e mulheres o acesso a
serviços médicos, inclusive os referentes ao planejamento
familiar. 2- Sem prejuízo no parágrafo 1o, os
Estados – Partes garantirão à mulher assistência
apropriada em relação à gravidez, ao parto e ao período
posterior ao parto, proporcionando assistência gratuita
quando assim for necessário, e lhe assegurarão uma nutrição
adequada durante a gravidez e a lactância.
A
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a
Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará,
ratificada e aprovada pelo Congresso Nacional Brasileiro em
1995 define a Violência contra a Mulher como “qualquer ato
ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou
sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na
esfera pública ou privada”. Em seu art.4o
determina que“Toda mulher tem direito ao reconhecimento,
desfrute, exercício e proteção de todos os direitos humanos
e liberdades consagrados, em todos os instrumentos regionais e
internacionais, relativos aos direitos humanos”. Esses
direitos abrangem entre outros: a) o direito à vida; b)
direito a que se respeite a sua integridade física, mental e
moral; c) direito a não ser submetida à tortura; d) direito
a que se respeite a sua dignidade da sua pessoa e a que se
proteja a sua família; e) direito a recurso simples e rápido
perante tribunal competente que a proteja contra atos que
violem seus direitos”.
O
Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e
Neonatal, lançado em 27 de maio, deste ano d 2004, pelo
Ministério da Saúde refere que, as altas taxas de
mortalidade materna e neonatal encontradas no Brasil se
configuram como violação aos Direitos Humanos de Mulheres e
Crianças e é um grave problema de saúde público, atingindo
desigualmente as regiões brasileiras, com maior prevalência
entre mulheres e crianças das classes sociais com menor
ingresso e acesso aos bens sociais.
As
mortes maternas e neonatais se acham estreitamente
condicionadas à falta de reconhecimento desses eventos como
um problema social e político; ao desconhecimento de sua
verdadeira magnitude; e a deficiência da qualidade dos serviços
de saúde oferecidos às mulheres no ciclo gravídico-puerperal
e ao recém nascido.
O
enfrentamento da problemática da morte materna e neonatal
implica o envolvimento de diferentes atores/atrizes sociais,
de forma a garantirem que as políticas nacionais sejam, de
fato, executadas e respondam às reais necessidades locais da
população.
Algumas
das ações estratégicas previstas no Pacto Nacional pela
Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, são:
Qualificar
e humanizar a atenção ao parto, ao nascimento e ao
abortamento legal; Qualificar maternidade e hospitais que
realizam o parto e os serviços de urgência, para atenção
às mulheres e recém-nascidos; Priorizar a capacitação e a
educação permanente de todos (as) os (as) profissionais
envolvidos na atenção obstétrica e neonatal; Apoiar o
desenvolvimento de ações de suporte social para gestantes e
recém nascidos de risco; Implantar e apoiar ações de vigilância
do óbito materno e infantil.
Ações
para a Justiça e a Solidariedade no campo da defesa dos
Direitos Humanos das Mulheres.
O
Movimento de Mulheres no Brasil vem ao longo das últimas décadas
contribuindo de forma significativa para a melhoria no país e
no mundo, sobretudo nos países em desenvolvimento, das condições
de vida das mulheres através da luta contra a flagrante
desigualdade em direitos e oportunidades entre os sexos. É
notória a contribuição do movimento feminista na implementação
de políticas públicas mais justas para o acesso à saúde,
justiça, educação e no combate à discriminação e violência.
Fazer valer os direitos das mulheres é construir a
cidadania ativa para todas e todos. Não basta estarem
assinadas Leis, Tratados e Convenções, é preciso uma
articulação em parceria e em redes para que as mudanças
sejam efetivamente realizadas nesse sentido. O Ser Mulher, a
Rede Nacional Feminista de Saúde e Direitos Reprodutivos, a
ADVOCACI e a Rede Social de Justiça e Direitos Humanos estão
dando visibilidade aos fatos, fortalecendo a articulação
social e acionando mecanismos jurídicos, buscando justiça e
reparação.
No
dia 30 de agosto deste ano, em Cabo Frio, foi realizada uma
reunião com a Promotoria Pública, o Ser Mulher e a Associação
das Mães de Cabo Frio para se obter informações sobre o
andamento das Denúncias contra: o Ministério da Saúde de 25
de outubro de 2000; a Coordenadoria de Fiscalização Sanitária
da Secretaria Estadual de Saúde de 22 de abril de 1997; o
CREMERJ de 25 de outubro de 2000 ; as enfermeiras, auxiliares
e autoridade do hospital de 15 de outubro de 1997; e, informações
sobre o andamento do recurso da Ação Criminal contra os médicos
responsáveis pela CLIPEL, cuja sentença de primeira
instancia foi favorável a clínica sendo que por erro na
numeração das folhas retornou a Cabo Frio.
A
Promotoria informou que as denúncias acima referidas foram
encaminhadas para Promotoria de Tutela Coletiva de Cabo Frio;
que somente no mês de setembro teria um Promotor Titular, o
qual, assim que possível, estaria agendando audiência com a
Associação de Mães; que o recurso da Ação Penal contra os
médicos responsáveis pela CLIPEL voltou para Segunda Instância
para ser julgado, após a correção da numeração das
folhas.
A
Promotoria ainda informou que, no caso das crianças que
sobreviveram, mas, ficaram com alguma seqüela, poderá ser
instaurado um novo inquérito, desde que, a Associação de Mães
reúna as provas necessárias.
Em
Nova Friburgo, a partir de junho de 2004, o Ser Mulher, através
das suas voluntárias, estagiárias e Promotoras Legais
Populares, identificou e visitou algumas das mães vítimas da
violência institucional e, no mês de agosto, foi instaurado
um Inquérito Civil na Segunda Promotoria de Justiça de
Tutela Coletiva do Núcleo Friburgo que se encontra na fase de
coleta de depoimentos das mães que sofreram os maus-tratos e
negligência médica. Já foram ouvidas quatro mães estando
outras aguardando agendamento para audiência.
Janaina,
mãe de Luiz Guilherme, que nasceu com anorexia cerebral
resultante da falta de oxigênio durante o parto, hoje com
quatro anos e pesa somente 10 quilos, já havia entrado com um
processo indenizatório contra a Maternidade, mas ainda não
foi julgado por falta de laudo pericial. Todos os médicos que
foram chamados se recusaram a fazer o referido laudo. Na mesma
época, foi feito um Registro de Ocorrência pela lesão
corporal sofrida pela criança, que ainda se encontra na
Delegacia Policial para novas diligências.
Conclusão
Observa-se
que o marco legal de proteção aos Direitos Humanos das
Mulheres sucintamente referido neste artigo, embasa
satisfatoriamente as ações em busca de justiça e reparação
de direitos humanos das mulheres violados por casos de violência
institucional. Contudo, poucos são os resultados positivos,
tanto na dimensão da luta quanto no tempo transcorrido. A
demora no avanço e suas causas constituem tema de avaliação
permanente, tendo em vista a construção de estratégias
efetivas de mudança social na área da saúde e dos direitos
humanos no Brasil.
Este
artigo é um modo de contribuir e prosseguir na busca da
modificação dos padrões sócio-culturais no que se refere
à violência de gênero aqui especificada na violência
institucional contra as mulheres.
Finalmente
vale aqui referendar a Declaração e Metas do Milênio das Nações
Unidas, documento histórico, aprovado na cúpula do Milênio,
realizado em setembro de 2000, em Nova Iorque onde reflete a
preocupação de 147 Chefes de Estado e 191 países para com
oito graves problemas mundiais onde consta: erradicar a
pobreza; atingir o ensino básico universal; promover a
igualdade entre sexos e a autonomia das mulheres entre outros.
No seu objetivo quatro, meta cinco determina em “Reduzir em
dois terços, entre 1990 e 2015, a mortalidade de crianças
com menos de cinco anos” e, no seu objetivo cinco
“Melhorar a Saúde Materna” determina a redução da
mortalidade materna através de partos assistidos por pessoal
de saúde qualificado.
Referências
Bibliográficas:
-Este programa abrange a formação e coordenação da
Rede Multisetorial de Atendimento às Mulheres Vítimas de
Violência denominada REMUV e o serviço telefônico
“Disque Mulher”, além do monitoramento permanente as
políticas públicas do município de Nova Friburgo, RJ.
A Instituição Ser Mulher conta com os termos de
consentimento para fins de divulgação dos dados
assinados pelas mães de Cabo Frio e de Nova Friburgo.
O prontuário pertence ao paciente, segundo normas do
Conselho Federal de Medicina.
[i]
Ministério da Saúde/
Violência Intrafamiliar- Orientações para a Prática em
Serviço / Cadernos de Atenção Básica –nº 8
pág. 28 - 2a.Edição- Brasília – DF
/ 2003.
[ii]
10 anos da adoção
da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e
Erradicar a Violência contra a Mulher / Convenção de
Belém do Pará – AGENDE / Ações em Gênero e
Cidadania e Desenvolvimento-Brasília, Junho de 2004.
[iii]
Cartilha “O que nós como profissionais de saúde
podemos fazer para promover os direitos humanos das
mulheres na gravidez e no parto” do Coletivo Feminista e
Faculdade de Medicina da USP /
edição 2002 /2003.
[iv]
Página eletrônica
da Associação de Mães de Cabo Frio RJ.
(http://www.movimentodemulheres@cabofrio.psi.br/)
[v]
Reportagem do
jornal “A Voz da Serra” / Nova Friburgo, RJ, 16 de
setembro de 2003.
*Laura
Mury é Coordenadora do Programa Cidadania,
Direitos e Violência contra a Mulher do Ser Mulher (Centro
de Estudos e Ação da Mulher)
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