Pagina Principal  

Relatórios
 

Se é verdade que deve-se valorizar todas as iniciativas que promovam políticas afirmativas em qualquer nível de ensino, é verdade também, que qualquer mecanismo que implique em apoio à iniciativa privada por parte do setor público na área da educação só pode ocorrer por períodos limitados, em regime emergencial, baseados em um plano claro de reposição da oferta pública de qualidade para todas as pessoas.

  

A educação no Brasil na era Lula, um breve balanço

*Sérgio Haddad e **Mariângela Graciano

 

 Este texto trata em linhas gerais a política educacional do governo federal em curso no Brasil no período de janeiro de 2003 a setembro de 2004, e de como o Direito Humano à Educação tem sido atendido pelo Governo Lula.

 O governo brasileiro, por meio do Ministério da Educação – MEC, elegeu como prioridades ações para democratizar o acesso à educação em todos os níveis, por meio da continuidade do programa Brasil Alfabetizado, e da formulação de legislações visando à implantação de uma reforma universitária e a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – Fundeb.

 O Programa Brasil Alfabetizado apresenta avanços em relação às campanhas e programas de alfabetização promovidos no País desde a década de 1940 e especificamente em relação ao Alfabetização Solidária, única iniciativa do governo federal entre 1998 e 2002.

 Inicialmente, deve-se valorizar o fato de ser um programa de iniciativa de governo, ao contrário do programa anterior, que punha na mão da sociedade civil a responsabilidade por um direito que só pode ser realizado pela ação efetiva do Estado. Além do mais, o programa se constituiu de forma mais democrática, prevendo mecanismos de controle social, tanto em relação aos seus convênios, como em relação à identificação do atendimento e à evolução da abrangência do programa. Por outro lado, o programa foi lançado de maneira inadequada quanto às suas intenções de erradicação do analfabetismo, falando em 20 milhões de jovens e adultos que não sabem ler e escrever, quando este número não passa de 15 milhões. Além do mais, criou uma expectativa de atendimento sem criar as condições necessárias para tal. Não havia estudos sobre os mecanismos de atendimento, principalmente nos contratos com entidades da sociedade civil, nem tão pouco análise sobre as ações já existentens no sistema público de ensino para o atendimento deste grupo social.

 O mais grave, no entanto, é que os recursos destinados são insuficientes para atingir a meta anunciada. O Programa Brasil Alfabetizado, atendeu 1,92 milhão de jovens e adultos com pouca ou nenhuma escolaridade formal, aplicando um total de R$ 175 milhões, em 2003. Além dos programas produzidos com recursos do MEC, entidades, ONGs e a sociedade também realizaram projetos de alfabetização, totalizando 3,2 milhões de pessoas atendidas naquele ano. A meta para 2004 é atender 1,650 milhão de alfabetizandos, com investimento de R$ 168 milhões.

 Em 2004, já com novo ministro, o debate sobre educação voltou-se para a reforma do ensino universitário, denominada Programa Universidade para Todos – ProUni, além da adoção do sistema de cotas nas instituições federais de ensino superior. O projeto de lei que institui o ProUni encontra-se no Congresso Nacional e  prevê a ocupação de parte das 550 mil vagas ociosas em instituições de ensino superior privadas por estudantes oriundos da rede pública, com renda familiar de até um salário mínimo, e professores da educação básica, sem curso superior. Propõe também que as instituições superiores filantrópicas destinem os 20% de gratuidade, já exigidos por lei, em troca de isenção de impostos estabelecidos pela Constituição Federal exclusivamente para bolsas de estudos.

 Ainda pelo projeto, as instituições, com ou sem fim lucrativo, que aderirem ao ProUni vão oferecer 10% de suas vagas gratuitamente em troca da isenção de alguns impostos.

 Já o Sistema Especial de Reserva de Vagas, que faz parte da Reforma da Educação Superior, determina que 50% das vagas das universidades públicas sejam destinadas a estudantes que tenham cursado o ensino médio em escolas públicas. Nesta cota estão previstas vagas para negros e índios, de acordo com a proporção dessas populações em cada estado, determinada pelo censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

 Aliada à Lei Federal 10.639/2003, promulgada nos primeiros dias do Governo Lula, e que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica, a iniciativa de introduzir o sistema de cotas nas universidades brasileiras, vai além do reconhecimento, por parte do Estado, das desigualdades étnico-raciais, e pela primeira vez são propostas ações afirmativas para sua superação.

 No mesmo sentido, o ProUni também baseia-se na constatação e tentativa de superação da exclusão da população pobre ao conhecimento e bens culturais produzidos pela humanidade, e oportunidades de qualificação profissional.

 No entanto, premido pela insuficiência dos recursos financeiros destinados a este nível de ensino, a concretização do programa está baseada em polêmica relação entre os setores públicos e o privado, em que o Estado, por meio de renúncia fiscal, repassa recursos a instituições privadas de ensino em troca do aumento da oferta vagas, com base em informações sobre a sua ociosidade. Isto decorre do estímulo descontrolado e não planejado à expansão de ofertas de vagas privadas promovida pelo governo anterior de FHC, deixando às universidades públicas em total abandono.

 Se é verdade que deve-se valorizar todas as iniciativas que promovam políticas afirmativas em qualquer nível de ensino, é verdade também, que qualquer mecanismo que implique em apoio à iniciativa privada por parte do setor público na área da educação só pode ocorrer por períodos limitados, em regime emergencial, baseados em um plano claro de reposição da oferta pública de qualidade para todas as pessoas.

 A terceira iniciativa de impacto sobre a educação refere-se à criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), também em tramitação no Congresso Nacional. A iniciativa deve substituir o Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef), implantado a partir de 1998 com o objetivo de financiar apenas o ensino fundamental para as pessoas de 7 a 14 anos, excluindo todos os demais níveis e modalidades da educação básica, como o ensino infantil e médio, e a educação de jovens e adultos. Atualmente, o Fundef atende 32 milhões de alunos. Com a criação do Fundeb, a previsão é de que sejam atendidos mais de 47 milhões de estudantes, matriculados na educação infantil, no ensino fundamental e médio das redes municipais e estaduais, em todas as modalidades de ensino (educação de jovens e adultos, educação especial, educação indígena, educação profissional e educação do campo).

 A lógica permanece a mesma: estados que não conseguirem, com recursos próprios, viabilizar investimento mínimo por aluno nas redes educacionais estaduais e municipais, receberão complementação de recursos do Governo Federal.

 Também este programa está imbuído da lógica da universalização, incorporando setores excluídos pela proposta do governo anterior; no entanto, o Ministério da Educação não apresenta dados que indiquem que o volume de recursos necessários para a sustenção do programa a médio e longo prazos está garantido. Outra determinação bastante criticada na proposta é a possibilidade desde Fundo financiar também o Ensino Superior, dividindo ainda mais os escassos recursos.

 Estas iniciativas ilustram o impasse do atual governo federal: programas pautados nos princípios de universalização do direito educacional e superação das desigualdades, mas estagnados e ou desvirtuados pela falta de recursos, provocada em grande medida pela manutenção da lógica da política econômica de governos anteriores. Premido pela chamada “governabilidade política”, o atual governo dá continuidade aos acordos com as instituições financeira multilaterais, mantendo uma política de ajuste rigoroso, com altas taxas de juros e garantias financeiras ao mercado através um superavit primário que retira do orçamento social grande parte dos recursos necessários à efetivação dos direitos.

 Enquanto faltam recursos para implementação efetiva dos programas anunciados, a economia brasileira vem registrando um aumento progressivo do seu superávit primário para além da meta absurda acordada para este ano com o Fundo Monetário Internacional (FMI) de R$ 56,9 bilhões. Este valor seria suficiente para multiplicar o orçamento do Ministério da Educação, reprogramado para o ano de 2004 em R$6 bilhões e orçado em R$7,6 bilhões para 2005.

 

*Sérgio Haddad é relator nacional para o Direito à Educação

**Mariângela Graciano é assessora da Relatoria Nacional para o Direito à Educação