A
homofobia tem sido responsável por 2.403 assassinatos de
gays, lésbicas e travestis no Brasil nos últimos 20 anos. No
final de 2003, foram consensuadas 53 ações do que se
tornaria o Programa Brasil Sem Homofobia, lançado em 25 de
maio pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência
da República (SEDH). Foi um marco histórico no avanço dos
direitos humanos dos homossexuais.
GLTB
e Direitos Humanos em 2004 : um balanço
*Toni
Reis
O
ano de 2004 tem sido destaque no que diz respeito aos avanços
conquistados no campo dos direitos humanos de gays, lésbicas,
transgêneros e bissexuais (GLTB) no Brasil. Por outro lado,
também tivemos alguns retrocessos e a perda de pessoas muito
importantes para o Movimento.
Programa
Brasil Sem Homofobia
Após
vários anos de consultas junto à sociedade civil organizada
com relação ao Plano Nacional de Direitos Humanos e seu
desdobramento em ações concretas voltadas para mudanças
positivas e afirmativas em relação à cidadania GLTB, no
final de 2003 em seminário ampliado, foram consensuadas 53 ações
do que se tornaria o Programa Brasil Sem Homofobia, lançado
em 25 de maio pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da
Presidência da República (SEDH). Foi um marco histórico no
avanço dos direitos humanos dos homossexuais. Por sua
transversalidade e sua representatividade, o Programa é uma
verdadeira conquista para a democracia no Brasil.
Homofobia
é o medo, a aversão ou o ódio irracional aos homossexuais:
pessoas que têm atração afetiva e sexual para pessoas do
mesmo sexo. É
a causa primária da discriminação e violência contra os
homossexuais.
A
homofobia tem sido responsável por 2.403 assassinatos de
gays, lésbicas e travestis no Brasil nos últimos 20 anos
(fonte: Grupo Gay da Bahia). É responsável por atitudes e
comportamentos documentados na pesquisa "Juventudes e
Sexualidades" realizada pela UNESCO em 14 capitais
brasileiras no ano 2000, com 16.422 alunos, 3.099
educadores(as) e 4.532 pais e mães de alunos(as) de 241
escolas, onde: 27% dos(as) alunos(as) não gostariam de ter
homossexuais como colegas de classe; 35% dos pais e mães de
alunos(as) não gostariam que seus filhos tivessem
homossexuais como colegas de classe e; 15% dos(as) alunos(as)
consideram a homossexualidade uma doença. Inclusive, a
publicação de "Juventudes e Sexualidades" pela
UNESCO por si só é de suma importância para a causa GLTB,
respaldando oficialmente as nossas reivindicações.
A
homofobia pode ser patente como nos exemplos acima, ou velada,
envolvendo a discriminação na seleção para o emprego, locação
de imóveis, ingresso nas forças armadas, na escolha do médico,
do dentista... Qualquer seja sua manifestação, a homofobia
inevitavelmente leva à injustiça e à exclusão social de
quem a sofre.
Para
contribuir para a reversão desta situação, o plano de
implementação do Programa Brasil Sem Homofobia possui 53 ações
envolvendo: a Articulação e Fomento da Política de Promoção
dos Direitos de Homossexuais; Legislação e Justiça; Cooperação
Internacional; o Direito à Segurança: combate à violência
e a impunidade; o Direito à Educação: promovendo valores de
respeito à paz e a não discriminação por orientação
sexual; o Direito à Saúde: consolidando um atendimento e
tratamentos igualitários; o Direito ao Trabalho: garantindo
uma política de acesso e de promoção da não discriminação
por orientação sexual; o Direito à Cultura: construindo uma
política de cultura de paz e valores de promoção da
diversidade humana; além de prever Políticas para a
Juventude, para as Mulheres e contra o Racismo.
Para
atingir tão ampla meta, o Programa envolverá 10 Ministérios
e Secretarias Especiais: o Ministério das Relações
Exteriores; da Justiça; da Educação; da Saúde; do Trabalho
e Emprego; o da Cultura; a Secretaria Especial de Políticas
para as Mulheres; a Secretaria Especial para Políticas de
Promoção da Igualdade Racial; a Secretaria Especial dos
Direitos Humanos e a Secretaria Nacional da Segurança Pública.
Também envolverá uma série de outros órgãos
governamentais, como o Conselho Nacional de Combate à
Discriminação; Conselhos Estaduais e Municipais de Direitos
Humanos; Secretarias Estaduais e Municipais de Segurança Pública;
Universidades; a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
do Ministério Público da União; o Ministério Público do
Trabalho; além do próprio o Parlamento Brasileiro.
Algumas
ações previstas no Programa Brasil Sem Homofobia já estão
saindo do papel. Um exemplo é a criação pelo Ministério da
Cultura do
Grupo de Trabalho de Promoção da Cidadania de GLBT, “com a
finalidade de elaborar um plano para o fomento, incentivo e
apoio às produções artísticas e culturais que promovam a
cultura e a não discriminação por orientação sexual.” O
Grupo de Trabalho foi criado pela Portaria
Nº 219, de 23
julho de 2004 e entre outras representações prevê a
participação de um representante indicado pela ABGLT, dois
representantes indicados pelo Conselho Nacional de Combate à
Discriminação; e Luiz Mott, convidado especial de notório
saber.
Grupos
de trabalho parecidos estão em vias de criação pelo Ministério
da Saúde e pelo Ministério da Educação, visando ao
cumprimento dos objetivos do Programa Brasil Sem Homofobia
referentes a esses dois âmbitos do governo.
Em
agosto de 2004, numa iniciativa da Subsecretaria da Criança e
do Adolescente e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação,
a SEDH realizou uma oficina de trabalho com a temática
Sexualidade e Violação de Direitos¸ implementando propostas
do Programa Brasil sem Homofobia, com representativa participação
de gays, lésbicas e transgêneros. A oficina se dividiu em
grupos de trabalho nas áreas de Políticas Sociais, Educação,
Saúde, Assistência Social e Meio Ambiente,
listando as principais estratégias de atuação de políticas
sociais que contemplam e garantem direitos e respeito às
diversidades: lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros,
dentro da perspectiva de gênero, classe, raça/etnia e
idade/geração.
Conselho
Nacional de Combate à Discriminação - CNCD
A
participação do Movimento Homossexual Brasileiro no CNCD foi
ampliada, e foi
garantida a representatividade de gênero, tendo-se uma vaga
para uma lésbica, uma vaga para uma transgênero e uma vaga
para um gay.
Seminário
de Advocacy do Projeto Somos / ABGLT
Para
a ABGLT, 2004 foi importante na questão de sua organização
e seu fortalecimento, graças à realização em maio do Seminário
de Advocacy do Projeto Somos, com a participação de grupos
GLT de quase todos os estados da União. O Seminário também
permitiu um rico intercâmbio com a UNESCO, o Ministério da
Saúde, representantes do Congresso Nacional, agências
financiadoras e com as demais redes brasileiras que trabalham
com Aids, além dos principais meios de comunicação voltados
para a comunidade GLTB. Foi uma oportunidade para aprender, de
maneira prática, a nos fortalecer e nos organizar ainda mais.
Entre
os principais resultados do Seminário, foi a possibilidade da
formação de uma aliança estratégica entre redes de Lésbicas,
Transgêneros, Redução de Danos, Profissionais do Sexo e de
Pessoas Vivendo com HIV e Aids.
Também
foram construídos coletivamente no Seminário cinco planos de
advocacy para as áreas consideradas críticas para a
cidadania GLTB: 1) Implementação e Monitoramento do Programa
Brasil Sem Homofobia; 2) Descentralização dos Recursos e Ações
em DST e Aids com Gays e Outros HSH; 3) Aprovação de 2 leis
no Congresso Nacional (proibição de discriminação por
orientação sexual e parceria civil registrada); 4) a Resolução
Brasileira na Comissão de Direitos Humanos da ONU contra a
discriminação por orientação sexual; 5) Por um Estado
Laico e contra a intolerância religiosa fundamentalista
contra os GLTB.
Eleições
Municipais
Vinte
e dois candidatos (13 gays, 6 transgêneros e 3 lésbicas)
concorreram nas eleições municipais de 2004.
Um vereador gay foi leito em Vitória da Conquista e
uma Vice Prefeita transgênero foi eleita na cidade de Colônia
(PI).
Projetos
de Lei Discriminatórios
No
lado negativo, 2004 também foi marcado pela tramitação de
projetos de lei que claramente violam os direitos humanos de
GLTB. Entre eles são: PL 2279/03 (Câmara Federal) do
deputado Elimar Máximo Damasceno que torna contravenção o
beijo lascivo entre pessoas do mesmo sexo em público; o PL
2177/03 (Câmara Federal)
do deputado Neucimar Fraga que cria programa de auxílio
e assistência à reorientação sexual das pessoas que
voluntariamente optarem pela mudança de sua orientação
sexual da homossexualidade para a heterossexualidade. Projeto
de lei parecido com este último também tramita na Assembléia
Legislativa do Rio de Janeiro, de autoria do deputado estadual
Pastor Édino Fonseca (PSC), que prevê inclusive que o
programa de reorientação sexual seria do governo.
Saudades
Também
perdemos em 2004 duas grandes lideranças do movimento de
transgêneros, Janaína Dutra e Marcela Prado, após uma longa
luta contra a Aids.
Violência
Em
meio a tantas conquistas, é entristecedor observar que o
Brasil continua ocupando o lugar de “campeão mundial” em
matéria de assassinatos de homossexuais. Só em Curitiba, 6
homossexuais já foram assassinados este ano.
Resolução
Brasileira na ONU
Mediante
pressão de países fundamentalistas, a votação da Resolução
Brasileira sobre a não-discriminação por orientação
sexual e direitos humanos foi adiada novamente pela Comissão
de Direitos Humanos da ONU, ficando para reapresentação em
2005.
ILTGA-LAC
Em
setembro, integrantes do Movimento Homossexual Brasileiro
participaram da
III Conferência Regional da América Latina e Caribe da ILGA
- International Lesbian and Gay Association, realizada em
Santiago do Chile. Uma importante conquista foi a introdução
do "T" (travestis e transexuais) no nome da
ILGA-LAC, ficando agora ILTGA-LAC. A ILTGA-LAC é dividida em
06 sub-regiões: México; América Central; Caribe, Venezuela
e Guianas; Brasil; Andina (Colômbia, Equador, Peru e Bolívia)
e Cone Sul (Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai) e cada
sub-região tem uma representação lésbica, uma
representação transgênero e uma representação gay. Pela
sub-região Brasil as representações foram Rosângela Castro
do Grupo Felipa de Souza (RJ); Liza Minelly do Grupo
Esperança (PR) e Beto de Jesus do Instituto Edson Néris
(SP). Beto também foi eleito como representante gay na
Secretaria Regional da ILTGA-LAC para o próximo biênio.
Campanha
de Prevenção de Aids para Adolescentes Gays
O
Programa Nacional de DST e Aids do Ministério da Saúde lançou
em agosto uma ousada campanha de prevenção para jovens gays,
cujo lema é “Qual é a sua? Gay, bi, hétero ou metro. Seja
você mesmo.” Entre as peças da campanha é um mini-CD com
um programa de rádio com perguntas e respostas sobre a
homossexualidade, a a relação entre pais e filhos na adolescência,
com convidados entrevistados por Penélope Nova da MTV.
Paradas
GLTB
2004
também foi recorde no número de Paradas GLTB. Foram a maior
manifestação de direitos humanos da América Latina e uma
das maiores do mundo: 49 cidades realizaram paradas no Brasil.
De dois anos para cá, está ocorrendo um movimento de
interiorização das paradas. Cidades pequenas e médias já
possuem essas manifestações. A Parada de São Paulo deste
ano foi a maior manifestação cívica da história dos 504
anos de Brasil, além de atingir o ranking do N° 1 Mundial,
com 1,8 milhões de GLTB e simpatizantes na parada. Neste ano,
pela primeira vez
na história, o Presidente da República apoiou expressamente
uma parada do
Orgulho LGTB, a VII Parada do Orgulho LGTBS de Brasília.
Frente
Parlamentar Mista pela Livre Orientação Sexual
Embora
criada em outubro de 2003, em 2004 a Frente Parlamentar já
vem se ampliando e atualmente conta com 59 deputado(as)
federais e 7 senadores(as). A Frente propõe e executa ações
que combatem a homofobia e articula a apresentação e aprovação
de proposições legislativas de interesse da comunidade GLTB
brasileira.
ABGLT
Em
2004, a ABGLT – fundada em 1995 com 31 organizações
fundadoras – atingiu a marca de 144 entidades filiadas,
sendo 91 grupos GLTB e 53 organizações colaboradoras.
Resumindo
Em
uma década, com todas as limitações e com todas os esforços
opositores que nos cercam,
se avançou, e muito. Ainda temos muito o que avançar,
porém estamos no rumo certo. Os esforços das organizações
e dos indivíduos que têm lutado neste sentido são uma prova
disso: o governo federal nos ouve, nos consulta e lança o
Programa Brasil Sem Homofobia; apóia sistematicamente as
organizações de gays, lésbicas e transgêneros na área de
direitos humanos e saúde; fazem-se grandes avanços nos
tribunais de justiça, antecipando-se, através da jurisprudência,
a garantia de direitos em pé de igualdade com os
heterossexuais. Enfim, com a persistência, o fortalecimento e
a organização, estamos progredindo visivelmente.
*Toni
Reis é Secretário Geral da Associação Brasileira de Gays,
Lésbicas e Transgêneros – ABGLT.
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