Introdução
A quase
totalidade dos 32 artigos que compõem o Relatório Direitos
Humanos no Brasil 2005 mostra que o Brasil permanece
apresentando um triste panorama de violações dos direitos
fundamentais, apesar do fortalecimento das cobranças, por
parte dos movimentos populares, pelo direito à terra, à
educação, à saúde, ao trabalho, à moradia e justiça
social. Mas a obra também apresenta a dedicação desses
mesmos movimentos em defesa da cidadania e da dignidade.
O livro
mostra que as metas
estabelecidas para o período
2003/2006 no Plano Nacional de Reforma Agrária foram
assentamento de 400 mil novas famílias; regularização de
posse de 500 mil famílias; crédito fundiário para 127,5 mil
famílias; recuperação da capacidade produtiva e viabilidade
econômica dos atuais assentamentos; cadastramento
georeferenciado do território nacional e regularização de
2,2 milhões de imóveis rurais. Mas os compromissos firmados
com os movimentos sociais não foram cumpridos ou foram apenas
parcialmente.
O ano
de 2005 foi marcado pela violência no campo. Até o final de
agosto, a Comissão Pastoral da Terra registrou 28
assassinatos. Em igual período de 2004 ocorreram 27 mortes.
Nos últimos 33 anos, o estado do Pará teve 772 casos de
assassinatos de trabalhadores rurais e de pessoas que os
apoiavam. Somente em três casos houve o julgamento de
mandantes dos crimes.
A situação
dos atingidos por barragens não foi diferente. Um
levantamento preliminar feito na bacia do Rio Uruguai, sul do
país, mostrou que, nesta região, 107 atingidos por barragens
respondem a processos civis ou criminais demandados pelas
empresas construtoras ou por outros agentes a seu serviço. As
principais lideranças do Movimento dos Atingidos por
Barragens (MAB) na região sul do Brasil respondem sozinhas a
mais de 15 processos cada uma. Os autos dos processos
judiciais somam mais de 30 mil páginas. Para 36 atingidos
processados em ações criminais são pedidas penas que vão
de 1 a 30 anos de prisão por participarem do movimento e 9
pessoas respondem a ação onde se pede indenização de R$ 1
milhão de reais por danos na Usina de Campos Novos. Além
disso, advogados e apoiadores do MAB também estão na lista
de processados, como forma de coagi-los a pararem de apoiar a
luta dos atingidos.
No caso
dos povos indígenas, o quadro permanece preocupante,
especialmente em relação ao povo Guarani-Kaiowá, no estado
do Mato Grosso do Sul, no qual são registradas todas as
formas de violência perpetradas contra as comunidades indígenas.
O artigo do Conselho Indigenista Missionário mostra que ali
estão consolidadas as características clássicas de etnocídio.
Foram registrados 44 casos de morte de crianças de 0 a 3 anos
de idade – sempre por desnutrição -, sendo 31 casos
referentes ao Mato Grosso do Sul. As idades variam de 12 a 53
anos, mas mais da metade dos suicídios são registrados em
adolescentes de 12 a 18 anos. E a totalidade dos casos ocorreu
no povo Guarani-Kaiowá. Ao todo, ocorreram 33 assassinatos de
indígenas, sendo 23 deles em Mato Grosso do Sul, além de 22
casos de tentativas de assassinato e 12 indígenas ameaçados
de morte.
O livro
também enfoca o trabalho escravo. De 1995 a novembro de 2005,
cerca de 16.500 trabalhadores escravos foram libertados no
Brasil. Apenas em 2005
foram 3.285 empregados libertados, 119 fazendas fiscalizadas,
56 operações do Grupo Móvel e R$ 6.257.566,40 pagos em
indenizações. Pesquisadores sobre o tema e representantes do
Ministério do Trabalho concordam que o Plano Nacional para a
Erradicação do Trabalho Escravo – que começou a
ser elaborado ainda no governo Fernando Henrique Cardoso e foi
lançado no governo Lula – foi um avanço na política
governamental em relação ao problema do contingente de mão-de-obra
escrava existente no País.
A violência
policial nas metrópoles é outro tema presente no livro. A
coordenadora do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania
(CESeC) da Universidade Candido Mendes, Silvia Ramos, mostra
que, mesmo tomando apenas três estados brasileiros – Rio de
Janeiro, São Paulo e Minas Gerais -, e comparando com padrões
de polícias reconhecidamente violentas, como África do Sul e
Estados Unidos, revela-se um padrão de uso de força letal
fora de qualquer proporção aceitável. As polícias do RJ,
de SP e MG mataram quase cinco vezes mais civis do que todas
as polícias de todos os estados norte-americanos juntos.
Os
migrantes indocumentados que vivem, especialmente, em São
Paulo também permanecem em situação degradante. Estima-se
que existam hoje, na capital paulista, centenas de milhares de
latino-americanos, dos quais 40% em situação irregular.
Bolivianos, paraguaios, peruanos e chilenos compõem um
verdadeiro exército de mão-de-obra barata e abundante.
Acabam como trabalhadores escravos em oficinas de costura na
região central de São Paulo, em bairros como Brás, Bom
Retiro e Pari.
O
professor Marcio Pochmann, do Instituto de Economia da
Unicamp, escreve sobre o desemprego e mostra que,
atualmente, este transformou-se num fenômeno complexo e
bem heterogêneo, atingindo de forma generalizada a
praticamente todos os segmentos sociais, inclusive as camadas
de maior escolaridade e profissionais com experiências em níveis
hierárquicos superiores e em altos escalões de remuneração.
Pode-se concluir, portanto, que não há mais estratos sociais
imunes ao desemprego no Brasil.
A violência
contra a mulher também está aqui abordada. “O
índice de uma mulher espancada a cada 15 segundos no Brasil
ainda oculta parte da real extensão do problema. O mesmo
pode-se dizer sobre as demais expressões da violência contra
a mulher que foram investigadas, as quais apontaram índices
igualmente obscenos: a cada 15 segundos uma brasileira é
impedida de sair de casa, também a cada 15 segundos outra é
forçada a ter relações sexuais contra sua vontade, a cada 9
segundos outra é ofendida em sua conduta sexual ou por seu
desempenho no trabalho doméstico ou remunerado”,
escrevem Gustavo Venturi e Marisol Recamán.
O
programa Fome Zero e a política de segurança alimentar e
nutricional também estão analisados no Relatório pelo
relator nacional para os Direitos Humanos à Alimentação, Água
e Terra Rural, Flávio Valente. Ele mostra que, apesar dos
avanços, a pobreza, a fome e as violações ao direito humano
à alimentação adequada continuam sendo um enorme desafio a
ser transposto pela sociedade brasileira, especialmente em
relação aos povos indígenas, quilombolas, afrodescendentes,
às populações acampadas, assentadas, aos sem teto, em situação
de rua e aos que sobrevivem dos lixões. Ainda são milhões
de famílias que, mesmo recebendo uma complementação de
renda regular, não conseguem se inserir de forma sustentável
no processo produtivo, com a possibilidade de garantir de
forma digna a alimentação para si e para os familiares.
A política
ambiental para a Amazônia é o tema do artigo do coordenador
do Projeto Brasil Sustentável e Democrático/Fase,
Jean-Pierre Leroy. “Não
se nega que o governo Lula herdou uma dinâmica destrutiva de
ocupação da Amazônia brasileira, uma burocracia em parte
corrompida, uma política macroeconômica com a qual não
podia romper de imediato”,
analisa. “Mas
ele tratou de fazer frutificar a herança. O discurso e as práticas
do crescimento associados a uma política macroeconômica de
estabilidade são duplamente ruinosos para a Amazônia.”
O
texto sobre educação mostra que a proposta do novo Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb)
exclui parte da educação infantil – creches para o
atendimento de crianças de 0 a 3 anos -, o que impacta de
forma negativa a vida das crianças, excluídas do acesso à
educação, e de suas mães, sobretudo mulheres de baixa
renda. No novo fundo ainda há um retrocesso sobre a definição
do Custo Aluno Qualidade – o valor que deve ser repassado
por aluno para garantir uma educação de qualidade.
A
situação dos trabalhadores no plantio de cana-de-açúcar
também é preocupante e está aqui retratada. Vários
depoimentos de trabalhadores atestam que algumas usinas
retiram a cesta básica, caso a média de produtividade seja
inferior a 10 toneladas de cana cortada por dia. Informações
recentes apontam para a diminuição dos salários em vários
locais. Na região de Itápolis, em São Paulo, a caixa de
laranja está sendo paga por apenas R$ 0,30, enquanto em 2001
o preço era correspondente a R$ 1,30. Na região de Ribeirão
Preto, para compensar a fraca alimentação dos cortadores de
cana e as exigências do aumento da produtividade, os
usineiros estão distribuindo um componente à base de glicose
aos trabalhadores depois do meio dia, quando, em razão do
aumento do dispêndio de energia, há muitas manifestações
de cãibras e fortes dores na coluna. A perda líquida do
organismo em função do alto ritmo de trabalho – o cortador
dá 9.700 golpes de facão para atingir a média de dez
toneladas diárias de cana – além de ocasionar as cãibras,
provoca inúmeras disfunções físicas que chegam a provocar
enfartes.
A última
parte do livro tem como tema Políticas Internacionais e
Direitos Humanos. Dela fazem parte análises sobre a dívida pública
brasileira, a Organização Mundial do Comércio e os efeitos
destrutivos da indústria da cana no Brasil, a estratégia
militar dos Estados Unidos em países como o Brasil e os
efeitos práticos das decisões dos órgãos do Sistema
Interamericano de Direitos Humanos.
|